sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

70 ANOS SEM JOÃO PERNAMBUCO

João Teixeira Guimarães (Jatobá, Pernambuco, 1883 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1947). Compositor, violonista. Muda-se, aos 12 anos, para o Recife, onde aprende a tocar violão com cantadores locais. Vai para o Rio de Janeiro em 1904. Nessa cidade, trabalha numa fundição e participa das rodas de violeiros. Depois de morar seis meses com uma irmã, vai para apensão em que vivem Pixinguinha e Donga e também frequentada por músicos e intelectuais como o violonista Sátiro Bilhar - instrumentista bastante considerado entre os chorões, pela sua capacidade de improvisação - e o poeta Catulo da Paixão Cearense. Torna-se conhecido nesse círculo e passa a apresentar-se em residências de famílias da elite, como a casa de Rui Barbosa e de Afonso Arinos. Em parceria com Catulo da Paixão, compõe cantigas baseadas no folclore nordestino, destacando-se Engenho de Humaitá, 1911, que dá origem à toada Luar do Sertão, 1914, e ao batuque sertanejo Cabocla de Caxangá, 1913, sucesso do Carnaval de 1914, que o maestro Heitor Villa-Lobos arranja para coral cinco anos depois. Essas músicas mais tarde se tornam alvo de uma polêmica, quando Catulo omite a coautoria de João Pernambuco ao incluí-las em seu livro Mata Iluminada, de 1928. Por meio de disputa judicial, Pernambuco, que tem a seu lado o maestro Heitor Villa-Lobos e o radialista Almirante, passa a ter seu nome creditado.


João Pernambuco trabalha como calceteiro - operário que calça ruas. Mais tarde o senador Pinheiro Machado o coloca no cargo de contínuo num almoxarifado, que, além de menos arriscado para suas mãos, já que ele é violonista, lhe propicia mais tempo livre para se dedicar à música.

Forma o Grupo Caxangá, em 1914, com sete integrantes, entre eles Pixinguinha e Donga, que lança moda no Rio com sua caracterização sertaneja. A convite do escritor Afonso Arinos, encerra o ciclo de conferências Lendas e Tradições Brasileiras, no Teatro Municipal de São Paulo, em 1915, com apresentação de canções folclóricas, acompanhado pelos instrumentistas Otávio Lessa, Luís Pinto da Silva e José Alves Lima. No ano seguinte lança a Troupe Sertaneja.
Em 1919, leciona violão na Casa Cavaquinho de Ouro e, mais tarde, integra o conjunto Oito Batutas, ao lado de Pixinguinha e Donga, excursionando pelo Brasil e exterior. Trabalha até 1934 no Pedagogium, museu pedagógico criado nos anos 1890 na cidade do Rio de Janeiro, onde funciona a primeira sede da Academia Brasileira de Letras (ABL), quando a convite de Villa-Lobos é empregado como contínuo na Superintendência de Educação Musical e Artística (Sema).

Grava pela Odeon os choros Mimoso (s.d.), Magoado (s.d.) e Sons de Carrilhões (s.d.), com acompanhamento de Nelson Alves, no cavaquinho, e a valsa Lágrimas (s.d.), em 1926. No mesmo ano, o cantor Patrício Teixeira grava a embolada Seu Coitinho Pegue o Boi, de Pernambuco. É patrono das provas de violão do concurso O que É Nosso, promovido pelo Correio da Manhã.

A cantora Stefana Macedo grava Vancê, toada em parceria com E. Tourinho, Siricoia e os cocos Tiá de Junqueira e Biro, Biro, Iaiá, em 1929. No ano seguinte, lança uma série de discos para a Columbia, interpretando dez de suas obras, revividas no LP O Som e a Música de João Pernambuco - edição histórica(Continental), de 1979, com o acréscimo de duas gravações do violinista Dilermando Reis, Sons de Carrilhões e Interrogando, ambas de João Pernambuco. Em 1947, musica os versos de Canção do Violeiro (1883), de Castro Alves, seu último trabalho. Em sua vida toda compõe mais de 100 obras, entre cocos, toadas, emboladas, choros e valsas.
Análise

Ao mudar-se para o Rio de Janeiro, no início dos anos 1910, João Pernambuco leva consigo as sonoridades dos cantadores do Recife, caracterizadas, entre outros aspectos, pela capacidade de improvisação. O compositor destaca-se sobretudo pela originalidade com que trabalha suas referências folclóricas apreendidas na juventude, mesclando-as com as influências adquiridas na convivência com os chorões cariocas e em festas populares como a do bairro da Penha e o Carnaval do Rio.

Nesse período, a capital da República passa por um processo de modernização, inspirado nas reformas urbanas que ocorrem em Paris, o que reflete nos costumes da elite, no projeto de estruturação e no cenário artístico, em que prevalece o consumo da música instrumental estrangeira e da ópera, especialmente a italiana. A presença de músicos populares em recintos frequentados pela alta sociedade, até então, fica restrita às salas de cinema e ao teatro de revista. Esses circuitos de entretenimento trazem a eles a possibilidade de ganhar a vida profissionalmente. Por essas vias, a sonoridade popular passa a ser cada vez mais frequente, sobretudo com a ampliação das gravações fonográficas. João Pernambuco faz parte desse processo de assimilação da música popular, pela divulgação de gêneros como a toada sertaneja e a embolada e por meio de sua atividade como professor de violão. Integra também a geração responsável pela sistematização do choro, que passa da maneira de executar peças estrangeiras, como polcas e schottischs, para um gênero dotado de características próprias.

A toada Cabocla de Caxangá, 1913, em parceria com Catulo da Paixão Cearense, inaugura a fase áurea do gênero embolada, que cai no gosto dos cariocas na segunda metade dos anos 1910, só perdendo a preferência para o samba no fim dos anos 1920. A moda regionalista toma conta da sociedade brasileira, de modo que a toada, a melodia sertaneja e outros gêneros regionais passam a conviver com valsas, mazurcas e cançonetas francesas, tanto nos salões da elite como nos bailes públicos.

Por influência de João Pernambuco, surgem os Turunas Pernambucanos, grupo formado em 1921 por carnavalescos do bloco Os Boêmios, do qual fazem parte a dupla Jararaca e Ratinho; os Turunas da Mauriceia (1927), integrado por Augusto Calheiros e Luperce Miranda; que por sua vez influenciam o Bando de Tangarás (1929), de Braguinha, Almirante, Alvinho, Henrique Brito e Noel Rosa; e A Voz do Sertão. Em São Paulo, em 1929, aparecem os Turunas Paulistas e os Chorões Sertanejos.

Ao lado da música de temática regionalista, Pernambuco desenvolve uma vasta obra dentro do choro, que se torna uma espécie de música popular de câmara. Nesse processo, ele é um agente fundamental, por ser o primeiro compositor a criar um repertório de choros escritos especialmente para violão - e provavelmente um dos primeiros a elaborar arranjos para duo de violões. Seus choros se distinguem por recorrer ao cromatismo, o que não é muito convencional na harmonização dos outros chorões de sua época, criando variações dentro do gênero. Outro aspecto diferencial é a síncope, que costuma ser mais marcada entre os chorões cariocas.

Pernambuco desenvolve para o violão uma obra comparável à de Ernesto Nazareth para o piano e de Pixinguinha para a flauta. E elabora harmonias e modulações complexas, enfatizando o ritmo e os contrapontos - como se nota no jongo Interrogando (1930) e no choro Graúna (s.d.), gravado pelos Oito Batutas em 1923. Ele é o que se pode chamar de "violonista-compositor", isto é, músico para quem o ato de executar não se dissocia do ato de compor. Além disso, é um dos primeiros solistas no violão.

Apesar de sua importância para a história da música popular do século XX, a obra de João Pernambuco permanece pouco estudada, ¹ ao passo que é bastante conhecida por músicos como Dilermando Reis, Jacob do Bandolim - responsável pela preservação de alguns de seus manuscritos - e, mais recentemente, pelo violonista erudito Turíbio Santos, que, desde os anos 1970, recolhe e publica as composições de Pernambuco, além de influenciar violonistas e ser responsável pela gravação mais conhecida de Sons de Carrilhões, em 1951. Entre os alunos de Pernambuco estão Jaime Florence, o Meira, professor de Baden Powell, Raphael Rabello e Maurício Carrilho. É reconhecido como o "Poeta do Violão", e peça obrigatória no repertório violonístico brasileiro.


Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural.

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