52 - Meu irmão Billy, parceiro de uma vida
Bily tem uma visão de vida bastante diferente da minha, claro. É uma pessoa dotada de muita sensibilidade. Emotivo, mas com uma emoção toda interiorizada. Não se extravasa com facilidade. Às vezes, sinto como se ele tivesse vergonha dos sentimentos que tem, então os tranca. Cada um a sua maneira, digerimos as tormentas que pas-samos, juntos ou separados. Sinto que ele sempre procurou encontrar certas respostas ou apoios no modo como meu pai organizou a vida, na certeza de que tudo, ou quase tudo, pudesse estar mais se-guro quando colocado em seu devido lugar, sem dúvidas ou incertezas. Eu diria que a nova vida de meu pai com Lurdes o encantava um pouco mais. A casa, a mulher, os filhos, a organização de uma família, a situ-ação estável e sem sobressaltos, o caminhar sem riscos, enfim, a estabilidade burguesa. No íntimo, Bily é um indivíduo que perseguiu sempre a segurança, muito mais que a incerteza, embora a incerteza pudesse acenar com possibilidades maiores. Um exemplo: sempre tive a impressão de que ele gostaria de ser cantor, artista. Teria inclusive as condições básicas para isso: afinação, belo timbre, sensibilidade e… muito DNA. Porém, não foi o que aconteceu, pois faltou o fundamental, a vocação, que ele não tem . Pois é só a vocação, e não o talento, que nos dá a força necessária para correr riscos, trilhar as inseguranças e renascer a cada vez que pisamos o palco. Sem incertezas não existe o artista. Não existe a criação. Mas, enfim, ao dar prioridade à segurança, meu irmão Bily construiu uma bonita carreira de homem de TV na mais importante emissora do país, a Globo. Ficou na área artística, mas não quis pagar o preço de conhecer o êxtase total do artista: viver entre o céu e o inferno. Chegou perto, porém seguiu seu destino: a busca da estabilidade profissional. Talvez por ser o mais novo dos filhos de relações anteriores de meu pai, ele foi o que mais se ligou a Lurdes. Encontrou nela uma confidente e uma mentora e mantiveram um relacionamento carinhoso e afável. Nunca precisou discutir com meu pai sobre seu comportamento no mundo, como acontecia com nossa mãe. Não precisava chamar sua atenção por beber a mais nem sentir vergonha por algum vexame público que ele pudesse cometer. No novo modo de vida de meu pai, não precisava ter de estar sempre perdoando por condutas nem sempre de acordo com seus princípios ou os da sociedade. Por essas coisas todas, era muito mais fácil para ele o convívio com a casa de meu pai, na Urca. Conseguiu até se tornar íntimo dessa nova estrutura, pois tudo o que ele queria era se sentir parte de algo tão seguro, tão previsível. Nascido praticamente no dia do aniversário do meu pai — Bily é de 29 de janeiro e meu pai, de 30 —, eles têm muita coisa em comum no temperamento, o que facilitou sua adequação às regras dele. Talvez porque elas tinham a sua medida. Da mesma forma que a medida (ou a falta disso) de minha mãe tem muito mais a ver comigo. Como parceiros de uma odisseia gigantesca para duas crianças, Bily e eu desenvolvemos uma liga muito forte que vai além do amor de irmãos. Ele foi dotado de um amor enorme por mim e sempre foi extrema-mente carinhoso e atencioso comigo. Também tenho por Bily o maior amor do mundo. Aliás, não poderia ser diferente. Diferentes são apenas nossos pontos de vista em relação à vida que levamos, mas jamais discordamos de uma coisa: o que vivemos foi nosso e nos pertence. Nos ensinou. Moldou nossa filosofia de vida. Se divergirmos, é sempre uma divergência sadia, para que possamos nos oferecer, e a nossos filhos, um caminhar melhor do que tivemos, com o orgulho de quem teve um tesouro desde que nasceu. Sermos filhos de Dalva e Herivelto!
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