PROFÍCUAS PARCERIAS

Gabaritados colunistas e colaboradores, de domingo a domingo, sempre com novos temas.

ENTREVISTAS EXCLUSIVAS

Um bate-papo com alguns dos maiores nomes da MPB e outros artistas em ascensão.

HANGOUT MUSICARIA BRASIL

Em novo canal no Youtube, Bruno Negromonte apresenta em informais conversas os mais distintos temas musicais.

domingo, 20 de junho de 2010

EXCLUSIVIDADE DA MUSICARIA - ESPECIAL FESTAS JUNINAS (SÃO PEDRO)

As meninas de Lua (2010)

Faixas:
01 - Ana Rosa
02 - Karolina com K
03 - Morena
04 - Nega Zefa
05 - Orelia
06 - Maria Cangaceira
07 - Fulô da maravilha
08 - Juvina
09 - Mariana
10 - Manduquinha

sábado, 19 de junho de 2010

20 ANOS SEM O ELVIS DO SERTÃO

Por Cristiano Bastos

Agosto de 1989. O mês e o ano que levaram embora o mito Raul Seixas carregou, também, outra poderosa lenda da música brasileira: Luiz Gonzaga do Nascimento - também festejado como "O Rei do Baião", "Gonzagão" ou "Lua". Por excelência, Gonzaga foi o ourives nordestino de inestimáveis pérolas da chamada "Música Popular Brasileira". Basta citar uma delas: a universal "Asa Branca", legitimador tesouro da corroída nomenclatura "MPB" - da qual, no século 20, muito pouco (ou nada) restou de popular.

Nascido no dia 13 de dezembro de 1912, na localidade de Exu, sertão pernambucano, Gonzagão partiu no dia 2 de agosto de 1989, há 20 anos. A maior influência brasileira do conterrâneo nordestino Raul Seixas foi o Rei do Baião: "Luiz Gonzaga tinha um remelexo 'elvispresleiniano'", aludiu publicamente, mais de uma vez, Raulzito. Como lembrança dessas duas décadas que se passaram - após o pai da "Asa Branca" "voar para o sertão celestial" -, a Som Livre lançou a coletânea do artista na sérieSempre. Um álbum repleto de clássicos para fazer a manutenção da eternidade de canções como "Respeita Januário", "Sabiá, Baião", "O Xote das Meninas", "Qui nem Jiló" e "A Vida do Viajante". Em 2009, o cantor Zé Ramalho lançou um álbum em sua homenagem, intitulado Zé Ramalho Canta Luiz Gonzaga. Ainda sem data de lançamento, também está previsto para chegar ao mercado o DVD reunindo Gonzagão e o cearense Raimundo Fagner, em estúdio, no ano de 1984, quando da gravação do disco que lançaram juntos naquele ano. A Sony/BMG - que detém quase todo o extenso catálogo do velho Lua na velha RCA Victor (assim como milhares de fonogramas adormecidos de Nelson Gonçalves) -, poderá reeditar alguns títulos. O mais difícil, no entanto, será condensar a trilha-sonora do filme que vem por aí em breve, o qual vai contar a história de Luiz Gonzaga nos moldes heróicos de Dois Filhos de Francisco, cinebiografia de Zezé di Camargo & Luciano.

Homem simples, no preâmbulo da grandiosa aventura que dedicou à música, Gonzaga trabalhou na lavoura. O menino gastava suas horas de folga para aprender sanfona com seu pai, o imortalizado Januário da canção. Aos 12 anos, acompanhava o pai em bailes e festas. Perto dos 18, mudou-se para Crato, no Ceará, onde virou corneteiro no 23º Batalhão de Caçadores. Viajou por Minas Gerais e São Paulo até chegar ao Rio de Janeiro, no final dos anos 30. Desligou-se da vida militar e passou, então, a dedicar-se exclusivamente à música. Assinou contrato com a Rádio Nacional e, daí em diante, popularizou ritmos como xaxado, forró, coco, xote, ciranda, embolada e, claro, baião.

De Recife, Pernambuco, o guitarrista e vocalista da banda punk Love Toys (cujas influências "urbanas" são Dead Boys e Black Flag), o xará Luiz Manghi, analisa que Gonzagão revelou ao Brasil um ritmo tipicamente nordestino em uma época em que o preconceito com esse povo era bem forte. "Costumo dizer que ele fazia uma versão nordestina do blues. Um som que tinha sua base temática na difícil vida do nordestino." O jornalista e crítico musical Tárik de Souza divide a mesma ideia: "Enquanto Presley foi o "Cavalo de Tróia" da negritude num país racista, Gonzaga colocou o nordeste, com sua cultura refinada e seus costumes peculiares, no mapa da MPB. Era um momento de urbanização do sudeste, em que nordestino era encarado como peão de obra, cabeça chata, ser inferior. O Rei do Baião desvelou a diversificada cultura deste povo, então encarado de forma pejorativa" De fato, Luiz Gonzaga é influência para gente de todas as extremidades do Brasil. No Rio Grande do Sul, o guitarrista de jazz Gulherme Almeida (da banda Pública - seu pai, Iraci Rocha, por sua vez, é dos nomes mais respeitados da música nativista gaúcha) diz que a acordeona do velho Lua soava as notas cantadas pelo nordeste. Para Guilherme, além de todo mérito artístico - como compositor, instrumentista e intérprete -, a identidade de Gonzaga, na música nacional, foi muito bem estabelecida. "No momento em que um artista assume a cultura da sua região, ele acorda um compromisso com seu povo, de retratar aquela vivência: hábitos, sotaque, vestimenta". Do nordeste ao sul, o guitarrista discorre, há grandes artistas que arremessaram a cultura de seu povo ao mundo. Assim como Jamie Caetano Braun (um dos maiores poetas/pajadores do RS), em seus versos, canta "Tenho a xirua mais linda do que a flor da macanilha (flor típica dos pampas gaúchos)", do outro lado, Luiz Gonzaga dispara - valendo-se, também, de sua flora para ambientar seus versos: "Mandacarú, quando fulora na seca, é um sinal que a chuva chega no sertão".

O Rei do Baião fez muito sucesso dos anos 50 aos 80. Ele criou a ideia de chamar o forró autêntico de "pé-de-serra". O ritmo, explica a jornalista brasiliense Adriana Caitano, ainda é mantido pelos nordestinos que lutam por deixá-lo vivo - apesar das trágicas misturas sofridas pelo gênero com o passar dos anos. "O período no qual mais se ouve forró no Brasil é o das festas juninas. Mas ele não existe só nessa época e nem só no nordeste", observa Adriana, que é autora do documentário Movimento Pé-de-Serra Moderno e mantém um blog a respeito (www.forropedeserradf.blogspot.com). Segundo a estudiosa, para os nordestinos, principalmente os mais velhos, Luiz Gonzaga foi um pai. Foi quem mostrou ao mundo que a cultura de lá também tinha seu imenso valor. "Luiz Gonzaga foi um marco. A música brasileira divide-se entre antes e depois dele". Para os jovens forrozeiros de hoje, que não o viram vivo, explica Adriana, Luiz Gonzaga é quase um santo: "Um mito que parece renascer toda vez que alguém ensaia uns acordes na sanfona".

O recifense Paulo Vanderley, além de comandar o site Luiz Lua Gonzaga, alimenta uma relação de cordial amizade com a família de Luiz Gonzaga. Paulo se diz admirador, também, da obra do sobrinho de Lua, o sanfoneiro Joquinha Gonzaga - o qual, segundo ele, está dando continuidade à qualidade do trabalho ensinado pelo tio. Nos anos 80, ainda criança, ele morou em Exu, momento em que teve o prazer de conhecer e conviver com "Seu Luiz". De lá para cá, Paulo agilizou bíblico trabalho de pesquisa: adquiriu todos os seus discos e digitalizou, aproximadamente, 400 revistas contendo reportagens a respeito do mestre. Em meio a fantásticas histórias, para preservá-las, criou o museu virtual Luiz Lua Gonzaga. Ele destaca uma envolvendo - para variar - o "Malcolm McLaren" brasileiro, o agitador Carlos Imperial. "Ele anunciou que os Beatles estariam prontos para entrar em estúdio e gravar 'Asa Branca', composta por Gonzaga e Humberto Teixeira. Imperial espalhou que a gravação entraria no álbum de capa branca..." A falsa notícia, publicada em diversos veículos, rendeu tremendos dividendos a Luiz Gonzaga, justamente quando ele não ocupava a parada musical nas capitais. "Todo mundo queria saber a verdade: se eu tinha ganhado dinheiro com essa história toda. Não passou de uma grande mentira", deixou bem claro o Rei do Baião, em uma entrevista dada em Recife. O sucesso, contudo, nunca terminou para ele. Revive sempre que seu musical nome é pronunciado: Luiz Gonzaga.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

LUIZ GONZAGA VOLTA PRA CURTIR

Que Luiz Gonzaga foi genial, isso todo mundo já sabe. Ele tinha a voz forte, as composições imortais, a sanfona característica e um talento nato para incorporar o caboclo nordestino e contar causos e anedotas. Doze anos depois de sua morte, constata-se que ele continua imbatível no gênero que ajudou a fixar no imaginário coletivo do brasileiro: o baião e suas variações. É o que prova o CD inédito Volta Pra Curtir, retirado de um show no Teatro Tereza Rachel, no Rio, em 1972, quando Caetano e Gil voltaram do exílio e queriam mostrar à juventude intelectual da Zona Sul carioca a importância do Rei do Baião. Produzido por Jorge Salomão (com roteiro dele em parceria com José Carlos Capinam), o show que agora virou CD apenas frisa a genialidade do intérprete e compositor, com direito a uma banda regional de primeira, que contou com o então jovem Dominguinhos no acordeom, que acabava de ser rebatizado (deixara há pouco o apelido de Neném).

O falatório desfiado por Gonzagão ao longo do disco pode até incomodar a quem só queira dançar ao som de suas músicas, mas não poderia ter ficado de fora. Seria uma heresia, afinal são em seus discursos que ele revela sua graça, sua ingenuidade e seu carisma inigualáveis. O repertório traz seus maiores clássicos - todos, atemporais - como Asa Branca, Boiadeiro, Lorota Boa, Assum Preto, Respeita Januário, No Meu Pé de Serra, Estrada de Canindé, Juazeiro, Derramaro o Gai, Qui Nem Jiló e tantas outras. Entre as menos conhecidas, destacam-se as brejeiras e melancólicas Ana Rosa (Humberto Teixeira) e Hora do Adeus (Onildo Almeida/ Lula Queiroga) e duas homenagens ao Rio de Janeiro: Adeus, Rio (Zé Dantas/ Luiz Gonzaga) e Aquilo Bom (Garotas do Leblon) (Luiz Gonzaga/ Severino Ramos). A nova geração do forró pé-de-serra tem que acender uma vela por noite pra São Luiz Gonzaga. Reverência é o mínimo que se pode ter a um dos dez nomes mais importantes da MPB de todos os tempos.
Esse é um dos poucos registros de como era Gonzagão no palco, cantando, tocando e interagindo com o público. O show foi gravado no auge da ditadura militar, em março, 1972, no Teatro Tereza Rachel, mesmo ano de lançamento do álbum “Aquilo bom”. Essa gravação foi feita em tape analógico e resgatada em 2001 para o deleite dos admiradores dessa tão rica faceta da música popular brasileira.
Compondo um time de feras no palco, Dominguinhos na sanfona e Renato Piau na guitarra, dois músicos excepcionais, que posteriormente, se destacaram fortemente dentro do cenário da música brasileira.
Dominguinos era bastante jovem nessa oportunidade, havia começado a usar esse nome artístico há pouco tempo, antes disso era conhecido como Neném.

Luiz Gonzaga – Volta pra curtir (ao vivo) (1972) – BMG (2001)

Faixas:
01 - Boiadeiro (Klecius Caldas – Armando Cavalcante)
Cigarro de paia (Armando cavalcante, Klecius Caldas)
02 - Moda da mula preta (Raul Torres)
Lorota boa (Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira)
03 - Siri jogando bola (Luiz Gonzaga – Zé Dantas)
Macapá (Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira)
04 - Qui nem giló (Luiz Gonzaga – Humberto Teixeira)
Oiá eu aqui de novo (Antonio Barros)
05 - Asa branca (Luiz Gonzaga – Humberto Teixeira)
A volta da asa branca (Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira)
06 - Assum preto (Luiz Gonzaga – Humberto Teixeira)
Ana Rosa (Humberto Teixeira)
07 - Hora do adeus (Luiz Queiroga – Onildo Ameida)
08 - Estrada de Canindé (Luiz Gonzaga – Humberto Teixeira)
Respeita Januário (Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira)
09 - Numa sala de reboco (José Marcolino – Luiz Gonzaga)
O cheiro da Carolina (Amorim Roxo, Zé Gonzaga)
O xote das meninas (Luiz Gonzaga, Zé Dantas)
10 - Adeus, Rio (Luiz Gonzaga – Zé Dantas)
Aquilo bom (Garotas do Leblon) (Luiz Gonzaga, Severino Ramos)
11 - No meu pé de serra (Luiz Gonzaga – Humberto Teixeira)
Baião (Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira)
12 - Pau de arara (Guio de Moraes – Luiz Gonzaga)
Juazeiro (Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira)
13 - Derramaro o gai (Luiz Gonzaga – Zé Dantas)
Imbalança (Luiz Gonzaga, Zé Dantas)
14 - A feira de Caruaru (Onildo Ameida)
15 - Olha a pisada (Luiz Gonzaga – Zé Dantas)
Boiadeiro (Armando Cavalcante, Klecius Caldas)

60 ANOS DO FORRÓ

Por Bruno Negromonte

Como já foi visto ao longo de algumas postagens anteriores esse ano comemora-se 60 anos que a palavra forró apareceu em um disco pela primeir vez, o termo só apareceu pela segunda vez em 1955 com a canção Forró do Zé Tatu de autoria de Zé Ramos e Jorge de Castro.

Tendo várias explicações para a origem do termo, em uma das explicações, o nome forró deriva de forrobodó, "divertimento pagodeiro", segundo o folclorista Câmara Cascudo. Tanto o pagode (que hoje designa samba) como o forró são festas que foram transformadas em gêneros musicais. O forrobodó, "baile ordinário, sem etiqueta", também conhecido por arrasta-pé, bate-chinela ou fobó, sempre foi movido por vários tipos de música nordestina (baião, coco, rojão, quadrilha, xaxado, xote) e animado pela pé de bode, a popular sanfona de oito baixos. Uma versão fantasiosa chegou a atribuir a origem do forró à deturpação da pronúncia dos bailes for all (para todos), que no começo do século os engenheiros ingleses da estrada de ferro Great Western, que servia Pernambuco, Paraíba e Alagoas, promoviam para os operários nos fins de semana.

Hoje a genuína proposta do velho lua encontrase totalmente descaracterizada salvo os verdadeiros guerreiros musicais nordestinos que ainda defendem a unhas e dentes o autêntico ritmo criado por Luiz Gonzaga. Nomes como Santanna, Maciel Melo, Dominguinhos, Petrúcio Amorim, Xico Bezerra, Irah Caldeira, Nádia Maia e tantos outros ainda procuram manter a base de seus respectivos trabalhos em um forró lapidado e bem feito.

Ainda bem que eles existem, pois os anos 90 vieram para urbanizar o forró e trazer junto com essa urbanização a descaracterização do gênero. Bandas oriundas das mais excêntricas misturas surgiram e embarcaram na onda musical. Muitas se mantém na ativa até hoje, e com repertórios tão exóticos quanto os seus nomes. Vejam alguns títulos: Calcinha no chão (Caviar com Rapadura), Zé Priquito (Duquinha), Fiel à putaria (Felipão Forró Moral), Chefe do puteiro (Aviões do forró), Mulher roleira (Saia Rodada), Mulher roleira a resposta (Forró Real), Chico Rola (Bonde do Forró), Banho de língua (Solteirões do Forró), Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal), Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada), Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca), Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró), Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró). Esta é uma singela amostra do que essas bandas são capazes!.

Com a imigração de grandes camadas da população nordestina para a região sudeste, inúmeras casas de forró foram abertas geralmente nas periferias antes de tornar-se modismo entre parte da juventude e estabelecer seus domínios nas regiões mais abastadas. No Rio, um dos mestres da matéria, o compositor maranhense João do Vale, pontificava no Forró forrado no bairro central do Catete, no final dos 70. No nordeste, as cidades de Caruaru (PE) e Campina Grande (PB) disputam hoje a cada festa junina o título de capitais do forró com festejos de longa duração capitalizados como eventos turísticos que arrebanham multidões de visitantes.

Com certeza o velho Lua deve está por essas horas confabulando alguma coisa com Marinês, Sivuca, Ary Lobo, Abdias, Jackson do pandeiro e tantos outras estrelas dessa constelação musical nordestina para que a cada ano que passe as noites do período de festejo junino se tornem muito mais bonita e brilhante, principalmente no São João.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

CONSTELAÇÃO DE FALSAS ESTRELAS

Adiquirindo gosto pelas cópias assépticas, o público se afasta da autêntica cultura popular.

Por Roberto Torres*

Triste sina a da cultura popular. Se antes desmerecida, esquecida, humilhada, hoje – redescoberta com um certo valor de capital – é explorada despudoradamente.
Recentemente, participando em Maceió do seminário do Toques e Trocas, projeto que procura integrar a cultura popular de Pernambuco, Alagoas e Bahia, pude presenciar um encontro realmente emocionante. Para a programação, foi trazido um evento que já acontece na cidade há bastante tempo: um encontro semanal, no Museu Théo Brandão, que reúne mestres de variados matizes: guerreiro, reisado, cavalo-marinho, bumba-meu-boi, assim como cantadores de coco, sanfoneiros e repentistas.
No evento, foi solicitado aos mestres que deixassem registrados seus depoimentos. Foi um momento histórico. Os relatos foram testemunhos sinceros, corajosos, do descaso, da falta de respeito, da exploração e até da covardia com que são tratados por aqueles que giram como satélites no entorno da cultura popular. Falaram das dificuldades em colocar seus folguedos na rua, muitas e muitas vezes às suas próprias custas; de não terem lugar onde ensaiar; do cachê minguado que são obrigados a receber quando convidados pelos órgãos oficiais para abrilhantar alguma comemoração; e da demora para receber esse pagamento. Deixaram visíveis suas desconfianças e a desesperança de que essa situação venha a mudar.
A partir daí uma questão se impôs, discernindo situações importantes, como a utilização da cultura popular por elementos cuja formação está fora do contexto original da cultura popular, aqui denominados “diluidores”. Muitos diluidores gravam discos, realizam turnês pelo país e no exterior, gozam da fama que deveria pertencer aos verdadeiros senhores da matéria.
Se observarmos o processo criativo de um desses diluidores mais conhecidos, o artista pernambucano Antonio Nóbrega, considerado por parte da mídia “o mais sofisticado artista popular do Brasil”, poderemos ver como ele lida com as tradições. Em sua mecânica, o procedimento é aparar as arestas da cultura popular, lixando as crostas, envernizando a superfície, proporcionando uma assepsia estética, produzindo uma cópia que na forma se assemelha ao original, mas na função a léguas se distancia.
Esse subproduto, servido apetitosamente a uma platéia ávida, tem o poder de fazer com que esse público – atendido em seus anseios – passe a aceitá-lo como referência do que identificam como cultura popular. E a partir daí, nas mesmas proporções, comecem a achar rústico, desalinhado, malfeito e de difícil assimilação o trabalho dos mestres de verdade.
Mas esse “privilégio” no trato com a cultura popular não é somente desses artistas diluidores. Outras classes também fazem parte da corrente, incluindo aí gestores de cultura, (ir) responsáveis pelas políticas públicas culturais; e acadêmicos, com suas pesquisas formadoras de teses e prestígios, mas sem retorno válido para os mestres. Todos, com as devidas exceções à regra, verdadeiros chupa-cabras da cultura popular.

*Roberto Torres é produtor e pesquisador musical.

CURIOSIDADES DA MPB

Hoje muito se fala do gênero forró. A origem da palavra é dada por alguns como uma adaptação da palavra FOR ALL que os funcionários que estavam implementando no interior do Brasil as linhas ferroviárias colocavam geralmente em placas frente as animadas festas que promoviam.
Pois bem, a primeira vez que essa palavra apareceu em disco foi a 60 anos atrás em um 78 rotações (78Rpm)na canção Forró de Mané Vito canção compostpor Zedantas e Luiz Gonzaga no 78 Rpm de número V800668 no lado B.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

TRADIÇÃO DE FORRÓ É COM ELES

Os forrozeiros João Silva, Luizinho Calixto, Alcymar Monteiro e Maciel Melo lançam novos disco para enfrentar a onda da fuleiragem music


O forró autêntico hoje luta taco a taco contra as bandas de fuleiragem music e saem ganhando porque continuam lançando discos, a maioria de boa qualidade. É o caso de Maciel Melo, um talento inegável, que este ano vem de Debaixo do meu chapéu, um dos melhores lançamentos desta safra. Renovador do forró nos anos 90, Maciel continua inovando sutilmente.

Debaixo do meu chapéu começa com Quixadá, um maxixe (em parceria com José Viana), e termina com uma valsa, Sanfona dourada (parceria póstuma com Luiz Gonzaga, para um projeto do baiano Gereba). Entre uma e outra ele vai de xote, baião, arrasta-pé, presta homenagens ao forró clássico, com um pot-pourri em que canta Assisão (Esquenta moreninha), Gonzaga/Zé Dantas (Noites brasileiras), e Onildo Almeida (Aproveita gente). Ele também inicia uma parceria com Geraldo Azevedo, com Duas caravelas, e canta um xote meio esquecido de Gilberto Gil, Chororô. Disco para ser ouvido ou dançado o ano inteiro. Vale lembrar que apesar de ter sua origem “debaixo do barro do chão”, com o canta Gilberto Gil, Maciel Melo não dispensa instrumentos plugados na tomada, e em busca de uma diferenciação de sonoridades, dois mestres da sanfona revezam-se no disco, Genaro e Adelson Viana.

O arcoverdense João Silva está entre os compositores clássicos do forró. Assim como Maciel Melo, conhece bem o idioma para não se limitar a xote românticos. Nação forrozeira é um baião daqueles que dá vontade de poder escutá-lo com Luiz Gonzaga. Mas João Silva canta bem, com um fraseado certeiro, e um timbre agreste. Acompanhado por alguns dos melhores instrumentistas do gênero, Sertão puro é um disco de forró vintage, com perdão do termo pedante. Mas não há um equivalente para este trabalho, que lembra os grandes álbuns de forró que se gravavam até os anos 60.

Vale ressaltar, que João Silva canta um repertório de composições inéditas, todas de qualidade irretocável, a exemplo, de Bodo Bodocó (pareceria com José Maria Marques), mais outra que Gonzagão pediria para gravar assim que a escutasse, o mesmo para Fique linda e bote cheiro, um xote que lembra menestrel do sol (Humberto Teixeira).

Alcymar Monteiro vem de DVD, e CD, Tradição & tradução (Ingazeira Discos), gravado no Marco Zero, no ano passado. O palco é o seu habitat. Ele traduz a tradição cantando com acompanhamento que tem guitarras, cavaquinho,s percussão de efeito, baixo elétrico, ao lado com os instrumentos tradicionais do forró. Mas este não é apenas um DVD (e CD), de forró. Chega a ser didático, pois o cantor faz uma panorâmica da música nordestina, em geral, e pernambucana em particular. Trazendo para o palco uma trinca de tocadores de oito baixos impecável, Arlindo, Zé e Luizinho Calixto. Outra convidada é Lia, nesta festa que termina com frevo.

Muitos forrozeiros torcem o nariz quando André Rio grava forró. Mas ele faz isso há tanto tempo, que as críticas não tem mais razão de ser. É certo que ele ainda tem cacoetes da época em que animava carnavais fora de época na Avenida Boa Viagem, ao mesmo tempo este período o deixou com um pique ao vivo, que ele não consegue com a mesma energia passar para discos de estúdio. Registro de shows realizados no Brasil e no exterior, em junho do ano passado, Rapsódia nordestina é um disco para alegrar a festa.

O repertório está equilibrado, com músicas autorais e regravações de nomes como Bráulio Tavares, Zé Ramalho, Carlos Pita, Dominguinhos, Nando Cordel e naturalmente Luiz Gonzaga. Um disco que é um convite à dança, coisa que o São João não pede, exige.

A capa do CD Discoteca do Calixto vol.2, pode levar a equívocos: mostra uma sanfona, e um casal dançando o que mais parece um tango lascivo. É a única falha no disco de um dos mestres do fole de oito baixos, Luizinho Calixto, que vem de uma família de tocadores de pé de bode do primeiro time, irmão de Bastinho e de Zé Calixto.

Infelizmente, o luxuoso Jacinto Silva no coração gente, produzido pela Link, um tributo a jacinto Silva, prestado por, entre outros, Tom Zé, Maciel Melo, Xangai, Josildo Sá é um brinde da empresa, com poucas cópias à venda na Passa Disco. Talvez ainda reste algumas.


Do forró pé de serra às misturas de ritmos
Discos bem produzidos com belas capas ou de produção irregular e capas de design primário. Tem de tudo nos lançamentos que os forrozeiros prepararam para animar o São João 2010

Um pecado capital de grande parte dos discos do chamado forró pé de serra é o péssimo design das capas. São trabalhos lançados no mercado na base do deixa-que-eu-chuto. É o caso do CD Maria Forrozeira, Vol. 1. A capa é péssima, mas o disco é bom, com algumas faixas que se aproximam nas letras das desditadas bandas. Mas o grupo vai além do xote. Arrasta-pé, xaxado, o grupo incursiona por várias facetas do forró, em algumas faixas com balanço irresistível, feito Tililingo, de Almira Castilho. O time de músicos garante a qualidade. Estão no CD a sanfona de Beto Hortiz, a guitarra de João Netto, a percussão de Quartinha, o baixo de Mongol.

Nádia Maia celebra seus 15 anos de forró com um CD bem-acabado, inclusive no design da capa. A maioria das 19 faixas capricha no tema romântico. Nada contra canções de amor, mas acaba cansando. Mesmo com a participação de Dominguinhos, na ótima Algodão doce (Accioly Neto). É emblemático que quase todas as músicas que não insistem no “romantismo” sejam assinada por veteranos: Onildo Almeida (Vamos misturar), João Silva (Nação forrozeira), J. Michiles (Festa fogueteira). Mais um ponto a favor, pelo menos não se ouve xote faixa por faixa, há outros itens da prateleira do forró.

Valdir Santos é um dos destaques da nova geração de forrozeiros de Caruaru. Sua música já alcançou outros países e ele tem feito turnês pela Europa, mas continua pouco conhecido na capital. Seu mais recente disco é o Projeto outra via, no qual o forró se une à poesia de Dja Vasconcelos e Demóstenes Félix. Este é quase um projeto paralelo dos três, algumas faixas estão mais para o que se convencionou chamar de “cantoria”, música de forte apelo sertanejo de Xangai ou Vital Farias. Com exceção de alguns xotes bem balançados, este disco está mais para MPB.

Fátima Marinho vem este ano com Festa junina, um disco feito para a festa, com marchinhas, cocos, xotes, mais inclinado às raízes, ao folclore. No disco há até um pot-pourri de acorda povo. Fátima Marinho está no forró desde 1985, fez um disco bom, que merecia uma produção de estúdio mais apurada.


Dois bons CDs dos herdeiros da Mestre Ambrósio
Nos anos 90, a Mestre Ambrósio batizou uma nova vertente do forró, o pé de calçada, com a rabeca unindo-se à sanfona. O grupo durou pouco, mas fez amigos e influenciou pessoas. Dois destes acabam de ser lançados Na caixinha, com o Forró de Cana, e Luz do baião, de Cláudio Rabeca (ambos com patrocínio do Funcultura).
O Forró de Cana faz o link entre o pé de serra, no xote J. Borges, e o cavalo-marinho, em Acende a candeia. Em Carrinho de rolimã, se mostra como estes dois estilos musicais estão tão próximos. Um Mestre Ambrósio mais acelerado.

Integrante do atuante Quarteto Olinda, Cláudio Rabeca vai além do forró, é um virtuoso do instrumento, e fez um disco solo irretocável, passeando pelos diversos ritmos pernambucanos, do samba de matuto, frevo, ao maracatu, (a belíssima Rei Bantu, de Zé Dantas/Gonzagão). A maioria das faixas é assinada por Cláudio Rabeca, algumas com parcerias.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

ALCEU VALENÇA NA "PELEJA" CONTRA A DESCARACTERIZAÇÃO DO AUTÊNTICO FORRÓ

Por José Teles

Há quatro anos, apresentou-se no Sítio da Trindade (popular parque aqui da cidade do Recife), Marinês, o maior nome feminino do forró, e parte da santíssima trindade do gênero – com Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. Ela desfiou uma série de clássicos, Peba na Pimenta, Pisa na fulô, Por debaixo dos panos, Meu cariri, e o distinto público não estava nem aí. Poucos casais se renderam à música da Rainha do Xaxado para cair na dança. A maioria dos que estava no Sítio não tinha nem ideia de quem era Marinês, e da sua importância para a música nordestina, em particular, e para a MPB em geral.

Sábado, no Sítio da Trindade, foi a vez de Alceu Valença. Não que a resposta da platéia para a música de Alceu tenha sido igual à de Marinês em 2006. Até porque ele tem uma legião de fãs mais que fiéis, e muitos sucessos, mais ou menos, recentes, que continuam a tocar no rádio. Porém, longe do palco, dava para se medir o embotamento estético de um contingente de parte da população, causado pela música de má qualidade que, coincidentemente, imperava a alguns quilômetros dali, no Chevrolet Hall, no São João da Capitá, que por sinal acontece em Olinda, e não na capital. Ali, a fuleiragem music é alojada no palco principal, e o forró autêntico é enquadrado numa Sala de Reboco. Senão como explicar fenômeno de milhares (sic) de nordestinos que lotaram o Sítio da Trindade, indiferentes a um pot-pourri que o cantor fez de clássicos como Baião, Vem morena, Pisa na fulô, O canto de ema, e Asa branca, o hino não oficial do Nordeste?

O embotamento é tão avassalador que, antes de Alceu Valença, a banda Território Nordestino não conseguiu entusiasmar o público, mesmo que seu repertório tenha ido de Gonzagão a Accioly Neto. Não é nem pelo repertório, mas por o grupo fazer forró com forte tempero de axé na pegada, só faltou o cantor gritar o indefectível “Tira o pé do chão, Recife!”. Mas, no final, Alceu acabou ganhando a batalha, não apenas porque é um dos melhores artistas do palco do País, como pelo seu repertório autoral, de dezenas de hits, que já fazem parte do inconsciente coletivo. Pelas ruas que andei, Anunciação, La belle de jour, Táxi lunar. Ele chamou ao palco o sanfoneiro Mardoni, para tocar uma música que está no filme que ele está dirigindo.

O público que frequenta o Sítio da Trindade, que está com programação impecável, em sua maioria é dos altos e afastados bairros da Zona Norte, jovens crescidos com a música das Saias Rodadas da vida. Bem que a Secretaria de Cultura poderia criar uma cadeira de música nordestina nas escolas da rede municipal, que abrisse os olhos e ouvidos dos alunos para entender o que é inspiração e apelação.

EXCLUSIVIDADE DA MUSICARIA - ESPECIAL FESTAS JUNINAS (SÃO JOÃO)

As meninas de Lua - Volume 02 (2010)
Faixas:
01 - Xote das moças
02 - Maria
03 - Creuza Morena
04 - O xote das meninas
05 - Dança Mariquinha
06 - Moça de feira
07 - Moreninha tentação
08 - Xanduzinha
09 - Rosinha
10 - O torrado da Lili

domingo, 13 de junho de 2010

CURIOSIDADES DA MPB

No início da década de 50, as vendagens de Luiz Gonzaga eram tão expressivas que as máquinas de prensa de discos da RCA (gravadora de Gonzaga na época) não estavam dando conta. A ponto de o diretor da matriz americana de passagem pelo Brasil ter pedido para conhecer esse tal Luiz Gonzaga que estava absorvendo toda energia do pessoal da filial brasileira.

sábado, 12 de junho de 2010

EXCLUSIVIDADE DA MUSICARIA - ESPECIAL FESTAS JUNINAS (SANTO ANTôNIO)

As próximas postagens musicais para downloads representam uma singela homenagem do Musicaria Brasil a um dos maiores nomes da música brasileira e mundial e sem dúvida, uma justa homenagem ao maior nome da música nordestina. 20 anos de saudades e um sem fim de anos para lutarmos para que a música de Luiz Gonzaga não caia no ostracismo.
Viva ao velho Lua!! Viva a cultura popular nordestina!!

As Meninas de Lua - Volume 01 (2010)
Faixas:
01 - Veronica
02 - Sant'anna
03 - Lygia
04 - Yvonne
05 - Manolita
06 - Madrilena
07 - Mara
08 - Perpétua
09 - Zinha
10 - Marieta

quarta-feira, 9 de junho de 2010

VOU TE MATAR DE CHEIRO (LUIZ GONZAGA)

segunda-feira, 7 de junho de 2010

TALENTOS HERDADOS

João Lacerda, filho de Genival Lacerda, não poderia ter seguido caminho diferente, e adotou o forró como uma herança. Por isso mesmo ao lançar seu primeiro CD João colocou o título de "Herança do Meu Pai", para demonstrar seu orgulho que sente de ser filho de um dos mestres da música nordestina em todos os tempos.

"Reconheço a enorme importância da influência do meu pai, mas acredito que chegou o momento de me lançar num vôo solo, com um trabalho que evidencie minha luz própria e pela qual possa ser reconhecido", diz João Lacerda que gravou músicas como "A Filha da Vizinha" em dueto com o seu irmão Genival Filho, que também já dá o ar de sua graça e promete em breve ser mais um Lacerda a se firmar no reduto do forró.

O disco "Herança do Meu Pai" contou com participações especiais de nomes consagrados como Alcymar Monteiro, Jorge de Altinho, Genaro do Acordeon, Zé Lezim e, é claro, do papai Genival Lacerda. No ano seguinte ele lançou CD e DVD ao vivo gravado em uma casa do Recife, e agora em 2010, lança o álbum "São João Lacerda, na área com amigos".


São João Lacerda, na área com amigos (2010)
Faixas:
01 - Acorda povo (J. Michiles)
02 - Em plena lua de mel (Cleide – Cleyton)
03 - A filha da vizinha (Adilson Medeiros)
04 - Severina xique xique (João Gonçalves – Genival Lacerda)
05 - Frevo mulher (Zé Ramalho)
06 - Gemedeira (Robertinho do Recife – Capinan)
07 - Pedras que cantam (Domiginhos – Fausto Nilo)
08 - Chuva miúda (Assisão)
09 - Lá vai o Zé (Adilson Medeiros)
10 - Cintura fina (Luiz Gonzaga – Zé Dantas)
11 - Sala de reboco (Zé Marcolino)
12 - Foi Deus (Jonné)
13 - Meu cenário (Petrúcio Amorim)
14 - Só filé (Luiz Fidelis)
15 - Tropicana (Alceu Valença – Vicente Barreto)
16 - Amor, querer e paixão (João Caetano – Ricardo Reis)
17 - Amor de sertão (Geraldinho Lins)
18 - Banho de cheiro (Carlos Fernando)
19 - Minha decisão (Racine – Rafael)
20 - Tá com medo de amar (Cláus – Vanessa)
21 - Chora me liga (João Bosco – Vinicius)
22 - Quero estar com você (João Silva – Genival Lacerda)
23 - Fogaréu (Walter Queiroz)
24 - Pé e chão (Missinho)
25 - Festa na roça (Mario Zan)
26 - Boca do mundo (Severino Ramos e Genival Lacerda)
27 - Mariquinha quer casar (Aguinaldo Batista e Genival Lacerda)

sábado, 5 de junho de 2010

GILBERTO GIL, O FORROZEIRO INFLUENCIADO POR LUIZ GONZAGA

Compositor baiano lança disco dedicado ao São João para resgatar a festa junina no Rio, e depois faz turnê no Nordeste.


“Fé na festa”, o 56 álbum de Gilberto Gil, é um retorno às origens do baiano, que já fez sucesso em 2000 com a trilha do filme “Eu tu eles” — aquele do hit “Esperando na janela”.

— Sou egresso do mundo sertanejo, meu primeiro mestre é Luiz Gonzaga. Foi um retorno natural — conta Gil, que homenageia o Rei do Baião em “Aprendi com o rei”.

Os toques autobiográficos não param por aí. Gil faz aniversário em 26 de junho, e invariavelmente comemora com uma festa junina. A data é lembrada em “Vinte e seis”, um “parabéns baião”.

Apenas uma faixa foge ao tom naturalmente festivo do álbum. “Não tenho medo da vida” é uma “canção intrusa”, nas palavras de Gil. A letra, que fala de medo de viver, foi uma provocação do amigo Rogério Duarte, que pediu ao ex-ministro uma resposta a “Não tenho medo da morte” (de seu álbum anterior, “Banda larga cordel”).

— Incluí em “Fé na festa” porque ficou pronta na época da escolha de repertório do CD — justifica. E emenda, provocando: — Não tenho que dar explicações sobre estilo. Sou tropicalista.

Festa do interior
“Fé na festa” é mais que uma trilha sonora das comemorações juninas. Nas canções do CD, Gilberto Gil transporta o público para a tranquila vida do interior. Mesmo em faixas como “Dança da moda” e “Marmundo”, que levanta a bandeira da ecologia, é natural se deixar levar pela voz mansa do cantor e viajar para um mundo de festa.

Pela primeira vez, Gilberto Gil faz um disco direcionado às festas juninas. Ele já havia gravado outros dois discos de forró, As canções de Eu, tu e eles (2000), e São João ao vivo (2001), porém Fé na festa, que lançou na última quarta-feira, com uma coletiva em seu estúdio na Gávea, foi feito com o objetivo de dar a arrancada para o resgate dos festejos, que já foi muito, no Rio de Janeiro, e hoje praticamente não é mais comemorada na cidade – onde, como lembra Gil, “Luiz Gonzaga fez a festa dele”. A arrancada para reviver o São João carioca Gil tratou de organizar, no Jardim Botânico, com um grande forró de lançamento do disco (patrocinado pelo projeto Natura Musical, com selo da Gegê, e distribuído pela Universal Music), comandado por Gilberto Gil acompanhado de convidados como Gal Costa, Alcione. Vanessa da Mata (parceira de Gil em uma das faixas do CD) e Zeca pagodinho.

“Fé na festa, porque o São João é a mais emblemática ds festas brasileiras onde o profano encontra o religioso. Você vai, por exemplo, em Exu, e no átrio da igreja encontra o terreiro onde aconteciam as festas. O Brasil é o País, mais do que qualquer outro, que se ergueu neste diálogo profundo entre o sagrado e o profano. É muito comum se ver no Nordeste, durante as festa juninas, a imagem de São João do Carneirinho”, comenta Gilberto Gil, que aniversaria dois dias depois do São João. Nascido em Salvador, ele foi criado até o começo da adolescência na interiorana Ituaçu, a 524km da capital baiana: “Lá o pessoal rezava a trezena de São João, que terminava no dia 13 de junho. Lá em casa, minha mãe começava no dia 13, para a celebração coincidir com meu aniversário, quando tive a idéia do disco, fiz uma música chamada 26, que quero cantar em Jequié, onde me apresento neste dia”.

Fé na festa é um disco de forró, mas não se guia pela cartilha da ortodoxia que parou no tripé sanfona, zabumba e triângulo. Quando é perguntado o porquê de ter usado instrumentos como violino (do francês Nicolas Krassic) ou guitarra (tocada pelo próprio Gil), ele relembra que é tropicalista: “Há 40 anos eu já usava guitarra. Eu venho do tropicalismo. Quando me propus a fazer este trabalho, quis um disco tradicional, mas que contemplasse as ferramentas contemporâneas. Eu teria dificuldade em fazer um disco totalmente tradicional. Luiz Gonzaga já nos primeiros discos, usava violão de sete cordas, o regional de Canhoto, mais tarde também teve um grupo com guitarras”.

Luiz Gonzaga é invocado durante quase toda entrevista. Quando comenta o patrocínio do Natura Musical, ele remete aos primeiros anos da carreira de Gonzagão. “Ele foi a minha primeira grande influência, a minha grande inspiração, aliás são muitos os herdeiros de Luiz Gonzaga. Ele foi o primeiro grande artista pop nacional, e pioneiro em patrocínios. Nos anos 50, era exclusivo do Colírio Moura Brasil”.

O comentário recai sobre os grandes arraiais nordestino, onde as bandas de fuleiragem music predominam (Calcinha Preta é citada na faixa O livre-atirador e a pegadora). “Não vou entrar no mérito das letras das bandas, até porque alguém pode pegar o Xote das meninas, de Zé Dantas e achar que tem a ver com pedofilia. O que é relevante no caso das bandas é o domínio excessivo, em que o negocial predomina sobre a cultura. Quando o negocial predomina, se perde o balanço. O que acontece com as bandas, aconteceu com o axé na Bahia, onde os trios tomaram tudo. Mas são questões do pós-modernismo. Não são questões exclusiva do Nordeste, nem do Brasil, é global, mundial”.

A maioria das canções de Fé na festa é assinada por Gilberto Gil, algumas com parceiros. De outros autores, gravou A dança da moda (Zé Dantas/Luiz Gonzaga), Aprendi com o rei (João Silva), e Maria minha (Targino Gondim e Eliezer Setton). Depois do show de amanhã, ele vem ao Nordeste, a partir do dia 11, quando canta em Salvador. Em Pernambuco, lança o CD dia 12, em Caruaru, 18, em Arcoverde, e 29, em Salgueiro.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

MPB - MÚSICA EM PRETO E BRANCO

LUIZ GONZAGA

SERTÃO DE POVO VIRTUOSO

Por Zé Tavares

O grande Luiz Gonzaga fez alguns Shows na cidade de Pombal (PB), sempre em praça pública, sobre o patrocínio de uma importante empresa de comercialização de fumo, lá de Arapiraca (AL).

Pude presenciar alguns desses shows e viver as emoções do talento desse grande monstro de nossa cultura. Além de cantar, ele contava piadas, fazia críticas aos governos pelo descaso com os nordestinos, contava causos e passagens de sua vida artística. Era um show interativo, onde conversava e ouvia as pessoas que o assistiam. Lembro que certa vez ele falou de sua emoção quando ouviu pela primeira vez uma musica em que o compositor Benito de Paula o homenageou. Neste mesmo show ele contou que logo que fez uma música para Frei Damião foi em Pombal que ele encontrou com o frade capuchinho para presenteá-lo com o disco, até então inédito.

Pouca gente sabe, mas um dos causos que o velho Lula vivenciou e imortalizou em dos seus discos ocorreu aqui em Pombal. João Queiroga, mais conhecido como Joquinha, pertencia a uma família muito influente na cidade, era característica sua a irreverência e a presença de espírito, sempre fazendo gozações onde quer que estivesse.

Na oportunidade, o velho Lula cantava um dos seus clássicos “A volta da asa branca”, quando chegou na parte que diz “Sertão das muié séria, dos home trabaiadô”, Joquinha Queiroga gritou:

- Faz muito tempo que o senhor não anda por aqui. Isso não existe mais por aqui não, seu Lula.

Luiz Gonzaga deu aquela sua peculiar gargalhada e depois adicionou esta história no seu repertório de causos, inclusive registrando o fato em um dos seus discos.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

ENTREVISTA COM LUIZ GONZAGA (PARTE 02)

O PASQUIM – Como era o nome dele ? Marcos Lázaro?
GONZAGA – Aí apareceram lá uns cearenses universitários que começaram a me interrogar : você não sabe nada lá do norte ? Eu digo: eu sei umas coisas que eu tocava quando eu tocava sanfona de oito baixos, mas não dá aqui. Eles disseram: dá. Se procurar você acha. Está aqui uma boa gorjeta, a gente volta pra semana e só vamos dar dinheiro a você se você tocar uma coisas daquelas dos pés de serra lá do Araripe, da tua terra. Eles eram muito camaradas, aí eu comecei a relembrar as coisinhas que eu tocava quando era moleque, acompanhando meu pai. Quando eles voltaram eu taquei um pé de serra neles. Aí eles disseram: ei, pêra aí, o seu caminho é aí. Você tocando música de gringo ? Aí eu toquei o “Vira e Mexe”em cima deles. Aí eles me convidaram a visitar a república onde eles moravam, na Lapa. Era de zona à zona. Lá eles tinham um prédio por conta deles. Quando eu cheguei nesse prédio eles disseram: eu te apresento aqui o presidente da república, fazendo blague, porque tinha um moreno lavando as cuecas dele vestido de calção. Aí ele disse: muito prazer, Armando Falcão, que posteriormente foi deputado e governador do Ceará. Ele era estudante pobre na época. Foi aí que eu peguei o caminho da música do norte. Eu comecei a tocar essas coisinhas na zona e comecei a agradar muito mais, porque eu estava com uma jogada nova. Em todo lugar que eu ia ouvia tocar choro de Ernesto Nazaré e eu comecei a querer aprender esses choros de Ernesto Nazaré pra minha sanfona e aí fui desenvolvendo uma técnica melhor. Apesar de até hoje eu ter uma técnica completamente errada porque não tive quem me ensinasse. Aprendi quase que sozinho. Quando eu bati no programa do Ary Barroso eu fui tocar valsa. Nota um, nota dois, nota três. Até que um dia ele me gozou: de novo por aqui ? Eu digo: hoje eu vou tocar um negocinho do norte. O que é que vai tocar ? Eu digo: “Vira e Mexe” Ele disse: então arrivira e mexe. Eu mandei brasa e fui classificado. Daí pra cá choveu na minha roça e nunca mais faltou feijão.

O PASQUIM – E o negócio do chapéu de couro e tudo mais. Como é que você criou a imagem?
GONZAGA – Isso é muito importante. Naquela época eu percebia que todo o cantor regional, todo o cantor estrangeiro tinha uma característica própria. O gaúcho aquela espora, bombacha, chapelão. O caipira tinha lá o seu chapéu de palha. O carioca tinha a famosa camisa listrada. O chapéu coco. Os americanos, os cowboys. Quando Pedro Raimundo veio pra cá vestido até os dentes de gaúcho eu me senti nu. Eu digo: porque é que o nordeste não tem a sua característica ? Eu tenho que criar um troço. Só pode ser Lampião. Apanhei por causa de Lampião. Eu digo: eu vou usar o chapéu de Lampião. Aí escrevi para a mamãe pedindo um chapéu de cangaceiro com toda urgência. No primeiro portador que ela teve, ela mandou o chapéu.
Rapaz, quando eu botei o pé no palco da Rádio Nacional, só faltaram me matar de raiva. Como é que você, um mulato formidável, um artista fabuloso se passa por um negócio desse ? Reviver o cangaço, cangaceiros, fascínoras, ladrões, saqueadores ? Eu disse: não se trata disso. É outra coisa. Eu agora sou um cangaceiro musical. Aí eu fiquei com essa característica.

O PASQUIM – Quando é que o Humberto Teixeira apareceu na sua vida?
GONZAGA – Humberto Teixeira apareceu numa fase justamente em que eu precisava de um letrista. Eu vinha lutando com outros companheiros, Miguel Lima, J. Portela, mas eles não sentiam o nordeste. Mas eu não queria cantar uma simples embolada. Eu queria cantar coisas bonitas do nordeste. Eu procurei ele e ele disse: Luiz, eu não posso resolver o seu problema. Mas eu tenho um cunhado que eu tenho certeza que vai resolveu o seu problema.

O PASQUIM – Humberto Teixeira nunca tinha se metido com música na vida dele?
GONZAGA – Não. Ele já vinha fazendo uns sambas, uns negócios aí . Ele tinha muita tendência pra fazer música meio clássica. Ele escrevia música e tudo. Quando o Lauro me apresentou ao Humberto, eu disse: eu tenho um tema pra você botar uma letrinha. Chama-se “Pé de Serra”. Olha aqui. Aí ele foi fazendo os versos no joelho. Eu disse: está ótimo, Humberto. Ele disse: mas isso não é a letra definitiva. Eu disse: peraí, nessa aí você não vai bulir mais, não. A letra é essa. Ele disse: não, depois eu vou te dar a letra definitiva. Quando ele veio com a letra eu ainda achava que a primeira era melhor. Aí foi um sucesso.

O PASQUIM – Quais as músicas que são tuas e quais as que a idéia são de Humberto Teixeira?
GONZAGA – Ideia de Humberto Tixeira é “Assum Preto”, “Mangaratiba”.

O PASQUIM – “Asa Branca”?
GONZAGA – “Asa Branca” a idéia é minha. “Respeita Januário”, a idéia é minha mas a letra é totalmente dele. Eu só contei a história pra ele. Quando eu voltei pro sertão, depois de quinze, vinte anos que eu tinha me afastado, eu queria saber quem era o melhor cantor de lá, ia investigando, querendo saber notícias. Pra todo mundo que eu perguntava ele iam dizendo: tocador aqui é Januário. O menino dele foi lá pro sul, mas não vem aqui, ficou por lá mesmo. Mas Januário aqui é o maior. A primeira música que eu toquei pro público eu notei que o povo não gostou muito. Então alguém gritou: Luiz, respeita Januário. O Humberto gostou muito dessa história e fez a letra.

O PASQUIM – O teu letrista predileto é Humberto?
GONZAGA – Não tem nem dúvida.

O PASQUIM – E aquele que era médico, que morreu?
GONZAGA – Zé Dantas ? Zé Dantas foi outro caso espetacular. Ele veio na onda do baião. Ficou naquela área de sertão, puro, autêntico, rimas fabulosas. E Humberto nessa área de asfalto, sertão, norte, sul.

O PASQUIM – Ele é um craque.
GONZAGA – É. Nós vamos voltar a produzir outra vez.

O PASQUIM – Nesse negócio da volta do Luiz Gonzaga, você não acha que o pessoal esqueceu um pouco o Humberto ?
GONZAGA - Humberto começou a ser injustiçado pelo Ceará, terra dele. Porque Lauro Maia era muito popular lá, os cearenses bebiam com o Lauro, cantavam com o Lauro e ele era tido como líder cearense. Logo após a morte de Lauro Maia aparece Humberto . Aí começaram a acusar Humberto de ter herdado o baú de Lauro Maia. Isso foi negativo pra ele. Como você sabe, o cantor sempre leva a melhor, e se Humberto tem aparecido, é porque eu faço questão de exaltar Humberto. Lá em Fortaleza nem adianta que ninguém acredita. Ele é um homem injustiçado. Agora, é um homem fabuloso. Ele fez um baiãozinho agora pra o elepê “O Canto Jovem de Luiz Gonzaga” e você vai ver que beleza . A letra é assim:

“Bicho, com todo respeito
Dá licença eu vou voltar
O desafio pra cabra macho enfrentar
Falei com Carmélio e Sivuca
Pro Zé Dantas o que eu fiz foi rezar
Mas o caso é que modestamente
Bicho, eu vou voltar
Bicho, falar não é preciso
Rei Luiz vai me ajudar
Caetano muito obrigado por me fazer lembrar
Não a mim mas aquilo que eu fiz
Pro meu Brasil cantar
Tá doido é duro seu mano
A gente tem que respeitar
Tem Gil, tem Capinam, tem Chico
Tem Tom pra dar o tom
Mas se pego a viola ponteio meus acordes mais ternos
É duro eu me esqueço os invernos
Bicho, eu vou voltar.”

O PASQUIM - A tua relação com o Gonzaguinha é boa, Luiz Gonzaga?
GONZAGA – Houve uma coisa muito interessante. Eu tinha muito medo que o Gonzaguinha se desvirtuasse. Viesse a pertencer a um grupo mau caráter.

O PASQUIM – Quantos filhos você tem?
GONZAGA – Eu tenho um casal.

O PASQUIM – Ele é o mais velho?
GONZAGA – É. Eu tenho uma filha com 19 anos , Rosinha. Pois bem, eu queria fazer aquele tipo de pai durão. Hora de chegar, essa coisa toda e ele muito vivo, inteligente pra burro. Ele não foi totalmente criado por mim desde o início. É uma história muito bonita que existe na vida dele, na nossa vida.

O PASQUIM – Você pode contar pra gente?
GONZAGA – Posso. O Luizinho já se libertou completamente. O Luizinho encontrou uma família que dava apoio a jovens artistas e ele se sentiu em naquele meio e me disse que eu ficasse tranqüilo, que não me preocupasse, que se por acaso ele não viesse dormir em casa algumas noites, era porque ele estava cuidando de festivais e se sentia bem na casa do Doutor Porto Carrero, essa coisa toda. Aí ele foi ficando, foi ficando e finalmente com a vitória dele nos provou que estava certo, não adquiriu vício nenhum, e hoje é ídolo lá em casa. Mesmo que eu quisesse pensar diferente, a Rosinha não deixaria porque é uma amizade muito sincera, muito pura e nós não queremos ser velhos boko moko. O Luizinho é um rapaz que tem tudo pra se sentir muito seguro. Primeiro nós não escondemos nada dele. Ele é chamado de vez em quando pra ser consultado nos negócios que eu pretendo fazer. Ele pode se considerar filho do povo e isso é muito importante porque Luiz Gonzaga é povo, é gente. Ando de acordo com a minha maneira de pensar, e ele próprio tem poucas coisas a me censurar. Quando tem que discordar, ele discorda mesmo.

O PASQUIM - Você gosta das músicas dele?
GONZAGA – Eu gosto muito da linha melódica das canções do Luizinho. Ele tem uma harmonização muito bonita. Eu fico por aí porque eu não entendo bem as letras.

O PASQUIM – Gonzaguinha porque você parou aquele caminho que você abriu no primeiro festival universitário ? Era uma música fácil, que a Neide Maria Rosa cantou. É verdade que você criou um estilo, que é a coisa mais difícil de um compositor criar. Dos jovens, você é o único que criou um estilo. Mas porque você abandonou aquela linha e partiu pra essa coisa mais elaborada que o seu pai não entende?
GONZAGA – Isso eu respondo. Eu acho que em “Pobreza por Pobreza”o Luizinho estava com uma linguagem muito direta, muito descoberto. Ele procurou fazer músicas mais elaboradas porque se alguém quiser lhe enquadrar, aí ele vai discutir. Ele está dando o recado poético dele, não está prejudicando ninguém. O Luizinho é o único dessa jogada universitária que tem aí que não está fazendo música pra ganhar dinheiro.

O PASQUIM – Você disse que tinha um entusiasmo muito grande por Lampião. Você chegou a conhecer o bando?
GONZAGA – Não.

O PASQUIM – Você teve vontade de ir pro bando?
GONZAGA – Tive loucura. Eu era doido que Lampião passasse por Araripe pra eu seguir o bando. Quando deu-se o grito: Lampião vem aí! As famílias todas foram para o mato e eu fui sob protesto. Ele precisava de um sanfoneiro, de um menino de chapéu de couro fazendo bonito e tirando retrato.

O PASQUIM – Quantos anos você tinha?
GONZAGA – 15, 16, por aí. Nós nos escondemos no mato Aí no dia seguinte minha mãe disse assim: quem é que quer ir lá no Araripe pra saber se Lampião já passou, se povo já voltou ? Eu digo: eu. Aí voltei correndo. Quando eu cheguei no Araripe todo mundo tinha voltado, menos nós e Lampião não tinha passado. Foi quando ele foi ver o padre Cícero em Juazeiro. Tudo indicava que ele ia passar por ali, mas pegou outro caminho. Quando eu voltei pro rancho onde a gente estava escondido eu disse: vou me vingar. Aí gritei: corra gente, Lampião vem aí. Ah, menino. Foi um tal de rede debaixo do braço, todo mundo se arrumando pra correr, aé eu: é mentira. Todo mundo já voltou pra casa só nós é que estamos aqui. Minhas irmãs, meu pai, minha mãe, todo mundo me cobriu. Levei o maior pau por causa de Lampião. Não conhecia Lampião, mas a primeira chance que eu tive, mandei buscar o chapéu, quebrei na testa, peguei uma sanfona e saí cantando as histórias de cangaceiro por aí.

O PASQUIM – Luiz Gonzaga, o sanfoneiro de Lampião.
GONZAGUINHA – Antes dele começar a gravar houve a maior briga dentro da Victor porque o pessoal não queria que ele cantasse.
GONZAGA – Eu sabia que não havia mais quem comprasse os meus discos. Eu tocava, era um disco por mês. Eu precisava cantar. Eu já vinha tocando por aí nos dancings e cantava uns negocinhos. Mas o diretor, Vitório Lattari, não queria que eu cantasse. Tinha me visto cantar num dancing e achava que eu cantava mal. Quando fui ensinar ao Manezinho Araújo a cantar “Cortando Pano”(Alfaiate de primeiro ano), eu chamei ele e disse assim: olha aqui, eu tenho uma rancheira aqui pra você. Aí mostrei, repeti, ele disse: não pode fazer embolada, não ? Eu disse: não, Manezinho, embolada não. Eu não canto assim. Aí ele ficou furioso: ah, querendo me ensinar a cantar, é ? Um cantorzinho de meia tigela querendo me ensinar a cantar. Eu digo: e agora perdi meu cantor predileto. Nessa época eu estava contratado pela Tamoio, e ousei cantar um número no meu programa. No dia seguinte estava escrito na parede: ao sanfoneiro Luiz Gonzaga é proibido cantar. Assinado, Fernando Lobo. O Anselmo Domingos era diretor auxiliar do Fernando Lobo. Eu digo: como é, Anselmo Domingos ? Ele disse: por mim você cantava, porque eu acho que você tem uma maneira própria de cantar, mas o homem é diretor. Eu desci da rádio todo frustrado. Aí eu encontrei o Átila Nunes. “Luiz, você vai cantar no meu programa.” Eu disse: acabo de ser proibido de cantar na rádio. Ele disse: no meu programa você pode. O Fernando manda na rádio, mas no meu programa mando eu e o meu patrocinador. Você vai cantar no meu programa. Então, eu entrei, Átila Nunes me apresentou, xaxou comigo. Aí eu comecei no programa do Átila Nunes e o Fernando Lobo não pode dizer nada. Aí eu me armei até os dentes e fui falar com o diretor da RCA Victor. Olha, eu estou cantando no programa do Átila Nunes. Já tenho duas cartas lá. Ele disse: ah, é ? Então trás essas cartas aqui. Quando eu fui apanhar as cartas, já tinha mais de dez. O povo pedindo pra eu cantar “Alfaiate do primeiro ano”, “Dezessete e setecentos”. Aí eu mostrei as cartas pra ele e ele disse: mas mesmo assim você não vai gravar aqui, não. Eu disse: então você vai me dar uma permissão por escrito pra eu gravar na Odeon porque Felisberto Martins me prometeu que eu posso gravar lá com outro nome e eu vou gravar lá com o nome de Januário, que é o meu pai. Aí ele disse: bem, você grava aqui, mas não vai fazer o disco inteiro cantado, só uma face. Eu disse: tá certo. Naquele tempo todo mês eu ia receber dinheiro e tinha trezentos mil réis. Parecia um ordenado. Vinha aquela quantia certa. Aí eu gravei “Dança Mariquinha”. Lançou-se o disco. No fim do mês tinha trezentos e cinqüenta mil réis. Eu disse: tá vendo ? Subiu! No outro mês foi quatrocentos. Aí comecei a gravar “Cortando o Pano”, “Mula Preta” e tudo por aí, até que veio a fase do baião.

O PASQUIM – Você chegou a ser amigo de Pedro Raimundo?
GONZAGA – Eu me inspirei nele. Foi uma influência muito grande, Pedro Raimundo. Mas deixa eu explicar. Nessa época que eu estava lutando com Miguel Lima, J, Portela e Manezinho Araújo, eu ainda não era cantor e foi nessa mesma fase que eu encontrei Humberto Teixeira. Nessa época eu não estava gravando porque a RCA Victor estava mudando a fábrica pra São Paulo. Eu estava parado. Parei de gravar no estilo que eu estava fazendo com Miguel Lima, J. Portela e outros, e passei a fazer música com Humberto Teixeira. Nessa fase é que lançou-se o baião com Quatro Azes e um Coringa, Juazeiro e Mangaratiba.

O PASQUIM – Você disse que o pessoal do Rio não liga pra você. Você não acha que talvez o pessoal do Rio não tenha esquecido você. Você que tenha esquecido o pessoal do do Rio ? Você acha que se você fosse ao Maracanãzinho não lotaria?
GONZAGA – Acho que não. Aqui tem muito pouco nordestino. Eu acho que com esse meu disco novo que vem aí, em que eu canto música de Caetano,. Gil, Dori Caymmi, Nonato Buzar, Capinam, meu Luizinho que está aqui perto de nós, esta turma bacana, eu acho que vou ter uma oportunidade muito boa. Eu acho que eu estou cantando melhor. Eu acho que eu consegui aprender a cantar diferente aos 59 anos de idade. Meu professor chama-se Rildo Hora. Foi quem produziu o meu disco. Praticamente me ensinou a cantar novamente. Eu vinha cantando há trinta anos com uma sanfona, com meu próprio acompanhamento, com as minhas mãos, com um domínio todo meu. Agora encostar este instrumento e me sujeitar a cantar com um acompanhamento distante é preciso aprender de novo. O Rildo Hora teve um carinho que eu acho que só o Luizinho poderia ter tido. O Luizinho assistiu à gravação do baião dele e ouviu algumas faixas.

O PASQUIM – O seu prefixo é aquele: “Vai boiadeiro que a gente já vem”, não é ? Queríamos que você contasse uma história que aconteceu com você num circo a propósito disso.
GONZAGA – Foi lá no Iguatu. Eu estava sendo esperado lá no Iguatu e o encarregado do amplificador mandou um olheiro lá pro hotel, pra quando eu chegasse dar o aviso. Aí quando cheguei no hotel, o olheiro fez um sinal pra ele e ele botou um disco que tenho chamado “Aboios e Vaquejadas”, que tinha um gado mugindo, chocalheira tocando, cachorro latindo . Lá no sertão, quando passa uma boiada por dentro da cidade, a cachorrada toda fica latindo. Pois bem, quando tocou esse disco, os cachorros foram latir no pé do poste onde tinha os auto-falantes.

O PASQUIM – A Rosinha já era nascida quando você fez a música que fala dela ? Canta aí um pedacinho.
GONZAGA – Humberto Teixeira é que escolheu esse personagem para figurar nossas canções, como moça romântica do sertão.

O PASQUIM – Mas a Rosinha ainda não era nascida?
GONZAGA – Não. De tanto decantar esse nome, quando Rosinha nasceu eu disse: vai ser Rosinha em homenagem às canções. A música é de Klécius Caldas e Armando Cavalcanti.
“Quando eu chego na cancela da morada
Minha Rosinha vem correndo me abraçar
É pequenina , é miudinha, é quase nada
Mas não tem outra mais bonita no lugar
Vai boiadeiro que a noite já vem
Pega o teu gado e vai pra junto do teu bem”

O PASQUIM – E o Pedro Raimundo?
GONZAGA – Quando eu mandei buscar meu chapéu de couro no sertão, eu já estava vendo Pedro Raimundo na Rádio Nacional abafando. Aquele gaúcho alegre, tocando, improvisando, fazendo versos e conversando, contando prosas. Eu disse: ai meu Deus do Céu, ele no sul e eu no norte. Vou imitar esse senhor, mas ninguém vai perceber que eu estou imitando. Ele é gaúcho, eu vou ser o cangaceiro. Eu queria cantar o nordeste, já estava cheio daquela gravatinha. Então, encostei o burro em cima de Pedro Raimundo. Ele gostou muito de mim, fizemos uma boa camaradagem.

O PASQUIM – Conta aquele caso que você contou do Pedro Raimundo, em Recife.
GONZAGA – Eu ainda não estava muito popular, muito no apogeu, mas já estava indo a Pernambuco. Pedro Raimundo era uma sensação. Não sei porque cargas d’agua pernambucano me confundiu com Pedro Raimundo. Chegou pra mim e disse: Oi, Pedro, tudo bem ? Você por aqui ? Eu disse: É , estou outra vez. Ele disse: puxa vida, você está fazendo um sucesso danado. Eu não sei é que graça acham no Luiz Gonzaga.

O PASQUIM - O Pedro Raimundo está onde?
GONZAGA – Está no sul.

O PASQUIM - Vamos trazer o Pedro Raimundo de volta, ué. Convoca o Pedro Raimundo aí. Manda ele voltar que você garante.
GONZAGA – Pedro Raimundo, o pessoal do nordeste está falando muito em você, com muita saudade. Há também o seguinte: as pilhas Eveready estão querendo fazer um negócio com você pra viajar. Volta, Pedro Raimundo.

O PASQUIM – O detalhe é o tom com que ele falou. Pareceu rádio-amador.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

ENTREVISTA LUIZ GONZAGA (PARTE 01)

Como uma forma de homenagear o maior artista nordestino de todos os tempos, aqui está uma entrevista reveladora e deliciosa que Gonzaga concedeu ao jornal O PASQUIM em 1971. A entrevista foi transcrita do livro : “O Som do Pasquim – Grandes entrevistas com os astros da Música Popular Brasileira – Ed. Codecri, RJ, 1976 – Págs. 89/100

“A gente não se perdoa de só agora, na edição número 111 (17 a 23/08/1971), entrevistar uma das figuras mais quentes, mais importantes, mais talentosas da nossa música popular: Luiz Gonzaga, o velho Rei do Baião, nordestino legítimo de cara, alma e coração. Pra compensar nosso atraso, resolvemos (modéstia à parte) dar um banho em matéria de Luiz Gonzaga. Após a entrevista, ele apanhou a sua sanfona no carro e deu um show pra gente aqui na redação. O negócio foi tão bom que juntou gente na rua. Mas isso não dá pra transcrever no jornal. Foi impossível, apesar dos nossos esforços, botar som nesta edição d’O PASQUIM.

O PASQUIM – Luiz Gonzaga, como é que você está se sentindo depois que você voltou à moda?
GONZAGA – É danado, né ? É melhor vocês falarem de mim porque eu mesmo não sei o que sou, não sei porque falam de mim. Eu não entendo nada, eu vou levando. Pra mim tanto faz. Que é bacana é, mas deixa o povo falar. Vocês me conhecem mais do que eu próprio.

O PASQUIM – Na época que você esteve afastado do centro do Brasil você não sentiu falta ? Você nunca parou de fazer sucesso ? Quando os seus discos pararam de vender aqui no sul você continuou a fazer sucesso no interior e no nordeste, não é?
GONZAGA – É interessante, eu nunca me senti bem fazendo caitituagem. Chegar com o disco debaixo do braço e pedir pra tocar, eu sempre achei isso horrível. Eu sabia que se eu caitituasse, se pedisse, se implorasse eu conseguiria alguma coisa, mas meu temperamento não permitia. Uma vez eu procurei um disque jóquei meu conhecido, pela afinidade de termos trabalhado na Mayrink Veiga juntos e ele ser madurão como eu, pedi pra ele tocar uma música minha no programa dele e ele me disse: Gonzaga, você tem que compreender que agora é a juventude, você já era, isso já passou, me desculpe a franqueza. Aí eu botei minha viola no saco e fiquei com vergonha de chegar em casa. Fui pra Miguel Pereira, sumi. Então, daí pra cá eu fechei o balaio. Eu vou dizer só as iniciais do nome dele: Isaac Zaltman.

O PASQUIM - Mas você continuava enchendo praça, auditórios, circo, teatro, no interior do Brasil. Não é ? Ou você estava parado?
GONZAGA - Tem provérbio que diz: Deus escreve certo por linhas tortas. Eu acho que estava fazendo um trabalho sério sem saber que estava fazendo. Eu pegava os patrocinadores, botava nas costas e ia cantar pro povo nas festas. Eu, dificilmente, dava espetáculo no cinema, no teatro, pra cobrar, pro povo me ver cantar. Eu cantava de graça na praça para o povo. Então eu consegui reunir as maiores platéias. Daí os meninos iam me assistir, os futuros gênios como Gil, Caetano e outros daí saiam querendo tocar sanfona.

O PASQUIM – Você gostou da gravação de “Asa Branca” do Caetano?
GONZAGA – Comentar se eu não gostei ou gostei pra mim não e muito fácil porque eu gosto demais do Caetano, gosto mesmo. Achei o trabalho dele importante, mas eu não posso comentar porque eu gosto demais. Enfim, gostei.

O PASQUIM – Aquela história que acabou virando folclore aqui no Rio e ninguém sabe até hoje se é verdade ou mentira, que os Beatles ia gravar “Asa Branca”, é verdade?
GONZAGA – Gostem ou não gostem eu vou explicar aqui o que aconteceu porque é oportuno e O PASQUIM é o mais decantado. Aquilo foi uma brincadeira do Carlos Imperial. Ele tinha um programa no Canal 13 em que ele denunciava a semelhança do movimento jovem com a minha música, com o meu xote. Mas ninguém dava bola, ninguém ouvia. Um dia ele me convidou e fui lá pra ele tirar a prova dos nove. Eu cheguei e tal, até não me entusiasmei muito, mas ele realizou o trabalho dele. Mas ele ficou danado e um dia ele me disse: esses caras vão me ouvir. Ele dizia que a jogada dos Beatles tinha uma semelhança muito grande com a nossa música nordestina. Aí um dia ele chegou no programa e disse: “eu falava, ninguém me ouvia, agora está aí Quem vai me contradizer agora ? Os Beatles acabam de gravar “Asa Branca”, do Luiz Gonzaga. Aí todo mundo correu em cima. Os Beatles vão gravar Luiz Gonzaga. Chama pra programa, paga cachê e não sei o quê. Gravei programas, ganhei dinheiro e o Carlos Imperial na maior gozação do mundo. Aí fomos comemorar o negócio em Guarapari.

O PASQUIM – Você não acha que o baião é um som realmente mais internacional de todos os ritmos que nós temos?
GONZAGA – Eu acho que sim porque ele não dificulta nada. É um ritmo ao alcance de todos. Muitas vezes a gente escuta na rádio um baião super moderno, eu fico doido pra que termine a música, pra dizerem o nome do intérprete, mas não sei porque atualmente não se dá mais o nome de quem está cantando. Isso é uma moda infeliz.

O PASQUIM – Mas do patrocinador eles não esquecem.
GONZAGA – Mas vez por outra eu escuto o nome do intérprete e é sempre um estrangeiro. E é baião mesmo, gostoso, do bom. Se o baião tivesse a promoção que o samba tem, ah meu irmão, o Brasil estava muito bem servido.

O PASQUIM – O gênero baião, a batida existia já no nordeste antes de você e Humberto Teixeira trazerem pro sul?
GONZAGA – Com esse nome. Eu tirei justamente do bojo da viola onde o cantador faz o tempero para o improviso, para o repente. Ele costuma cantar fazendo o ritmo no bojo da viola e o dedão vai comendo nos bordões. Eu peguei essa batida, criei um jogo melódico e o Humberto Teixeira botou a letra.

O PASQUIM – Qual a diferença entre baião, xaxado e xote?
GONZAGA – Xaxado é dança de cangaceiros. Os cangaceiros de Lampião por não terem mulher pra dançar, quando eles comemoravam um feito qualquer eles faziam aquela roda e dançavam batendo no rifle e faziam o xaxado. Depois de eu ter criado o xaxado, eu vim saber que não era nada menos do que o corta-jaca. Se eu tivesse criado uma batida e um tipo de música eu tinha me lascado todo. Do corta-jaca só saiu o joguinho da ponta do pé. Eu criei o xaxado que hoje é o que vocês chamam de moderno que tem aí. O xaxado lento deu essa toada moderna que o mundo inteiro está cantando por aí. O Luizinho pode confirmar isso.

O PASQUIM – E o xote?
GONZAGA – O xote veio do estrangeiro. Então, nós lá no sertão criamos o xote malandro, xote de pé de serra, xote de forró, de dança de matuto que é mais do estilo do escocês. É um xote mesmo nosso porque ele tem uma jogada completamente diferente e temos letras jocosas, como “vem cá cintura fina, cintura de pilão.” Ele conta sempre uma poesia bonita, ou então uma história jocosa, humorística.
GONZAGUINHA – “Ovo de Codorna” é um xote. É uma história jocosa como ocorre em quase todas as letras do xote. São geralmente histórias de auto-gozação, no qual o nordestino é mestre.

O PASQUIM – Corta-jaca é o que?
GONZAGA – Corta-jaca é esse passo de xaxado. Mas não tinha música, não tinha ritmo. Quando se falava em corta-jaca tanto fazia no choro, no samba. Era só um passo. O cangaceiro fazia isso no xaxado. Eles cantavam “Mulher Rendeira” fazendo esse passo.

O PASQUIM – Quando foi que apareceu pela primeira vez a palavra baião num disco no Brasil ?
GONZAGA – Foi justamente no “Baião número 1”, que eu me considero criador dele, junto com o Humberto Teixeira . Foi em 45, gravado por Quatro Azes e um Coringa, depois Carmem Miranda gravou, Roberto Inglês e outros estrangeiros por aí.

O PASQUIM – Você falou em “Mulher rendeira”... É possível se dizer de onde surgiu “Mulher rendeira”? Foram os cangaceiros que fizeram ou eram os cantadores que cantavam?
GONZAGA – “Mulher rendeira” é música que saiu do bando de Lampião. Muita gente quis por a mão, mas o Lima Barreto não permitiu. Ele sabia, tinha certeza que era folclore autêntico. Era dança de cangaceiro.

O PASQUIM – Quando foi feito o filme com “Mulher rendeira”, você já estava na praça?
GONZAGA – Já. Fui eu quem lançou o chapéu de couro no Rio de Janeiro. Naquela época quando aparecia um filme de cangaceiro muita gente via a minha cara no filme. Tinha gente que dizia assim:eu vi, você trabalhou bem. Eu dizia: mas eu não trabalhei. Naquela época já existia baião.

O PASQUIM – Você estava falando de como surgiu “Mulher rendeira”...
GONZAGA – Era a música padrão de Lampião, mas ela veio um pouco diferente. Ela era assim:
“Olá mulher rendeira
Oô mulher rendá
Chorou por mim não fica
Soluçou vai ficar”

O PASQUIM – Como é que você consegue patrocínio e as coisas aconteceram?
GONZAGA – Devido eu viajar quase sempre com patrocinadores eu me habituei a cantar para público tão numeroso que não me sentia bem em cantar para uma platéia pequena, mesmo pagando bem. Eu me sentia sozinho. Então, era um martírio para mim ter que dar um espetáculo. Até hoje eu me sinto assim. Quando me convidam para trabalhar em uma festa, a primeira coisa que eu digo é: vão cobrar ingresso para me ver ? Se dizem vamos, eu não vou. Eu não gosto. Eu gosto de cantar para o povo livre. Eu acabei achando que fiz bem, que cobrei bem porque todo mundo me viu cantar de graça. Os patrocinadores que eu tive maiores foram: o Moura Brasil, Alpargatas Roda, Martini, Cinzano, Café Caboclo. Isso no sul. Para o norte: Aguardente Chica Boa, Serra Grande, Pitu, Casas Pernambucanas, Lojas Paulistas.

O PASQUIM – Qual foi o maior sucesso seu , o dia mais glorioso seu na praça?
GONZAGA – Aconteceu comigo em Recife. Devido eu estar habituado a cantar pra milhares de pessoas por mais que eu pedisse pra fazer o espetáculo em praça pública, os diretores da rádio teimaram e me botaram dentro da rádio. Então, eu fui pra rádio, eu cheguei na rua onde estava a rádio e vi um público enorme interrompendo o trânsito. Eu não sabia o que estava acontecendo. Achei que podia ter sido um incêndio, qualquer coisa. Parei o meu carro e vim de pé, pelo meio do povo. Aí eu perguntei a um popular: escuta, o que houve aí ? Ele me disse: O Luiz Gonzaga vai cantar aí hoje e o povo não pode entrar porque não coube. Aí eu tive a curiosidade de observar o tamanho do público, as eu não podia, tinha que trepar em alguma coisa. Era um mar de gente. Aí eu não me contive e tive que cantar na rua.

O PASQUIM – Você é um homem rico?
GONZAGA – Não. Sou um homem que não botei fora o que ganhei.

O PASQUIM - Quer dizer que o Luizinho está garantido?
GONZAGA – Luizinho tem uma reguenguela muito boa.

O PASQUIM – Você deu um conselho pro seu filho na televisão, mandando ele não compor nem gravar, pra ele ser economista e juntar dinheiro. Você tem medo do futuro?
GONZAGA – Eu não dei esse conselho a ele. Eu disse pra ele fazer música como passatempo. Ele se formou em Economia. Se existem milhares de rapazes fazendo o diabo pra se formar em Economia, pra serem financistas, porque Luizinho que se encontra formado vai abandonar uma coisa que todo mundo deseja ?

O PASQUIM – Mas ele é um grande compositor, rapaz.
GONZAGA – Mas ele pode ser um grande compositor e trabalhar também.

O PASQUIM – Mas você só compunha e gravava. Você nunca trabalhou na vida?
GONZAGA – Eu ? E fazer show, carregar sanfona nas costas ? E pular de bonde andando com sanfona na mão e pegar bonde andando com sanfona na mão, não é trabalho ?

O PASQUIM - Tem uma história de Paulo Mendes Campos, não sei se você conhece. Um cara chegou na casa dele e ele estava na máquina escrevendo. Aí ele virou pro Paulinho e disse assim: se eu soubesse escrever eu ia ser igual a você. Nunca ia trabalhar na minha vida.
GONZAGA – Vocês são formidáveis, logo bagunçam o negócio.

O PASQUIM – Mas você estava falando negócio de dinheiro. O que você tem? Atenção, declaração de bens.
GONZAGA – Dinheiro eu não tenho. Quem guarda dinheiro eu acho que é um besta. Hoje tem essas financeiras por aí, mas não dá pra entender porque o Luizinho não me explica. Quando eu estava no apogeu, o artista não ganhava tanto dinheiro assim. Agora que eu ouço falar que fulano ganha bilhões, que sicrano já comprou um galaxie. Eu nunca usei um carro do ano. Eu sempre usei uma camionete, uma rural porque sempre eu respeitei o meu público. Eu tenho escola no sertão. Eu mantenho uma escola lá até hoje. Ela havia se acabado no passado porque o governo construiu lá um grupo escolar com o meu nome, então a minha escolinha ficou em segundo plano. Mas quando foram conferir os alunos, não cabia no grupo escolar que o governo construiu. Então a minha escolinha se impôs e continua.

O PASQUIM – Onde é?
GONZAGA – Em Exu, na minha terra. Numa fazenda onde eu nasci. Exu é o município e a fazenda chama-se Araripe, onde eu nasci e me criei. Hoje é uma simples fazenda, onde mora só gente pobre, trabalhadores rurais, e nós temos cento e tantos meninos estudando. Isso não é de hoje. Já tem mais de dez anos. Em Miguel Pereira eu também tenho uma escolinha. Eu tenho mania de escola porque eu não tive escola, então eu tenho que dar escola, porque eu sei a falta que me faz. Eu gasto, tenho família numerosa. Quando eu vou pro norte eu levo sanfona, duas , três no carro pra distribuir pra aquelas pessoas. Eu dou muita esmola, mas não gosto de meter a mão no bolso e dar pro povo ver. Eu faço minhas caridades escondido pra fugir da exploração.

O PASQUIM – O que o Gonzaguinha vai herdar ?
GONZAGA – Ele não vai herdar. Ele já é dono de tudo. Então você acha que vou deixar os meus filhos pra herdar alguma coisa ? Quando eu morrer está tudo no nome deles.

O PASQUIM - Você tem quantas fazendas?
GONZAGA – Minhas fazendas são deficitárias. Não rendem porque eu sou besta de estar dando duro aqui e os meus capatazes lá gozando a vida às minhas custas ? Eu tenho terras. Tenho um bom sítio em Miguel Pereira, tenho um bom apartamento na Ilha do Governador, que é a sinfonia inacabada porque eu estou sempre trabalhando nele. O Luizinho tem um bom apartamento dentro do meu apartamento. É um apartamento dentro do outro.

O PASQUIM – O seu nome todo, onde você nasceu, como você começou, esses dados todos, porque você deve ter histórias ótimas ...
GONZAGA – Eua nasci 13 de dezembro de 1912. Nasci na fazenda Araripe, município de Exu. Fazenda da família Alencar, todos sabidos como o diabo, mas eu não aprendi a ler lá porque não deu. Eu aprendi a ler no mundo. Nas placas de rua, decorando os nomes de jornais, decorando tudo por aí. Eu sou filho de dona Santana e do velho Januário, velho macho que me fez.

O PASQUIM - O que eles eram da fazenda ? Eram donos da fazenda?
GONZAGA – Donos da fazenda e cedem pedaços de terra para os pobres da fazenda plantarem.

O PASQUIM – Seu Januário era o que?
GONZAGA – Meu pai trabalhava lá. Morava num alugado. Éramos agregados da fazenda.

O PASQUIM – Não é sua a fazenda agora , não?
GONZAGA – Não. Quando eu ameacei tirar meu pai de lá e comprar um pedacinho de terra pra ele, os donos da fazenda disseram: não, nós não vende terra pra estranho, não. Mas Januário nós vende um taquinho. Aí, eu adquiri lá mesmo um pedaço de terra onde meu pai vive.

O PASQUIM – Januário está vivo?
GONZAGA – Está vivo. Nós visitamos ele esta semana mesmo.

O PASQUIM – E sua mãe?
GONZAGA – Minha mãe, infelizmente, não.

O PASQUIM – Seu Januário ainda está com os oito baixos lá dele, firme?
GONZAGA – Ainda toca pras moças ouvirem. Não toca profissionalmente.

O PASQUIM – Ele está com quantos anos?
GONZAGA – 85 anos.

O PASQUIM – Naquela época “Respeita Januário” você fala no velho Jacó. Ele existiu mesmo ou foi só pra rimar?
GONZAGA – Não, o velho Jacó existia. Era nosso vizinho lá. Era muito encrenqueiro, bebedor de cachaça. Era um derrotista, não acreditava em nada. Até os dezoito anos eu fiquei ali acompanhando meu pai na roça e nos forrós. Onde ele ia eu ia pra ajudar o velho até que eu arribei. Caí, entrei no oco do mundo, até hoje.

O PASQUIM – Como é que você veio parar aqui no Rio com aquele sucesso?
GONZAGA – Eu gostava muito de ser militar, mas quando eu senti que ia ter baixa, eu já vinha escutando Antenógenes Silva tocar, Augusto Calheiros cantar, Zé do Norte cantar na rádio, e eu achava que eu podia entrar ali desde que adquirisse uma sanfona grande e bonita. Aí fui economizando até adquirir uma sanfona e fui treinando lá em Juiz de Fora. Nessa época eu estava em Minas, em Juiz de Fora. Eu fui treinando com um mineiro chamado Domingos Ambrósio, que me ensinou umas posições. Quando chegou a minha baixa eu disse: agora eu vou pro norte. Tocar bem eu não sei, mas muita gente vai me pagar só pra ver essa sanfona, porque ela era bonita mesmo. Eu já estava assassinando algumas coisas de Antenógenes Silva, e treinando também na jogada do Calheiros. Eu saí de Minas pro Rio de Janeiro e do Rio eu ia pegar o navio pra Recife. Era pernambucano e sou com muita honra. Quando eu cheguei no Rio de Janeiro me hospedaram num quartel. E eu com a sanfona guardada com medo de ser roubado. Um soldado carioca, muito malandro perguntou se aquilo era um piano de joelho. Eu disse que era. Ele disse: toca, gente fina. Aí eu puxei a sanfona no quartel. Ele disse: não toque mais não, que eu tenho um lugar pra gente ir. Aí eu disse: pode ? Ele disse: pode eu sou seu guarda. Aí ele me levou pra uma rua que tinha ali perto do Mangue, que naquele tempo era muito movimentada, tinha muito marinheiro estrangeiro, estava começando a guerra. Foi de 39 para 40, ainda tinha muito marinheiro alemão. Eu comecei a tocar por ali assassinando Strauss, Zequinha de Abreu, Gardel, vários compositores da época.

O PASQUIM – Você tocava dentro da zona de metrício mesmo?
GONZAGA – Isto mesmo. E correndo o pires ali naquelas mesinhas.

O PASQUIM – O soldado era teu sócio?
GONZAGA – O soldado tirava uma percentagem.

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