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terça-feira, 31 de julho de 2018

CANTOR RÔMULO FRÓES RENOVA CANÇÕES EM NOVO ÁLBUM

Gravado com outros dez músicos, Disco das horas ''É a história de um casal relembrando-se de tempos passados, escapando do cotidiano atual, que é absolutamente avassalador''


Por Mariana Peixoto



Em 15 de janeiro de 2017, o cantor e compositor paulistano Rômulo Fróes recebeu o seguinte e-mail do artista Nuno Ramos, seu parceiro de longa data. “Estou te mandando uma coisa meio esquisita aí pra você ver o que faz... Considero uma espécie de suíte, no sentido de ser uma coisa com sequência. Podia até se chamar ‘Suíte número 0’. Acho que não é uma canção, mas um disco inteiro, ou quase. Pensei em fazer 12 ‘unidades’, formando um ‘disco das horas’ (outro nome possível), mas tô te mandando 8... Acho que deve ser supercomplicado pra musicar... Talvez sejam ‘elevadas’ demais pra dar boa canção, não sei, mas acho que vale tentar. Canção de amor pode tudo. Seria um disco só de canções de amor. Acho que sempre quis propor isso a você.”

A “coisa meio esquisita” que Ramos falou eram oito letras. “Supercomplicado para musicar?” Fróes levou dois dias para finalizá-las. Enviou as canções e pediu letras para outras quatro. “O Nuno não sabe brincar e mandou cinco, pois 13 era um número menos redondo”, comenta.

Pois eis que um ano e meio após aquele e-mail, enviado no meio de uma conexão em Roma, vem a público O disco das horas, novo trabalho de um dos nomes mais inventivos da música brasileira contemporânea. “É a história de um casal relembrando-se de tempos passados, escapando do cotidiano atual, que é absolutamente avassalador”, comenta.

Ele não mexeu em nada nas letras de Ramos. Só não conseguiu musicar a última delas, a 13ª – papel que coube a Thiago França, também responsável pelos arranjos, coprodução e direção musical. Como resolveu tratar o álbum como uma suíte, chamou cada uma das canções pela hora. Desta maneira, o disco tem início com a Primeira hora e termina com a Décima terceira hora.

“É gelo o amor/ Que fizemos agora naquela poltrona?”, pergunta Juliana Perdigão em Segunda hora. “Da carne cravada/ No coração/ Entrando e saindo/ Risada e gemido/ Cavando um umbigo/ Na imensidão”, canta Fróes em Décima hora.

“O texto das canções não é simples, mas também não é complexo. Não gosto de canções tolas, fico sempre querendo transformá-la, encontrar novos caminhos. Este disco tem melodias absolutamente assobiáveis. Elas só não são preguiçosas. Busco exaltar a canção em suas possibilidades”, comenta Fróes, logo acrescentando. “O Chico Buarque tem feito canções muito mais difíceis que eu. Caravanas é, na minha opinião, a maior canção da última década. Tenta cantá-la para ver como é difícil”, afirma.

Fróes, que já soma 11 álbuns solo, achou que era o momento de abrir mão de uma participação nos arranjos. Mandou as melodias, sempre voz e violão, para a França. “Só falei com ele da minha inspiração, que tem a ver com meu pai (a quem o disco é dedicado), que considerava a Santíssima Trindade o Jamelão cantando Lupicínio Rodrigues acompanhado da Orquestra Tabajara. Queria que eles imprimissem as influências dele, que não são naturais para mim, sobretudo o jazz. Conheço e ouço, mas não tenho intimidade com Miles Davis, Gil Evans, referências que ele trouxe para o trabalho”, conta.

Assim como o processo de composição, o de gravação foi muito rápido. Um combo de 10 músicos participou do disco (com naipe de metais bastante rico), gravado em cinco dias. Todas as faixas foram registradas ao vivo, com três takes. “A demora em lançar o disco se deveu mais a questões mundanas da vida. Tem mais a ver com as condições de gravar, conseguir dinheiro, do que a duração em gravar.”

E é com uma banda de 10 pessoas que ele vai levar O disco das horas para os palcos – a estreia será no dia 13, no Sesc Pompeia, em São Paulo. As músicas serão interpretadas na ordem e na íntegra. Quando começar a viajar com o novo show, ele vai ver a possibilidade de fazer a apresentação com todos os músicos. Senão, fará as devidas adaptações. “Não quero cometer o erro que cometi com o disco do Nelson Cavaquinho (Rei vadio, de 2016, só com canções do músico carioca). Ele tinha uma banda enorme e como me apeguei ao som do disco, acabei fazendo poucos shows. Como O disco das horas é de canções, ele funciona com voz e violão”, finaliza.


O DISCO DAS HORAS
De Rômulo Fróes
13 faixas
YB Music
Disponível nas plataformas digitais
R$ 20 (CD) e R$ 110 (vinil)

10 ANOS SEM ZEZÉ GONZAGA


Filha e neta de músicos, sua mãe chamava-se Oraide e era flautista. O pai, Rodolpho, era "luthier", tendo inclusive construído um instrumento para Luperce Miranda. Começou a cantar aos 13 anos, quando se mudou para a cidade vizinha de Além-Paraíba e passou a apresentar-se no Rex Clube. Recebeu incentivo da família, que apoiava que seguisse a carreira de cantora lírica. Começou a estudar canto com a professora Graziela de Salerno, que gostava muito de seu registro de soprano ligeiro, e além de canto, estudou piano e leitura musical. Fez seus estudos escolares na cidade vizinha de Porto Novo, com bolsa de estudos, compensada por pequenos serviços realizados por seu pai, já que sua família vivia com dificuldade. Foi em Porto Novo que fez sua primeira apresentação, cantando a valsa "Neusa", de Antônio Caldas (pai do cantor Sílvio Caldas), grande sucesso de Orlando Silva. Iniciou sua carreira como caloura no programa de Ary Barroso, em 1942. Na ocasião, recebeu a nota máxima ao interpretar "Sempre no meu coração". Logo em seguida, recebeu convite para se apresentar no programa radiofônico "Escada do Jacó", do popular radialista Zé Bacurau. Depois de curta temporada no Rio de Janeiro, retornou a Porto Novo para continuar seus estudos. Nessa época, costumava fazer pequenas apresentações num clube de jazz, o que lhe causou problemas na escola, pois além da discriminação racial, enfrentava a discriminação por ser artista. Mudou-se definitivamente para o Rio de Janeiro em 1945.

Nesse ano, conquistou o primeiro lugar no programa "Pescando estrelas", da Rádio Clube do Brasil, apresentado por Arnaldo Amaral. Isso lhe valeu um contrato de 800 mil-réis com a emissora, que duraria até 1948. Nessa época, formou com a cantora Odaléa Sodré (filha de Heitor Catumbi) uma dupla chamada "As Moreninhas do Ritmo". Com a parceira, cantou no conjunto do pianista Laerte, na Rádio Jornal do Brasil. Em 1948, assinou contrato com a Rádio Nacional do Rio. Foi levada para lá a partir de um contato do cantor Nuno Roland, que marcou uma reunião com ela a pedido do diretor geral da rádio, Victor Costa. Na ocasião, Victor Costa lhe ofereceu um salário bem mais alto e a cantora, dias depois, já integrava o "cast" da Nacional, tendo como "padrinhos musicais" o próprio Victor Costa, ao lado do cantor Paulo Tapajós. No ano seguinte, gravou seu primeiro disco, pela Star, com os sambas-canção "Inverno", de Clímaco César e "Desci", de Alcyr Pires Vermelho e Cláudio Luiz. Fois por essa época que Paulo Gracindo começou a chamá-la de "minha namorada musical", em seu programa na Rádio Nacional, nos anos 1940, devido a sua técnica e afinação impecável. Depois, integrou vários conjuntos vocais (de diversas formações), alguns dos quais são: "As Moreninhas", "Cantores do céu" e "Vocalistas modernos". Além disso, participou do coro de inúmeras gravações na Rádio Nacional. Em 1951, gravou pela Sinter o samba-canção "Foi você", de Paulo César e Ênio Santos, e o bolero "Canção de Dalila", de Victor Young, com versão de Clímaco César com o qual fez bastante sucesso.



Nesta etiqueta gravou outros discos solo e também com o grupo "As Moreninhas". Em 1952, gravou os sambas "Não quero lembrar", de Sávio Barcelos, Ailce Chaves e Paulo Marques e "Quero esquecer", de Brasinha, Salvador Miceli e Mário Blanco, a valsa "Festa de aniversário", de Joubert de Carvalho e a marcha "Um sonho que eu sonhei", de Alcyr Pires Vermelho e Sá Róris. Em 1953, gravou o baião "É sempre o papai", de Miguel Gustavo e a valsa "Festa de aniversário", de Joubert de Carvalho. No ano seguinte, gravou o bolero "Meu sonho", de Pedroca e Alberto Ribeiro e o "Baião manhoso", de Manoel Macedo e Marcos Valentim. Ainda em 1954, foi contratado pela Columbia e gravou o fox "Canário triste", de V. Floriano com versão de Juvenal Fernandes e o samba canção "Razão de tudo", de Umberto Silva e Nilton Neves. Em 1955, gravou os sambas canção "Sedução", de Carlito e Nazareno de Brito e "Óculos escuros", de Valzinho e Orestes Barbosa, seu maior sucesso. Em 1956, gravou a toada "Moreno que desejo", de Bruno Marnet e a valsa "Natal das crianças", de Blecaute. No mesmo ano, gravou seu primeiro LP, "Zezé Gonzaga", que foi considerado o melhor disco do ano e trazia entre suas faixas "Ai ioiô (Linda Flor)", de Henrique Vogeler e Luiz Peixoto, que passou a ser considerada uma de suas grandes interpretações, além de "Nunca jamais", de Lalo Ferreira, numa versão de Marques Porto. Em 1957, gravou os boleros "Não sonhe comigo", de Fernando César, "Tédio", de Fernando César e Nazareno de Brito e "Vivo a cantar", de Cícero Nunes e Bruno Marnet. No ano seguinte, gravou o samba jongo "Cafuné", de Dênis Brean e Gilberto Martins e o samba canção "Saia do caminho", de Custódio Mesquita e Evaldo Rui. Em 1959, gravou duas músicas da parceria Tom Jobim e Vinícius de Moraes: o samba "A felicidade" e o fox "Eu sei que vou te amar". Em 1961, passou a gravar na Continental e registrou "A montanha", de Agueró e Moreu, com versão de Fernando César e o samba "Que culpa tenho eu?", de Armando Nunes e Othon Russo.



No mesmo ano, gravou o bolero "Há sempre alguém", de Luiz Mergulhão e Umberto Silva e o samba "Um beijo, nada mais", de Almeida Rego e Índio. Em 1962, gravou a balada "Rosa de maio", de Custódio Mesquita e Evaldo Rui, o rasqueado "Decisão cruel", de Palmeira e o samba "Neném", de Tito Madi. Considerada uma das mais belas vozes do cast da Rádio Nacional, era com freqüência escalada para participar dos grandes musicais noturnos da emissora, dos quais eram responsáveis os grandes maestros como Radamés Gnattali, Léo Peracchi e outros. Gravou vários discos infantis pela fábrica "Carrossel", com produção de Paulo Tapajós, e na Continental, quando se juntou aos Trios Madrigal e Melodia, para cantar e contar historinhas para crianças. Na década de 1960, associou-se com o maestro Cipó e Jorge Abicalil em uma agência de jingles, vinhetas e trilhas para rádio, TV e cinema (a Tape Produções Musicais Ltda.), onde trabalhava como cantora e compositora. Em parceria com o escritor, produtor e apresentador de rádio Luiz Carlos Saroldi, compôs o tema de abertura do Projeto Minerva, apresentado pela Rádio MEC. Em 1967, gravou o LP "Canção do amor distante" pelo selo Fontana com destaque para "Sorri", de Elton Medeiros e Zé Kéti, "Faça-me o favor", de Fernando César e Britinho, "Não fique triste não", de Jorge Ben e "Veja lá", de Luiz Fernando Freire e Baden Powell. Em 1979, gravou com o Quinteto de Radamés Gnattali um disco em homenagem a Valzinho, que também participou do disco só de composições suas, com produção de Hermínio Bello de Carvalho. O disco "Valzinho - Um doce veneno" teve, além da edição brasileira, uma tiragem destinada ao mercado estrangeiro. Fez algumas apresentações nos anos 1980 com o grupo Cantoras do Rádio, ao lado de Nora Ney, Rosita Gonzales, Violeta Cavalcanti e Ellen de Lima, que lhe renderam dois CDs. Em 1999 gravou o disco "Clássicas" ao lado da cantora Jane Duboc, que também rendeu show encenado no Rio, São Paulo e outras praças brasileiras. O disco trazia entre outras, "Linda flor", de Henrique Vogeler, Marques Porto e Luiz Peixoto, "Olha", de Roberto Carlos e Erasmo Carlos e "Cidade do interior", de Mário Rossi e Marino Pinto, entre outras, No mesmo período, também participou do espetáculo "Lupicínio Rodrigues", ao lado de Áurea Martins, montado em várias casas noturnas do Rio e de São Paulo. Em 2000, participou do Projeto "MPB: A História de Um Século", estrelando o primeiro da série de quatro shows no CCBB, "Do choro ao samba", ao lado de Paulo Sérgio Santos e Maria Tereza Madeira, com roteiro e direção de Ricardo Cravo Albin. Em 2001, apresentou show no Paço Imperial no rio dem Janeiro. Em 2002, gravou pelo selo Biscoito Fino o CD "Sou apenas uma senhora que canta", dedicado à parceira de profissão Elizeth Cardoso, no qual interpretou, entre outras, "Meu consolo é você", de Roberto Martins e Nássara, "Vida de artista", de Sueli Costa e Abel Silva, "Pra machucar meu coração", de Ary Barroso, "Chão de estrelas", de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa e "Por que te escondes?", letra inédita do poeta Thiago de Mello para um choro de Pixinguinha. Em 2008 saiu pela gravadora Biscoito Fino o Cd "Zezé Gonzaga Entre Cordas", produzido por Hermínio Bello de Carvalho, com gravações nunca editadas em disco retiradas de programas de TV e de áudios inéditos de shows, acompanhada de nomes importantes como Baden Powell e Raphael Rabello.

segunda-feira, 30 de julho de 2018

PRIMEIRA GRAVAÇÃO DA BOSSA NOVA COMPLETA 60 ANOS

Em 10 de julho de 1958, João Gilberto imortalizava Chega de saudade e criava um novo marco na música nacional



João Gilberto: criatividade que deflagrou a Bossa Nova (foto: Ari Versiani/ Divulgação)

Julho de 2018. João Gilberto está diante da televisão, assistindo com entusiasmo aos jogos da Copa da Rússia, torcedor entusiasmado de futebol que é. A aposta é de Zuza Homem de Mello, jornalista, pesquisador musical e interlocutor do pai da Bossa Nova há mais de 40 anos. Em julho de 1958, vencido o Mundial da Suécia pela seleção de Pelé, Garrincha e Nilton Santos, o músico baiano teve outra ocupação: no dia 10 daquele mês, exatos 60 anos atrás, ele entrou no estúdio da gravadora Odeon, no centro do Rio, para mudar a música brasileira de maneira indelével com apenas três minutos de som.
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Era a gravação do compacto com Chega de Saudade e Bim Bom - o cultuado marco inicial da Bossa, tratado sobre beleza e acuidade, pela voz e o "violão dissonante" únicos de João, então com 27 anos recém-feitos. O 78 rpm foi lançado pouco depois de Canção do amor demais, de Elizeth Cardoso; este, o primeiro LP a conter a "batida diferente" de João, que tocou em duas faixas (a própria Chega de Saudade e Outra Vez) chamado por um Tom Jobim impressionado com seu "novo samba" (além do compositor das músicas, com Vinicius de Moraes, Tom era o produtor).

Como a bossa, o compacto torna-se sexagenário sem ter desbotado, acredita João Donato, precursor de tudo e todos. "A bossa não envelheceu, vai ser admirada pelo mundo para sempre. É como Debussy, que morreu há cem anos. São só números", diz o compositor, desde fevereiro de 2017 à frente de uma residência artística na Sala Baden Powell, em Copacabana, vertida em Casa da Bossa e com shows de bossa, jazz e MPB de alta qualidade. "Tem sido uma experiência trabalhosa, nesse mundo de teatros se acabando, mas muito prazerosa. Existe espaço para a bossa nova nesse tempo em que faltam ternura, amor e paz. O espaço idealizado por ela segue o ideal".

Zuza Homem de Mello lembra que, na visão de Tom, Desafinado, parceria com Newton Mendonça, é que continha os elementos formadores da bossa, e não a composição com Vinicius de Moraes à qual é comumente atribuída sua certidão de nascimento. "Tom considerava que Chega de Saudade tinha uma estrutura mais de choro que de samba, ao passo que Desafinado, gravada exatamente quatro meses depois, no dia 10 de novembro de 1958, já inova também no aspecto da letra", conta Zuza, autor de Eis aqui os bossa nova (2008) e Copacabana: a trajetória do samba-canção (2017), entre outros livros sobre a música do Brasil.

"Chega de Saudade não tem grande evolução em termos de letra. Foi uma composição feita para o álbum da Elizeth, de canções. Com Desafinado, deu-se o reboliço", relembra. "Havia uma indução a achar que João era desafinado, tanto que ele hesitou a gravar. Era mesmo o que as pessoas sem percepção auditiva pensavam." Sobre o João de hoje, de 87 anos e interditado pela filha, Bebel Gilberto, por problemas de saúde, Zuza não tem dúvidas: "Tenho notícias fidedignas de que ele está muito bem, em ótimo estado físico, cantando e tocando. A gente tem que ficar feliz, ele está fazendo o que gosta".


Sequência

Na segunda leva de gravações de João, junto com Desafinado, ele interpretou Ho-bá-lá-lá, de sua autoria, como Bim Bom. Em janeiro e fevereiro de 1959, registraria Brigas, nunca mais, Lobo bobo, Saudade fez um samba, Maria ninguém, Rosa Morena, Morena boca de ouro, É luxo só e Aos pés da cruz, e estaria completo o seminal Chega de Saudade, LP que traz na capa um João enfadado e na contracapa um Tom derramado. As palavras do compositor-produtor entrariam para a história da Bossa: "Quando João Gilberto se acompanha, o violão é ele. Quando a orquestra o acompanha, a orquestra também é ele".

Espalhado pelo mundo por seus bastiões e remanescentes, Donato, Roberto Menescal, Carlos Lyra e Marcos Valle, e por vozes femininas como Leny Andrade e Paula Morelenbaum, o repertório da bossa nova não está parado no tempo. "Canto canções que gravei nos meus primeiros discos (nos anos 1960), para diferentes plateias e com o mesmo frisson. Não dá nem para nomear. São eternas. Eu as reverencio hoje e daqui a 20 anos", diz Leny, que já levou seu "scat singing" a 55 países.


Memória

A exposição Bossa 60, passo a compasso, que o Espaço Cultural BNDES, no centro do Rio, abre ao público dia 18, cria experiências sonoras para os visitantes viajarem pelas transformações que a bossa trouxe em termos de ritmo, melodia, harmonia e interpretação. Fotos da época, de artistas fundamentais da bossa, como Johnny Alf, Nara Leão e Ronaldo Bôscoli, foram pinçadas dos acervos pessoais de Menescal, Lyra, Bebel Gilberto, Instituto Tom Jobim e outras instituições. A produtora é Valéria Machado Colela e o curador é o crítico musical Tárik de Souza.

"A ideia foi dar um panorama o mais abrangente possível do movimento de 60 anos atrás, que mexeu nas estruturas da MPB, desvelando uma nova forma de tocar, cantar e compor", explica Souza. "No quesito interpretação, há o contraste de gravações de músicas pelos cantores de antes e depois, como Aos pés da cruz, na gravação inicial de Orlando Silva, depois na de seu discípulo João Gilberto, e adiante na versão do jazzista Miles Davis. Trata-se do exemplo de um samba tradicional, que, a partir da ressignificação da interpretação bossa nova, acabou projetando-se no ambiente do jazz."

Para o curador, ainda há muito o que ser dito sobre a bossa. "A bossa já foi espanto e surpresa, moda e declínio. Mas ela tem uma profundidade estética que permite sempre novos mergulhos e alumbramentos. É um movimento estético apto a muitas releituras e apropriações. Tem a maleabilidade de atingir o rap (À procura da batida perfeita, de Marcelo D2) e sensibilizar um proto-punk farpado, como Iggy Pop, que gravou How insensitive, versão de Insensatez, a romântica canção de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Como cantou recentemente o Caetano Veloso, ‘a bossa nova é f...’".


Fonte: Estadão Conteúdo 

ARNALDO BAPTISTA, 70 ANOS (A GENIALIDADE VALVULADA)


Por Marcelo Dolabela


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Rogério Duprat, no vídeo-documentário Maldito popular brasileiro: Arnaldo Dias Baptista, de Patrícia Moran, foi categórico em suas duas aparições: Os Mutantes foram a coisa mais importante do tropicalismo. E ninguém conseguiu deixar isto claro. Mas eu sei bem disso que a cabeça disto tudo, a cabeça dos Mutantes era o Arnaldo Baptista. (...) Insisto e resumo, em poucas palavras, o Arnaldo é responsável por quase tudo que aconteceu de 67 pra frente.

Kurt Cobain, em sua passagem pelo Brasil, saudou Arnaldo com uma carta-elogio.

Mas o que há entre a arqueológica opinião de Duprat e a missiva de Cobain? Mitificação a um artista louco? Ou uma outra versão para uma história já sedimentada?

Bom, Arnaldo, assim como Rita Lee e Sérgio Dias, teve sua vida e sua obra fracionada em duas etapas: a das glórias da Tropicália e dos Mutantes; e, no caso de Arnaldo, da piração posterior. Mas o que dizer dos cinco álbuns de sua carreira solo? E como chamar de loucura sua opção pela amplificação valvulada, agora que novas gerações de valvulados demonstram, mais uma vezes, a sua supremacia perante os leves e descartáveis transistores? Seria loucura também sua opção por guitarra Gibson em detrimento da Fender, usada por seu irmão Sérgio? E seus dois livros de ficção científica? E suas centenas de pinturas a óleo?

A verdade é que a genialidade de Arnaldo só poderia ser tratada, pela mentalidade mediocrizante brasileira, de um forma, como loucura. Nem uma possível morte, várias vezes anunciada, seria adequada. A loucura. Assim teríamos nosso Syd Barrett, nosso Arthur Rimbaud, nosso Antonin Artaud. Mas contra este estigma, basta apenas ouvir a obra de A.B.

Seu primeiro álbum-solo, Lóki? é, sem dúvida a obra-prima do rock brasileiro. Lançando em 1974, com a participação dos Mutantes - Rita, Liminha e Dinho - e arranjo de Duprat, e com a recomendação: este disco é para ser ouvido em alto volume, traz: Será que eu vou virar bolor?, Uma pessoa só - do repertório derradeiro dos Mutantes -, Não estou nem aí, vou me afundar na lingerie, Cê tá pensando que eu sou lóki?, Te amo podes crer e outras. Na seqüência, Arnaldo se transfere para o Rio de Janeiro, formando o grupo Unzioutros, com Lulu Santos.

Em 1976, passa a tocar com o grupo Patrulha do Espaço - John Flavin, guitarra; Osvaldo Gennari, contrabaixo; e Rolando Castello Júnior, bateria. No ano seguinte, grava um álbum no Estúdio Vice-Versa, que se manteria inédito até 1988, quando Osvaldo e Rolando remasterizam a fita original e lançam o LP Elo perdido, que traz Sunshine, Sexy sua, Corta Jaca, Trem, Emergindo da ciência, Raio de sol, Um pouco assustador e Fique comigo.

Em 1980, lança o álbum Singin' Alone, na estréia do selo Baratos Afins, de Luís Calanca. Arnaldo toca todos os instrumentos. No repertório: I feel in love one day, O Sol, Hoje de manhã eu acordei, Sitting on the road side, Ciborg, Young blood, entre outras.

No início de 1982, internado em uma clínica de São Paulo, sofre acidente. Sua fama de louco e suicida volta à cena.

Em 1987, Rolando Castello lança novo material da época do Patrulha. Agora trechos de uma gravação ao vivo, de 1978. O álbum Faremos uma noitada excelente... traz, basicamente, músicas do Elo perdido e do Singin' alone, exceção para a instrumental Arnaldo Soliszta. Ainda em 1987, a Baratos Afins lança, em edição limitada para fãs, o caseiro álbum Disco voador, gravado originalmente em dois canais, pelo artista, e masterizado no Vice-Versa. O disco traz duas versões, em francês e inglês de Balada de um louco e outras sete composições.

Em 1989, a gravadora Eldorado lança o álbum-homenagem Sanguinho novo... Arnaldo Baptista revisitado, com as participações dos grupos Sexo Explícito, 3 Hombres, Vzyadoq Moe, Sepultura, Último Número, Akira S. & As Garotas Que Erraram, Ratos de Porão, Fellini, Atahualpa Y Us Panquis, Maria Angélica e de Skowa e Paulo Miklos.

A partir daí a moeda-Arnaldo Baptista volta a circulação em regravações - Kid Abelha, Lobão, João Penca & Os Miquinhos Amestrados, Paula Morelembaum, Pato Fu e outros -, mostrando um pouco da monumental, e desconhecida, obra do Gepetto valvulado de Juiz de Fora.

domingo, 29 de julho de 2018

SANGUE DE BARRO: DUAS DÉCADAS DE MANGUEBEAT MADE IN CARUARU

Por Frank Junior



Na década de 90, o Manguebeat explodiu no Recife com os mash ups sonoros de Chico Science e cia, a história da parabólica fincada na lama, que era uma representação metafórica para a globalização sonora e conexão musical mundial que eles tinham. A turma de Chico Science misturou maracatu, com rap, música eletrônica, funk americano e mais um monte de coisa.

Essa parte todo mundo já sabe, e depois desse estouro, o “espírito” do Manguebeat acabou dando alguns frutos e serviu de base e inspiração para novas produções. Uma das primeiras bandas (porque teve várias na verdade) foi a Jorge Cabeleira, que surgiu na década de 90 logo após Chico Science & Nação Zumbi estourar com essas influências e referências.


The Thorn

Por volta de 1993 e 1994, existia uma banda em Caruaru chamada The Thorn, dos amigos Ivan Márcio, Gildo, Pablo Falcão, Hélder e Gil. Eles já tinham uma proposta de repertório autoral e seguiam fazendo shows em teatros e cidades vizinhas.


Nesse meio tempo, começaram a observar, principalmente em época de São João, as bandas de pífanos e suas performances. Aquelas pancada de zabumba quase Rock’n roll em pleno repertório de forró e coisas do tipo.

Em meio a uma observação e outra, os projetos musicais seguem paralelamente, e dois integrantes da The Thorn, Ivan e Gildo, formam uma outra banda chamada Flood.

Não totalmente à toa, “Flood 1” e “Flood 2“ são nomes de música da banda inglesa de gothic-rock Sister of Mercy.

A Flood era formada por Ivan Márcio (guitarra/voz), Gildo (baixo), Rivelino (in memoriam, baterista irmão de Nato), e Alex Camilo (voz). O projeto tinha um repertório cover, que transitava entre Sister of Mercy, Joy Division, Bauhaus, Alice in Chains, Nirvana até músicas nacionais.

Eles não costumavam fazer shows grandes, geralmente tocavam no lugar onde ensaiavam, que era numa casa no “pé do monte” chamada de “Casa Macabra”. Nessa casa, ensaiavam bandas como a Psych Acid, Mortal Mosh e outras do cenário metal da cidade.
Sangue de Barro

Foi nessa época que retomaram a pesquisa em cima das observações do “elemento Rock’n roll” das bandas de pífano e acabaram articulando um projeto chamado “Concerto para Vitalino”.

O projeto não passou de alguns ensaios, mas a proposta era experimentar clássicos da música nordestina como Jackson do Pandeiro, Jacinto Silva e Luiz Gonzaga em uma pegada mais Rock’n roll.

Aproveitando essa proposta de misturar música nordestina com música pesada, os mesmos integrantes tocavam nas noites do Bar do Rock, o bar de Nato Vila Nova que abriu por volta de 1998, mas com um repertório cover só para agitar as noites.

Nato é integrante da banda Psych Acid e já era figura conhecida em Caruaru por participar ativamente do cenário metal. A partir daí, entre um ensaio e outro começaram a compor músicas próprias, mas o grupo ainda não tinha nome.

Até que em um determinado dia, Ivan Márcio viu uma matéria de jornal falando sobre a participação de Chico Science & Nação Zumbi no Festival Abril pro Rock no Recife, no qual, por um erro de digitação escreveram no jornal uma música de Chico errada. O nome correto seria “Sangue de Bairro” (música de Chico e do caruaruense Ortinho), mas tava escrito “Sangue de Barro”. Foi com esse erro de digitação do jornal que Ivan pensou: “Isso tem tudo a ver com o som que a gente tá fazendo”.

No dia 18 de Maio de 1998, em pleno aniversário de Caruaru, em uma festa no Bar do Rock, a banda anuncia o nome como “Sangue de Barro”. Daqui pra frente o projeto está batizado e entra em processo de composição.


Eu já peguei chuva de vento, foi num lombo dum jumento
Já peguei insolação, nas caatingas do sertão
Sou nordestino cabra macho, num abro nem pra boi de carro
Porque em minhas veias corre o mais quente Sangue de Barro.
(trecho da música “Sangue de Barro”)


Disco e repercussões

Nesse momento, as coisas tomaram um rumo mais sério, foram pra estúdio gravar, colocaram um pífano na formação pra dialogar com distorções de guitarra e começaram a experimentar outras sonoridades. Começaram a ganhar visibilidade e são chamados para participar no ano de 2001 da coletânea “Pernambuco em Concerto”.


Logo na sequência, surgiu algumas matérias em revistas e jornais, como a matéria falando da participação de Silvério Pessoa, João e Marcos do Pífano da banda Pífano Dois Irmãos nas gravações do disco por exemplo.


Entram em estúdio pra gravar o 1º disco que apesar de passar por diversas formações, se estabiliza, e em 2004 lança o disco “Sangue de Barro”.


A capa do disco retrata a Catrevage, representando as obras de Galdino, no qual tem um verso musicado no disco (a poesia “Se Cria Assim”).

Já por volta de 1998–1999, durante almoços e cervejas de final de semana, os mesmos amigos que faziam parte do Sangue de Barro se juntavam pra tocar forró e fazer “zuada” pela feira. Até como consequência também dos estudos que eles estavam fazendo com percussão, música nordestina e o uso do pífano.

E é daí que surge um “spin-off” do Sangue de Barro, só que menos Rock’n’roll, menos profissional (no sentido de que era só pra se divertir final de semana mesmo), mais percussivo, e somente instrumental, que foi o Catrevage.

Em 2006, o Sangue de Barro vai tocar em SP, no festival Araraquara Rock e no Sesc Pompeia. Em 2007 tocam novamente no festival Araraquara Rock. Inclusive, nessas viagens para SP, eles foram apoiados por outro artista caruaruense que já morava por lá, Thera Blue.

No mesmo ano de 2007, chegaram a gravar um DVD, mas que não saiu em mídia física. Logo depois dessa fase, novos integrantes passam pela formação da banda como Lalo (da banda Alkymenia), Igor Taborg (da banda recifense Caapora), e novos shows importantes acontecem, como o Arraial Tomazina em Recife e o Festival de Inverno de Garanhuns.

Imagens da gravação do dvd:



Móveis na Carroceria

Depois de um tempo, a banda meio morna, meio parada, fazendo poucos shows, lançam em 2012 um EP com 5 músicas inéditas chamado “Móveis na Carroceria”, com direito a clipe de uma das músicas desse disco chamada “Livrando a Queda”.
Móveis na Carroceria — Sangue de Barro (2012)
No clipe já se percebe uma nova formação, e dessa vez com dois integrantes da “Sobreviventes do IDR”, Daniel Finizola e Eric Sóstenes.



Pause 
Hoje em dia a banda está parada, mas eu sempre acredito que mais como estado de “pause” do que como “stop”, tem até uma frase que diz:
Sei do valor de cada instante / mas prefiro guardá-los como bons livros na estante
(trecho da música “Pause”)

E o Sangue de Barro é justamente isso, é aquele livro que foi um dos primeiros que você comprou e leu 300 vezes, depois serviu como livro de consulta onde era aberto só de vez em quando, e hoje está guardado na prateleira dos livros favoritos, junto daqueles que você memorizou o enredo todo e hoje conta a história em mesa de bar.

O Sangue (como é carinhosamente chamado) está guardado aqui na estante, mas vez por outra abro a primeira página só pra ler os dizeres:

É quente, corrente e vivente
Explode e incendeia igual cuspida de vulcão
Isso é Sangue de Barro Caruaruense
Que corre nas veias e irriga nosso coração.


MPB COM TUDO DENTRO


A Incrível Semelhança de Agnaldo Rayol e Justin Bieber



Completando 60 anos de carreira esse ano, Agnaldo Rayol ainda tem muito para nos contar. Dessa vez, ele fala um pouco mais sobre suas histórias da juventude passada, que se cruzam com as do astro teen da atualidade, Justin Bieber.

Não é de hoje que Agnaldo tira suspiros de suas fãs e as leva ao delírio. Assim como Bieber, começou sua carreira muito jovem, se tornando o ídolo teen da época e isso o deixou exposto a diversas situações.

Entre famas de “bad boy”, polêmicas, namoradas, religião, aborrecimentos e crises existenciais, Rayol foi construindo a sua carreira, se consolidando no meio artístico e superando os obstáculos em prol da música, o que não foi diferente das vivências de Justin.

Realmente Agnaldo Rayol e Justin Bieber podem dizer: "São tantas emoções... So many emotions"!

Ficou curioso? Então clique no vídeo abaixo e venha saber mais sobre esse inusitado encontro de caminhos de ídolos teens de períodos tão diferentes.

sábado, 28 de julho de 2018

PETISCOS DA MUSICARIA

Por Joaquim Macedo Junior


POLÊMICA MUSICAL – NOEL X WILSON BATISTA
Polêmica: Noel Rosa x Wilson Batista


Algumas polêmicas musicais tiveram importância artística e lúdica na trajetória do cancioneiro brasileiro. 

A que resultou da momentosa separação de Herivelto Martins e Dalva de Oliveira, contribuiu com sambas arrebatadores, trágicos e doridos…..” Errei sim, manchei o teu nome….” eram frases resgadas no peito, cantadas para emoldurar o fim de um amor eterno.

As letras do marido em dor eram todas do grande Herivelton Martins. As respostas e réplicas já criadas ou encomendadas para alimentar a polêmica, feitas por craques como Ataulfo Alves, Nelson Cavaquinho e Paulo Soledade.

Na edição de hoje, trago a fantástica polêmica entre Noel Rosa e Wilson Batista. Ao ouvir essa gravação, narrada por Henrique Cazes e interpretação deste e de Cristina Buarque, verão o quanto uma briga – polêmica – pode contribuir artisticamente para o infinito acervo da criativa musica brasileira…

Polêmica entre Noel Rosa e Wilson Batista, com Henrique Cazes e Cristina Buarque
Lenço no pescoço-Rapaz Folgado-Mocinho da Vila/Feitico da Vila- Conversa Fiada -Palpite Infeliz/ Frankenstein da Vila – Terra de Cego/ Deixa de ser convencida (única parceria dos dois)

A polêmica Noel Rosa (1910-1937) x Wilson Batista (1913- 1968) durou menos de três anos, mas rendeu músicas interessantes e virou parte do folclore musical brasileiro.

Quando o entrevero começou, na década de 1930, o músico da Vila já era um respeitado compositor, frequentador da Lapa, amigo de famosos e com nome feito no meio radiofônico.

Já o garoto Wilson ainda era um aprendiz, candidato a malandro e disposto a qualquer coisa para se tornar conhecido. Justamente por isso, muitos até hoje não entendem por que Noel começou a briga.

Semana que vem, tem mais…

ULTRA LEVE (JOÃO BOSCO)

sexta-feira, 27 de julho de 2018

CANÇÕES DE XICO



HISTÓRIA DE MINHAS MÚSICAS


Música inserida no nosso Forroboxote 5 – ALMA SANFÔNICA, disco em que quis demonstrar a beleza da sanfona qualquer que seja o ritmo ou o estilo. Neste Forroboxote não encontramos xotes, baiões, arrasta-pés, exatamente por isso: lá existem guarânia, samba, frevo, canções e até um tango exatamente com o propósito de evidenciar a beleza harmônica e melódica da sanfona. Interpretando AGRESTE meu parceiro nesta e em outras canções, Ozi dos Palmares.

AGRESTE
Xico Bizerra e Ozi dos Palmares

fogo no céu, um clarão
e o meu coração despiu-se da roupa agreste que veste o sertão
de asa molhada voltou
passarinho que arribou com medo do sol tão nordeste que a terra queimou

tempo rezado, valeu
o céu é um breu,
vem água molhar esse chão, aguar o sertão
a lua vem seduzir, de paz colorir
léguas de amor, emoção, luar do sertão

vim de longe pra ver meu sertão
coração ‘baticum’ sem parar
vou poder cantar essa canção
emoção de rever meu lugar

CHIQUINHA GONZAGA É HOMENAGEADA NO NOVO ÁLBUM DE HERCULES GOMES

'No tempo da Chiquinha' resgata o Rio de Janeiro do começo do século 20 sob o olhar do pianista

Por Márcia Maria Cruz 


Hercules Gomes resgata a obra de Chiquinha Gonzaga em novo disco. 


A compositora e maestrina Chiquinha Gonzaga (1847-1935) recebe homenagem do pianista Hercules Gomes, que gravou o CD Tempo da Chiquinha, com 13 faixas. No ano passado, quando se completaram os 170 anos de nascimento da compositora, o pianista foi convidado para gravar uma faixa para um site dedicado a ela. A experiência foi tão boa que resultou no disco. “Fui convidado para fazer o arranjo de uma música. Estava ficando legal, resolvi fazer quatro para gravar um EP. Continuei e, quando dei por mim, tinha material para um CD”, recorda-se

Hercules foi vencedor do 1º Prêmio Mimo, em 2014, promovido pelo maior festival de música instrumental do Brasil, que recebe o mesmo nome. Autodidata, começou a tocar piano aos 14 anos, diferentemente da maior parte dos músicos, que se iniciam na infância. Foi para o conservatório aos 17 e, pouco depois, ingressou no curso de música popular e música clássica na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Hercules não executa as partituras exatamente como Chiquinha as escreveu. Ele acrescenta elementos posteriores à época da autora e admite a influência de Pixinguinha. Hercules lembra que Chiquinha, por ter tido papel fundamental na estruturação da música brasileira, é considerada “pianeira”, uma pianista pioneira. “Chiquinha e Ernesto Nazaré foram fundamentais para a identidade da música brasileira.”

A compositora enfrentou preconceito, pois, na época, mulheres não tinham o direito de atuar profissionalmente como musicistas. Apesar das objeções, Chiquinha integrou geração fundamental para a música no Rio de Janeiro, chamada então de Cidade dos Pianos. “Os pianeiros levavam música para vários lugares. Faziam concertos e bailes sozinhos”, diz.

Hercules optou por composições de Chiquinha menos conhecidas, incluindo a inédita Walkyria. Da própria Chiquinha Gonzaga, formam o repertório as músicas Gaúcho, Água do vintém, Cintilante, Cananea, Atraente, Santa Argentina e Biónne. O músico ainda gravou Querida por todos, de Joaquim Callado, Machuca, que ela compôs com Patrocínio Filho, Não impressione, parceria com Carlos Bettencourt e Luiz Peixoto, e No tempo de Chiquinha, de Laércio de Freitas.

Em função da influência de flautistas nas composições de Chiquinha, Hercules convidou para participar do CD o flautista Rodrigo Y Castro. “Descobrimos manuscrito de flautista da época para fazer o arranjo de Cintilante”, diz. Também foi incorporada ao álbum gravação de voz original de Chiquinha. A gravação estava em disco de 78 rotações descoberto por Gilberto Gonçalves em 2015, restaurado pelo Instituto Moreira Sales (IMS).


NO TEMPO DA CHIQUINHA
• De Hercules Gomes
• Independente
• R$ 25 (preço médio)

quinta-feira, 26 de julho de 2018

GRAMOPHONE DO HORTÊNCIO

Por Luciano Hortêncio*



"O Francisco Neto que é parceiro neste samba do carnaval de 1958 é o cantor Risadinha. Gravação de 19 de setembro de 57, lançada um mês antes da folia, em janeiro, matriz 13-H2PB-0233. Figurou ainda no LP misto "Carnaval RCA Victor - vol. 1"." (Samuel Machado Filho)



Canção: Foi por causa dela

Composição:  José Roy - Francisco Neto

Intérprete - Francisco Carlos 

Ano - Janeiro de 1958

Disco - RCA Victor 80-1893-B


* Luciano Hortêncio é titular de um canal homônimo ao seu nome no Youtube onde estão mais de 10.000 pessoas inscritas. O mesmo é alimentado constantemente por vídeos musicais de excelente qualidade sem fins lucrativos).

ORQUESTRA MUNDANA REFUGI, QUE REÚNE IMIGRANTES E REFUGIADOS, LANÇA SEU PRIMEIRO ÁLBUM

Gravado ao vivo, CD traz nas composições e nos instrumentos um testemunho da origem e da trajetória de seus integrantes


Por Márcia Maria Cruz 

Formação atual da Mundana Refugi tem 23 músicos, vindos de países como Haiti, Venezuela, Síria, Palestina, Congo e Tunísia, além do Brasil 

A Copa do Mundo na Rússia, demonstrou que a migração como direito humano é garantia de sociedades mais diversas. Muitos foram os times da Europa cuja escalação contou com jogadores filhos de migrantes, como são os casos de Bélgica, com Romelu Lukaku, filho de congoleses, e da França, com Kylian Mbappé, de pai camaronês e mãe argelina. Na música também as vozes de imigrantes fazem a diferença, como mostra a Orquestra Mundana Refugi, que reuniu músicos de Cuba, França, Palestina, Síria, Congo, Haiti, Irã, Guiné-Conacri e Brasil na gravação se seu primeiro álbum. Com 10 faixas, o CD homônimo ao grupo foi gravado ao vivo no Sesc Consolação, em São Paulo, em agosto do ano passado.

A Mundana Refugi surge depois de 16 anos da Orquestra Mundana. Como parte do projeto Refugi, foram realizadas oficinas musicais gratuitas para imigrantes e refugiados. O multi-instrumentista Carlinhos Antunes, que coordena o projeto, conta que, amparadas no entendimento de que aspectos sociais e a música estão imbricados, as oficinas foram abertas para a participação de refugiados e imigrantes como forma de inseri-los socialmente. A orquestra passou de 10 integrantes para 23 com o acolhimento de migrantes haitianos e venezuelanos e refugiados da Síria, Palestina, Congo e Tunísia.

As composições presentes em Mundana Refugi foram criadas por Carlinhos. A faixa que abre o CD, Ayacucho, faz referência a povos indígenas do México. “Buscamos canto de língua indígena viva do México. Escolhi a canção por minha trajetória. É uma forma de homenagear os povos da América Latina”, diz. Do cancioneiro brasileiro foi escolhida Cajuína, de Caetano Veloso.


HISTÓRIA

O álbum também apresenta cantos tradicionais árabes e persas. Há temas que propõem o diálogo entre África e Brasil. “Trabalhamos com cantos tradicionais dos países originários. Buscamos canções que fizeram parte da história desses novos integrantes. Canções que mãe e pai deles cantavam ou que aprenderam na escola”, afirma.

Carlinhos lembra que a música pode colaborar para o planeta deixar de ser uma Torre de Babel. “A música pode vir a ser uma linguagem universal. Está sendo no caso da orquestra, que se pauta pelo respeito às culturas e diferenças. As pessoas saem da zona de conforto da sua própria cultura para experienciar a cultura do outro. Por exemplo, temos africano cantando em português. Todos cantando em sussu, língua de Guiné.”

Além das vozes de diferentes lugares, o álbum incorpora sonoridades de diferentes culturas. Os arranjos foram feitos para instrumentos como acordeon, piano, violino, cítara chinesa, bouzouki (da Palestina), kanun (uma harpa de mesa da região do Irã), kemancheh (espécie de violino típico do Oriente Médio) e djembê (tambor originário da África Ocidental). O resultado, em termos de sonoridade, nos conecta à imensidão do mundo. “Arranjar pensando nesses instrumentos foi tarefa muito linda e difícil. Uma preocupação era não só a questão do timbre, mas fazer com que o instrumento soasse bem como naipe de orquestra”, conta Carlinhos. Ele ressalta que o álbum apresenta formas de coexistência. “A convivência vai além da tolerância. É relação.”

quarta-feira, 25 de julho de 2018

APÓS ANOS VIVENDO NO EXTERIOR, PERCUSSIONISTA AIRTO MOREIRA LANÇA PRIMEIRO DISCO FEITO EM SOLO BRASILEIRO

'Aluê' foi gravado por músicos do Brasil numa fazenda do interior de São Paulo

Por Ana Clara Brant 



Airto Moreira é daquelas poucas pessoas consideradas uma sumidade. E, mais do que isso, é unanimidade no mundo musical. Apontado como um dos grandes percussionistas do mundo, esse catarinense de Itaiópolis fez carreira nos Estados Unidos, onde vive desde o final dos anos 1960. Curiosamente, após meio século em solo norte-americano, o filho pródigo voltou ao Brasil para lançar o seu primeiro trabalho tocando só com músicos de seu país e gravado no Brasil. “Este é o meu primeiro álbum solo no Brasil, porque as gravadoras brasileiras alegavam que música brasileira tem no Brasil e jazz eles importam dos Estados Unidos”, justifica.

Aluê (Selo Sesc) traz, ao mesmo tempo, sonoridade bem abrasileirada, genuína, mas também sofisticada. Provavelmente influência do jazz, que o artista de 76 anos tanto conhece. Aliás, o percussionista e cantor tocou ao lado da lenda Miles Davis (1925-1991) e de outros músicos de primeira grandeza – Dizzy Gillespie, Chick Corea, Herbie Hancock, Paul Simon, Santana e Quincy Jones. “Tanto minha sonoridade quanto a música que toco chamo de brazilian jazz. O fato de ter gravado esse álbum no Brasil naturalmente influenciou na direção e no conteúdo do resultado final.”

A imagem da capa já causa impacto. Mostra um galo marrom em fundo colorido e é Brown rooster, pintura de Aldo Sampieri. A magistral Aluê é a faixa escolhida para batizar e abrir o disco. Composta com a parceira de vida e trabalho, a cantora e compositora Flora Purim, a canção define a tônica e o conceito do álbum, apresentando mistura de ritmos, instrumentos e vozes. Com direção artística do próprio Airto, ele conta que o nome nasceu numa “viagem psicodélica”, quando ele e Flora estavam em uma praia, na Califórnia dos anos 1970. “Para mim, Aluê significa bom dia e é como o galo cantando de manhã.”

Gravado em estúdio de uma fazenda no interior de São Paulo, o projeto começou com um telefonema do produtor e baterista Carlos Ezequiel. Foi dele a ideia de fazer o disco no Brasil. “Daí pra frente, as coisas foram se encaixando naturalmente, inclusive, a escolha do estúdio, lugar onde já gravaram grandes músicos brasileiros”, acrescenta. O CD conta com o próprio Carlos Ezequiel (bateria e produção), José Neto (guitarra), a filha Diana Purim (voz), Sizão Machado (contrabaixo), Fabio Leandro (piano), Vitor Alcântara (saxofones).

“Diana é o fruto do da minha união com a Flora e, desde criança, manifestou grande sensibilidade musical. O guitarrista José Neto já é meu parceiro há mais de 30 anos e, além de tocar, é um grande arranjador. Sua energia é altamente positiva. O baixista Sizão Machado tem a versatilidade de tocar acústico e elétrico e pode executar qualquer tipo de música. Ele contribuiu muito para o resultado final. Já o saxofonista e flautista Vitor Alcântara foi indicado pelo Carlos Ezequiel e nos conhecemos durante os ensaios. Ele se encaixou facilmente ao som e ao estilo de música que gravamos. Fábio Leandro toca piano e teclado e é muito bom tanto solando como acompanhando, o que é uma coisa muito difícil. E o Carlos Ezequiel conhece minha música a fundo. Além de tocar música brasileira, tem bom conhecimento de jazz”, analisa.

O “primeiro disco brasileiro” de Airto Moreira faz revisão de discos importantes de sua carreira. A própria música-título, Aluê, é do primeiro trabalho solo de Airto, Natural feelings (1970). Mas o álbum traz também três composições inéditas: Rosa negra, Guarany e Não sei pra onde, mas vai. Uma das mais belas é Lua Flora (Flora Purim e José Neto), com participação do pandeiro de Krishna Booker, casado com Diana e genro de Flora e Airto.

Airto Moreira – que teve como primeiro instrumento um pandeiro de plástico presenteado pela avó – se diz um cidadão do mundo, mas revela que quer passar os últimos dias de vida no Brasil. Considerado um dos músicos brasileiros mais influentes fora do país e vivendo nos Estados Unidos desde 1967, nunca se esqueceu de sua origem. “Sempre dava um jeito de tocar de uma maneira que expressasse minhas raízes. Aliás, nunca me naturalizei norte-americano e meu passaporte é brasileiro. Para mim, música é vida. Quando toco. sinto-me totalmente livre do mundo.”


Airto Moreira
Selo Sesc
8 faixas
Preço médio: R$ 20

DEUSAMÚSICA - UM OLHAR RELATIVO SOBRE DISCOS ABSOLUTOS

Por Ricardo Moreira




Quase 20 anos-luz depois do big-bang bossanovista, a nebulosa plasmada pela voz e o violão de João Gilberto conceberia mais uma estrela. Amoroso, seu nono disco, foi lançado em 1977. Como um criador que não reconhece a criatura, João diria décadas à frente que sempre fizera samba and the kid is not my son. Mas, o que mais poderíamos esperar de um gênio que em 1958 já apontara cantando “Chega de saudade”? João Gilberto criara a Bossa Nova ali, já meio que de costas para ela e nenhuma saudade, responsabilidade ou culpa o aprisionaria a essa criatura. Amoroso é mais uma prova material dessa tese, por isso, ainda que classificado nas prateleiras como item do estilo, o álbum não se localiza ao lado, acima ou abaixo do gênero. Talvez apenas tenha surgido através, no sentido mais transgressor da palavra ou, quem sabe, apesar da Bossa Nova - se constatarmos a massacrante expectativa mundial que ronda os projetos sempre bissextos de JG.

Reputado por muitos como o melhor disco brasileiro de todos os tempos, a rigor ele é um dos mais internacionais deles. Gravado na América para a Warner, arranjado por mãos alemãs, tocado por cordas, teclas e baquetas estrangeiras, o disco é praticamente patrimônio imaterial da ONU com representantes de quatro diferentes idiomas até, e, principalmente no repertório. Não fosse pela voz e pelo violão de João, o disco seria quase um produto 100% gringo. De fato, o que aconteceu na prática das sessões de gravação dirigidas pela lenda produtora de lendas, Tommy Lipuma, é que novamente a sofisticada simplicidade copacabanânica do mestre transmutou Gershwins, Martinos e Velasquez em Zé Cariocas surfando acordes dissonantes a serviço da música sem fronteiras de João.

Por um quadro grave e já folclórico de obsessão pela excelência plena em sua expressão, o artista que gravou este LP e outros álbuns perfeitos, repreendeu plateias em cena aberta, passou pito de viva voz em casas de show, técnicos de som e em tudo mais que não fosse a si próprio quando percebia sua música constrangida pela incompetência ou falta de sensibilidade ao refinamento de sua arte. Por essa condição atávica de sua manifestação artística, João Gilberto acabou por conhecer profundamente a dor psíquica de não conseguir que as traquitanas eletroeletrônicas dos estúdios de gravação reproduzissem o som que pairava nos ouvidos internos de sua cabeça. O que já deve tê-lo levado mais de uma vez às raias da loucura, de fato, o levou até às varas dos tribunais para tentar aumentar o controle sobre os primeiros três tapesde propriedade da EMI onde está registrado o começo de sua revolução silenciosa. 

Fora do closet de personalidades que um ídolo acaba conseguindo ter álibis para vestir, o “verdadeiro” João Gilberto se manifesta no espectro áurico de nosso povo como espécie de contraparte de Roberto Carlos. Ambos, como a carta Rei do baralho, são a cara dual de um mesmo Brasil com sutis, mas basais diferenças na maneira com que instrumentam justamente o lado amoroso da alma brasileira expresso na canção. Essa sutileza, contudo, gera diferenças astronômicas no resultado de seus trabalhos proporcionando a um o mundo aberto à sua arte e a outro apenas uma referência localizada de cantor romântico. Somos mais Brasil para o mundo através de João.

E o mundo é mais brasileiro por seu intermédio. Na dúvida, escute a abertura do álbum: “‘S wonderful” dos irmãos Gershwin. JG parece caprichar no sotaque com a finalidade inadvertida de naturalizar brasileiros os americanos a ponto de praticamente entendermos o que é cantado sem dominarmos a língua mãe de Shakespeare. Ao mesmo tempo em que ficamos hipnotizados pela captação de sua voz que transforma até os estalidos palatais em linguagem, somos transportados para uma zona nirvânica onde um Buda ocidental degusta canções com antropofagia e apetite tropicalistas.

E nossa deidade segue thinking globaly and acting locally com “Estate” usando a bota italiana de Martino e Brighetti para chutar longe o palpite infeliz de que ele voltaria a cada disco mais americanizado. Não obstante, é realmente de impressionar sua habilidade de identificar parcelas de si próprio em fragmentos musicais dessemelhantes espalhados pelo planeta. Como o sol de um sistema, João magnetiza e converte corpos à sua órbita de ritmos e silêncios fazendo-os dançar ao seu redor.

Esse poder é exercido de maneira ainda mais clara em “Besame mucho” de Consuelo Velasquez. A mexicana compôs o bolero aos 15 anos sem imaginar que um dia ele se transformaria na música mais cantada em espanhol de todos os tempos. Não era para menos. A canção, além de ostentar referências gigantescas de sucesso como a do Trio Los Panchos e do quarteto Los Beatles, possui ainda uma releitura big band fenômeno de Ray Conniff que fez o mundo inteirinho dançar. Tudo isso junto contra um simples João de Juazeiro que parece mesmo ter nascido para apreciar desafios ou para simplesmente ignorá-los continuando firme a colocar seu nome na parceria de praticamente tudo em que põe sua voz e seu violão.

E pra explicar “Tim tim por tim tim”, ele relê a relíquia escondida de Haroldo Barbosa e Geraldo Jacques que, situada na terceira faixa, configura-se a primeira música brasileira a apontar na bolacha. Lançada originalmente em 1939 pelo grupo vocal Anjos do Inferno, o samba tem ingredientes com os quais JG gosta de temperar sua estética: letra percussiva cheia de palavras gostosas de dizer e melodia sincopada que não deixa de conceder espaço para alongar sílabas e manter a liberdade imprescindível para transgressão das barras que teimam em dividir compassos. 

Se escutássemos a um vinil, começaríamos aqui um lado duplamente “b” do disco. Isto porque a partir da quinta até a oitava faixa, o repertório é todo do brasileiro. Mais precisamente, daquele que tem Brasil até nome: Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim. Há nesse lado b duas canções separadas por uma década e parceiros diferentes: “Caminhos cruzados”, com Newton Mendonça, gravada por Sylvia Telles e Maysaem 1958 e, de dez anos depois, “Retrato em branco e preto” com o parceiro Chico Buarque que parece ter decidido letrar a instrumental “Zingaro” - lançada por Tom um ano antes em sua forma ainda sem palavras no LP A certain Mr. Jobim de 1967 pela mesma Warner de Amoroso.

A primeira é uma clássica canção de pianistas intuída pelo contato dos dedos nas teclas brancas e pretas. Já o branco e preto do retrato parece ter sido revelado ao violão a partir de uma variação harmônica intricada que torna sua melodia uma verdadeira armadilha para aventureiros. A interpretação de João Gilberto reina soberana sobre as duas formas e se em “Caminhos cruzados” ela flutua, em “Retrato em branco e preto”, se deixa mergulhar no drama noir da canção. O quarteto fantástico de canções do lado mais brasileiro de Amoroso se completa com duas nas quais Tom não lançou mão de “parceiros”, além de João Gilberto, neste caso específico de assinatura autoral performática.

Apesar de ter sido gravada pelo Brasil’66 de Sergio Mendes em seu álbum de afirmação nos EUA, Equinox, e de ostentar regravações importantes com a de Elis no disco com Tom que ganhou de presente de aniversário de contrato de sua gravadora, “Triste” é uma canção que parece de encomenda para JG. Não só pelo traçado melódico cheio de notas graves servindo de degraus para saltos mais altos, mas, pelo aspecto mântrico de seu tema que pede sempre um recomeço. Não dá vontade de parar de ouvir João Gilberto cantá-la e este, parecendo até de propósito, fez dela sua performance de menor duração no disco.

Vou te contar, “Wave” é um caso, parágrafo e fenômeno à parte. Poucas vezes se ouvirá na história da música do planeta um casamento tão feliz entre melodia, letra, arranjo e intérprete. State of art da capacidade do ser humano de criar belezas em conjunto, não há como sair da audição desta gravação sem ter a alma lavada pela onda que se ergue a cada compasso da obra prima. A faixa, single em Amoroso, teve um papel fundamental para a geração pós-bossa de brasileiros amantes de sua música que já haviam entronado João ao máximo como um respeitável mestre old-school, assimilá-lo como contemporâneo e válido entre seus vinis de Chicos e Caetanos. Tanto que três anos depois, a gravação integraria a trilha de uma novela global, Água Viva, erguendo uma nova onda de sucesso para João em seu próprio país e aquela sensação de que ele voltara, sem na verdade nunca ter ido, ao menos, de vez.

Intérprete atormentado pela perfeição que em seu mundo é mais perfeita e no nosso muitas vezes intangível, João acabou por se afastar mais do que deveria dos estúdios e seus últimos seis discos se deram ao longo de quase trinta anos. Em cinco deles repetiu, sem maiores preocupações estéticas ou em honrar o conjunto de sua obra de intérprete, o figurino protetor voz e violão. Destes cinco lançamentos, quatro são registros ao vivo de espetáculos bissextos na segurança desse formato acústico-minimalista. Em apenas um entre todos os seis, o também genial João de 1991, ousou renovar a moldura em torno de sua voz e de seu violão.

Econômica em ousadia e egoísta em doação e renovação de talento e conteúdo, a produção artística de João Gilberto esteve nas últimas décadas muito abaixo da necessidade de seus milhões de admiradores mundo afora. Tudo isso nos deixa ensimesmados a nos perguntar quais seriam as forças que ainda moveriam o mestre. Rezemos para que a Deusa Música esteja por trás de tudo e que retome urgentemente o comando.

terça-feira, 24 de julho de 2018

ALCIONE COLOCA IZA AO LADO DE ARTISTAS COMO ELZA SOARES E ROBERTO CARLOS

Além de cantar muito, nem precisava ser bonita... mas é!', escreveu a cantora em um post no Instagram


'Há muito tempo eu venho esperando na música do Brasil um acontecimento que me deixasse perplexa e que preenchesse todas as qualidades que um artista precisa', enalteceu Alcione. (foto: Marcos Hermes/Divulgação/Instagram/Reprodução)


A cantora Alcione utilizou sua conta no Instagram para elogiar a cantora Iza no último domingo (15). "Há muito tempo eu venho esperando na música do Brasil um acontecimento que me deixasse perplexa e que preenchesse todas as qualidades que um artista precisa", começou.

Em seguida, a cantora citou nomes que considera importantes para a história do País, em diversas áreas, como Pelé, Clara Nunes, Lenine, Marco Nanini, Matheus Nachtergaele, Elza Soares, Chico Anysio, Grande Otelo, Fernanda Montenegro, Roberto Carlos, Maria Bethânia e Chico Buarque.

"E, de repente... Iza! Além de cantar muito, nem precisava ser bonita... mas é! É um acontecimento que dança, canta lindamente. Eu fico muito feliz em falar de Iza e para Iza. Nós, povo brasileiro, merecemos a artista que você é", continuou, antes de 'assinar' a postagem: "Tua fã, Alcione".

A homenageada respondeu os elogios comentando na própria publicação: "Emocionada demais, rainha!!! Que honra!"

Em seguida, compartilhou o texto também em suas redes sociais.

"Quanta gratidão. Não sei nem o que dizer. A primeira vez que estive ao lado dela achei que não fosse conseguir cantar de tão nervosa que eu estava por dividir o palco com esse hino de mulher. Como sou fã. Como admiro e aprendo com você, diva. Obrigada por todo carinho e generosidade, rainha", agradeceu.


COMPOSITOR DE TRILHAS PARA O CINEMA, ALEXANDRE GUERRA RECORRE À LITERATURA PARA SUAS MÚSICAS

Em seu recente Fantasia, que gravou com a Orquestra Sinfônica de Budapeste, elas formam o alicerce de um CD pleno de referências ao universo literário


O violonista mineiro Chrystian Dozza gravou com a Orquestra Sinfônica de Budapeste as composições de Alexandre Guerra reunidas no CD Fantasia


Compositor de trilhas para o cinema – brasileiro e estrangeiro –, Alexandre Guerra recorre com frequência a histórias para criar. Em seu recente Fantasia, que gravou com a Orquestra Sinfônica de Budapeste, elas formam o alicerce de um CD pleno de referências ao universo literário, do português Eça de Queirós (1845-1900) ao francês Marcel Schwob (1867-1905), chegando aos contemporâneos, como o mineiro Rubem Alves (1933-2014). Já na primeira peça, Fantasia para violão e orquestra, longo exercício (quase 20 minutos) de transposição de um fragmento de Manual do Guerreiro da Luz, de Paulo Coelho, o violonista mineiro Chrystian Dozza, que também é compositor, serve de intérprete à história do menino que ouviu os sinos submersos de um antigo templo existente numa ilha afundada por um terremoto.

No caminho inverso de outros compositores de trilhas, Guerra não usa um método esquemático de transposição, ou seja, não recorre a elementos que sejam simples ilustrações da história. O violão de Dozza – não uma harpa ou a celesta, o que seria óbvio – é o instrumento escolhido para conduzir o ouvinte à praia da aldeia onde o menino de Coelho testemunha um acontecimento sobrenatural. O diálogo de Dozza com os violinos é impressionista. Em síntese: a origem da peça pode ser literária, mas os quatro movimentos operam de maneira autônoma, estritamente musical. Não são apêndices de uma história.

Da mesma forma, Guerra não forja um arranjo climático para “traduzir” a história criada por Marcel Schwob sobre uma silenciosa cidade-fantasma visitada por um bélico capitão, que tem horror ao silêncio e vive em constante agitação. Guerra confia na delicadeza – como faria o alemão Claus Ogerman ou o libanês Gabriel Yared (radicado na França) – para acentuar esse drama fantástico sobre o encontro com a morte num campo plano e estéril. A calma daquela cidade adormecida, hostil à presença do capitão, exige a súbita mudança de registro. E Guerra o faz sem sucumbir ao clichê – mais uma vez, como Yared (e não é impertinente a comparação com um dos temas do filme Nemo, Cauchemar de Nemo).

É curiosa e salutar essa aproximação de Guerra com a escola europeia de cinema, sendo que o compositor estudou nos EUA e foi aluno de David Spear, assistente do premiado compositor Elmer Bernstein (1922-2004), autor de inúmeras trilhas, das quais a mais conhecida é O homem do braço de ouro (1955). Spear é um homem de efeitos (ouça Ghostbusters, do qual foi arranjador para Bernstein). Guerra é sutil, autor de peças de extração romântica, avesso ao anedótico (uma prova disso é sua trilha para O tempo e o vento, um ato de coragem, considerando que a primeira versão foi assinada por Tom Jobim).


REFERÊNCIA

Jobim, por sua vez, teve um colaborador que, de certa forma, fixou a matriz orquestral de seus arranjos, o citado Claus Ogerman. Ele e o norte-americano Gary McFarland foram, sem dúvida, suas referências maiores como arranjadores – e Guerra é um jobiniano muito atento à criação musical do maestro e compositor. Outro grande farol na carreira de Guerra é o compositor francês Philippe Sarde, o mais prolífico autor de trilhas em seu país depois de Georges Delerue.

Em Lamento para cordas, segunda peça do CD, o tom dramático remete às trilhas que Sarde fez para os filmes de André Téchiné (em particular Les innocents), mas com acento brasileiro – a obra reconta musicalmente a saga dos índios Araweté, povo tupi-guarani que nem o nome tem como propriedade (eles foram batizados por um sertanista da Funai). Guerra, autor de um número considerável de trilhas para documentários sobre a vida natural (entre as quais Saved from extinction), é bastante sensível aos problemas dos povos indígenas, como comprova esse Lamento para cordas.

Além de compositor, Guerra é poeta, o que o habilita a traduzir o drama dos Araweté com o senso da emergência que essa trágica história de dizimação exige. Mais uma vez: a peça não faz uma repetição textual da saga, mas leva o ouvinte a uma experiência que remete ao efeito planar sobre frases melódicas criado por Debussy em suas peças mais líricas. E, a exemplo de Debussy, a música de Guerra é marcada por um toque ostinato, de grande efeito emocional.

Finalmente, na última peça, o Conto para cordas n.º3, esse ostinato impressionista serve ao propósito de reimaginar a história da menina que tinha um pássaro encantado e cujas penas mudavam de cor a cada viagem. Rubens Alves, o autor, fala da separação entre seres queridos e do poder de transfigurar o cotidiano. Encontrar um compositor que trate desses sentimentos por meio da música é raro num país em que o barulho domina. Jobim gostaria de ouvir o intimista Fantasia, que traz na capa uma marinha de Courbet. (Estadão Conteúdo)


Fantasia
• Autor: Alexandre Guerra
• Intérpretes: Chrystian Dozza e Orquestra Sinfônica de Budapeste
• Gravadora: Tratore
• Preço sugerido: R$ 24







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