Cantor, compositor e instrumentista, Duzão Mortimer volta ao nosso espaço para um bate-papo exclusivo onde traz informações sobre sobre a carreira, o novo álbum entre outros detalhes biográficos
Por Bruno Negromonte
Tal qual um alquimista, Duzão Mortimer sabe dosar tudo aquilo que constitui a sua sonoridade como é possível observar nos mais distintos projetos musicais aos quais vem se dedicando ao longo das últimas três décadas. Seja em projetos coletivos ou em carreira solo, Duzão traz como marca maior naquilo que apresenta um certo q de hibridismo que não o faz divagar aleatoriamente sem saber onde vai chegar. Pelo contrário, é nesse despretensioso contexto que le vagueia firme nos gêneros que a música brasileira tem por melhor como vem sendo possível perceber aqui mesmo em nosso espaço onde o artista mineiro já esteve presente em algumas matérias, dentre as quais a pauta "EQUILÍBRIO E ENERGIA REGEM A MÚSICA DO HOMEM DE LABORATÓRIO", matéria publicada recentemente e que apresenta o seu mais novo projeto fonográfico. Hoje, Duzão volta ao nosso espaço para mais esta entrevista exclusiva. Excelente leitura!!
Se analisarmos a sua discografia veremos que os intervalos existente em seus primeiros projetos são longos. Agora em carreira solo houve um encurtamento nestes intervalos. Sem as amarras inerentes tão presentes nas decisões coletivas a inspiração, no seu caso, flui melhor?
DM - Olha, Bruno, a questão é do tempo para dedicar-me à música. Eu sou professor universitário desde 1983. Me aposentei em 2016 mas mantenho a posição de professor de pós-graduação na Faculdade de Educação da UFMG. Tenho, portanto, alunos de mestrado e doutorado e projetos de pesquisa. No entanto, estou com mais tempo para dedicar à música, sendo daí que vem a maior velocidade nos projetos.
Em sua opinião o que difere este mais recente trabalho do seu projeto anterior?
DM - O trabalho anterior, ‘Trip Lunar”, era mais intimista, com arranjos mais variados e uma sonoridade bem mineira. Mesmo as canções mais pra cima tinham uma certa complexidade. Praticamente toda as letras são do Marcelo Dolabela, que foi e continua sendo o principal letrista das minhas canções. Não havia um tema que predominasse, ainda que grande parte das letras falassem em amor. Assim, ora abordava-se as desventuras de uma Trip Lunar, em que amantes se separam em viagens a Buenos Aires ou Tel Aviv, ora nos corações meninos que são guardados como pássaros que ainda não sabem voar. No “Homem de Laboratório”, ao contrário, predomina uma veia mais pop, com rock, funk, reggae, blues, baião e samba, ainda que os arranjos continuem a ser sofisticados. A essa simplicidade nas músicas soma-se a maior presença minha enquanto letrista, também com mensagens mais diretas e menos sofisticadas, muitas relacionadas a problemas ambientais. Veja, por exemplo, Buraco de Ozônio. Fala diretamente dos possíveis efeitos do buraco na camada de ozônio e do efeito estufa, ainda que com uma clara licença poética. A única sofisticação, que pode passar despercebida ao ouvinte, é a coleção de substâncias químicas que já foram responsáveis por graves acidentes químicos – como o isocianato de metila, que foi responsável pelo Desastre de Bhopal, na Índia, o maior acidente industrial químico ocorrido até hoje. Na madrugada de 3 de dezembro de 1984, 500 mil pessoas foram expostas às 40 toneladas de gases tóxicos – o principal deles é justamente o isocianato de metila – que vazaram da fábrica de pesticidas da empresa norte-americana Union Carbide. A principal causa desse desastre foi a negligência com a segurança. No primeiro momento morreram 3.000 pessoas, mas esse número pode ter chegado a 10 mil, devido a doenças relacionadas à inalação do gás. Da mesma forma, o Césio 137 é o isótopo radioativo responsável pelo Desastre de Goiânia, em 1987, e o mais perigoso isótopo disperso no Desastre de Chernobyl, ocorrido em 1986. Assim, “Buraco de Ozônio” sintetiza uma importante mensagem do disco, que diz respeito aos produtos da Ciência e da Tecnologia que escapam diretamente ao nosso controle e ameaçam o meio ambiente e a nossa existência no Planeta.
O que você destacaria como marca maior deste disco?
DM - Esta é a marca que destaca-se também em outras canções, por exemplo, o “Novo Homem”, poema de Carlos Drummond de Andrade que musiquei. Aí não são as ameaças químicas que importam, mas a ameaça genética. O ser humano está no limiar de criar uma nova espécie, um super-homem de laboratório, que derrotará as doenças e viverá muito mais. Ele “ganhará dinheiro e muitos diplomas, fino cavaleiro em noventa idiomas, chegará a Marte em seu cavalinho, de ir a toda parte mesmo sem caminho”. Mas esse super-homem é também o algoz da espécie humana, pois acabara com o Homo Sapiens. Ou o manterá para satisfazer seus desejos e caprichos, aprofundando a dominação do homem, agora pelo super-homem. Essa é a mensagem que busca passar no disco, sobre o nosso futuro. Acho que é hora de acordarmos para isso, questionarmos o que a Ciência e a Tecnologia têm produzido. Como, apesar dos benefícios inquestionáveis que vêm trazendo à vida de cada um e cada uma, ainda ameaçam a nossa existência sob duas formas distintas: uma é a destruição ambiental, a outra é a destruição genética. Afora essas duas canções que sintetizam a mensagem mais global do disco, há outras igualmente fortes, que questionam problemas mais locais, do Brasil, por exemplo, a violência em que vive o homem e a mulher da cidade grande, com medo tanto do bandido quanto da polícia. “A minha paranoia é a minha solidão”, diz “Luzes da Cidade”, que ao final propõe que se “apague as luzes da cidade, talvez a paranoia se dissolva em confusão, talvez essa penumbra reacenda uma paixão” pois “a luz há de brilhar na estrela e no luar”. Um disco com essas mensagens não poderia ser feito encima de temas musicais intimistas, mineiros. Ele tinha que conter uma veia mais pop, mais agressiva.
Por falar em marca, é muito perceptível tanto no "Trip lunar" quanto em "Homem de laboratório" o contexto agregador nos quais eles foram constituídos. Um exemplo disso é "Vidas secas", canção de autoria do Ivan Mortimer e presente em seu mais recente álbum. Como esse contexto é desenvolvido? É algo natural que vai amadurecendo no decorrer do projeto ou ele já existe ainda quando a coisa está no campo das ideias?
DM - O Ivan é meu filho e sempre me acompanhou, desde que retornei às cenas musicais em 2014, e mesmo antes, quando tentamos relançar “O Grande AH!...” com uma formação mais familiar. Natural que eu busque também divulgar suas músicas e isso só tende a aumentar à medida em que penso nos projetos futuros. No “Trip Lunar” ele comparecia tocando guitarra e baixo e cantando uma das canções, “Quem Inventou?”. Esse projeto foi o primeiro disco solo que fiz, depois de muitos anos sem produzir nada para o público. Natural que eu agregasse várias pessoas. Assim, havia a participação de vários cantores e músicos, como o Ladston do Nascimento, a Leopoldina, a Simone Wajnmsan, o José Luis Braga, o Marcos Pimenta, o Chico Amaral, o Elio Silva, a Daniela Rennó. Houve também a influência dos meus filhos na escolha de uma nova geração de músicos mineiros, como Alexandre Andrés, João Machala, Ygor Rajão, Henrique Staino, Rafael Pimenta, Joana Queiroz, Pedro “Trigo” Santana. Havia também arranjadores muito especiais dessa nova geração, como o Rafael Martini e João Antunes, e outros da minha geração, como Pedro Licínio. O disco foi produzido e dirigido musicalmente com muito carinho e dedicação pelo Thiakov, também da nova geração. Agora, no “Homem de Laboratório” eu coloquei mais a minha marca, pois canto todas as canções, algumas com vocais de Leopoldina, duas dividindo o lead vocal com Marcos Pimenta, um eterno parceiro e amigo, e uma com Juliana Perdigão, um nome emergente na música mineira. A exceção fica justamente para “Vidas Secas”, cantada pelo Ivan Mortimer. Em “Trip Lunar”, a minha presença como cantor estava diluída, e a banda de base era mais caseira, com os meus dois filhos, Lucas e Ivan, o filho de Marcos Pimenta, Rafael Pimenta, e Leo Lima, um parceiro de longa data, desde os tempos de “O Grande AH!...” No “Homem de Laboratório” eu toquei com uma banda de base que já me acompanhava em shows desde 2015, constituída pelo Vinícius Mendes, que assinou também os arranjos de sopro e teclados e a direção musical, o Gabriel Bruce, na bateria e alguns arranjos rítmicos, o Willian Rosa, no baixo, e o Ivan Mortimer, na guitarra. Portanto, há mais pega nesta banda, mais entrosamento, o que condiz com o astral do disco, mas pra cima. Evidentemente que diferentes músicos contribuíram com os arranjos, mas a sua presença no disco é mais diluída, colaborando com arranjos que já estão estruturados pela banda de base.
Quanto ao título "Homem de laboratório" pode subtender-se que se trata de uma sutil alusão à sua vida enquanto docente de química?
DM - Essa é uma leitura possível, um segundo sentido que propositalmente escapa na leitura. Mas o principal motivo é o poema do Drummond que musiquei, “Novo Homem”, que fala de um homem feito em laboratório, que ao final, acabou com o homem, bem feito. Agora, o que não tira a importância dessas canções para projetos que estamos desenvolvendo para o ano de 2018, e que falarei mais adiante.
Em tempos onde o dinamismo e a urgência predominam, você vem (a partir do seu próprio tempo) apresentar um disco concebido em quase um ano e meio. como se dá essa relação com o tempo?
DM - Eu tenho 62 anos, e isso faz toda a diferença. Não há pressa quando se atinge essa idade. O importante é deixar as coisas decantarem, amadurecerem, esfriarem para ouvir novamente. Além disso, eu mantenho outras atividades na minha vida de professor universitário. Mas o principal motivo é justamente dar tempo ao tempo para que a coisas se acomodem bem, para que fiquem próximas ao que realmente queremos. Um disco feito em pouco tempo não permite isso. Você põe o ponto final nas músicas muito rapidamente.
Por falar neste contexto como se dá o seu processo de composição?
DM - Eu, atualmente, componho basicamente por duas vias: uma é pura inspiração e as músicas vem de primeira, completas, e aí vou trabalhar com letras e adaptá-las ao formato da música. Outra via é o trabalho árduo encima de temas que surgem. Eu trabalho profundamente esses temas, vou remoendo-os mesmo, até que encontro uma saída e a música se completa. Quase sempre uso o instrumento para compor, seja o violão e a guitarra, seja o piano. Já fiz muitas músicas em conjunto com o Marcelo Dolabela, buscando nas suas letras a sonoridade adequada para compor uma canção ou compondo a letra na medida da música, mas já faz tempo que não uso essa alternativa.
Como se deu a escolha do repertório? (uma vez que o disco mostra-se abrangente e coerente ao se tratar dos gêneros apresentados)
DM - O repertório vem naturalmente quando pensamos na estrutura de cada disco. No “Trip Lunar” havia essa coisa da mineiridade e da doçura, e isso predominou na escolha do repertório. No “Homem de Laboratório”, a pega mais pop foi fundamental e isso também predominou na escolha do repertório. Portanto, cada disco tem sua estrutura pensada antes mesmo de escolher o repertório e isso determina essa escolha, pois fica fácil buscar, entre as minhas canções, aquelas que têm a cara que definimos para o disco.
Ao longo dessas quase três décadas de carreira, você apresenta uma extensa produção acadêmica em detrimento à sua trajetória enquanto músico. Hoje talvez você se encontre em uma situação mais confortável para dedicar-se ao hobby. Como tem sido hoje a resolução desse binômio?
DM - Eu me considero um “músico de laboratório”, ou seja, não consigo pensar na minha vida atual sem a música e sem o trabalho da universidade. Quando comecei na Universidade, em 1983, estávamos a todo vapor com “O Grande AH!...”. Em 1988 fizemos o primeiro disco, e 1989 foi um ano de muitos shows, estava a todo o vapor. Mas em 1990 eu comecei a fazer doutorado, algo que era fundamental para ter uma carreira na Universidade. E aí percebi que não dava para conciliar as coisas, que a carreira universitária demandava muito. Assim, fizemos mais um disco, Mariantivel, em 1997, mas esse já foi um projeto feito sem muito tempo. Abandonei a carreira de músico naturalmente, eu queria desenvolver minha profissão de professor universitário e ela exigia dedicação exclusiva. Agora, em 2013, quando decidi fazer o disco solo, “Trip Lunar”, era como um teste para o meu futuro. Eu queria voltar para a carreira de músico, cantor e compositor e um disco era a melhor solução para marcar um reinício. Em 2014 o disco ficou pronto e partimos para o lançamento. Eu, ao mesmo tempo, pedi minha aposentadoria em 2016 e agora estou com mais tempo para dedicar à essa velha/nova carreira. Só que não tem sido fácil, as coisas mudaram muito, mas eu continuo teimando em fazer música e em lançar novos projetos. Aí surgiu “Homem de Laboratório”, que começou a ser feito em 2016 e está aí, na praça. Já tenho um novo projeto no forno, mas em 2018 vou me dedicar a divulgar o “Homem de Laboratório”.
Como estão a questão da divulgação deste novo projeto para 2018?
DM - Pois é, como eu falei, a vida de músico continua difícil. Aí, temos que pensar em alternativas para conseguir divulgar o trabalho e nos firmar no cenário musical. Esse novo disco é justamente a fusão entre o Duzão químico e o Duzão músico - é nesse filão que eu pretendo atuar. Fazer projetos de aulas-shows nas escolas públicas, para turmas de adolescentes, discutindo os temas de ciência e tecnologia que povoam o “Homem de Laboratório” e que procurei sintetizar nesta entrevista: a destruição do meio ambiente e os resultados da revolução genética que podem aniquilar o Homo Sapiens. Eu recupero também algumas canções didático-científicas que estavam, por exemplo, no disco “1989” de “O Grande AH!....”. “A Terceira de Newton” é uma estória bem humorada dos três dias na vida de Newton que antecederam a formulação da sua Terceira Lei. Assim, essa aula-show, que será feita unicamente por mim, terá vários elementos de ciência e de música e os alunos serão convidados a elaborar algo nesta fronteira. Depois de fazermos aulas-shows em algumas escolas de um bairro que tem um Centro Cultural, faremos um show neste Centro, agora com toda a banda, para mostrar o “Homem de Laboratório” para uma plateia mais
ampla, mas que tem por base os adolescentes que participaram das aulas–shows.
Esse é o principal projeto pra 2018 e com ele pretendo começar a romper essa diferença geracional que separa a minha música do adolescente.
Maiores Informações:
Site oficial - http://duzaomortimer.com.br
Amazon - https://www.amazon.com/Trip-Lunar-Duzão-Mortimer/dp/B00IZNQVDE
Bandcamp - https://duzaomortimer.bandcamp.com
Itunes - https://itunes.apple.com/us/album/trip-lunar/id840161884
Last.fm - https://www.last.fm/pt/music/Duzão+Mortimer
Soundcloud - https://soundcloud.com/eduardo-mortimer