PROFÍCUAS PARCERIAS

Gabaritados colunistas e colaboradores, de domingo a domingo, sempre com novos temas.

ENTREVISTAS EXCLUSIVAS

Um bate-papo com alguns dos maiores nomes da MPB e outros artistas em ascensão.

HANGOUT MUSICARIA BRASIL

Em novo canal no Youtube, Bruno Negromonte apresenta em informais conversas os mais distintos temas musicais.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

GEOGRAFIA DAS EXPRESSÕES

Um ensaio fotográfico sobre o homem e seus territórios, focando as expressões diversas dos indivíduos no cotidiano e em suas respectivas paisagens. 

Por Fábio Nunes







MPB - MÚSICA EM PRETO E BRANCO

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Nara Leão

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*




Duas de cinco

"Ela conta uma epopeia sem Ulisses", afirma Criolo ao comentar o seu rap "Duas de cinco" (2013), em entrevista à revista Rolling Stone (out/2013). De fato, intercalando o uso da primeira pessoa - "E eu fico aqui pregando a paz / E a cada maço de cigarro fumado / A morte faz um jazz" - e da segunda pessoa do discurso - "Desigualdade faz tristeza / Na montanha dos sete abutres / Alguém enfeita sua mesa", Criolo faz o sujeito da letra deslizar de uma posição à outra misturando o juízo de valor que define e separa "culpados" e "inocentes".
Ou seja, aqui não há um Ulisses, ou mesmo um "João de Santo Cristo" (Legião Urbana), para ficarmos na clave de referências das epopeias cancionais, em busca de redenção. Há um sujeito impregnado de "realidade". Em "Duas de cinco" o sujeito não é narrador de algo externo a ele, é sujeito comum, qualquer um, alguém que vivencia os fatos fractalmente narrados, sem a homérica intenção de heroísmo. Ou, melhor, que faz da narração dos fatos uma vivência concreta da verdade.
A letra do rap de Criolo, que tem no sampler da canção "Califórnia azul", de Rodrigo Campos, a âncora melódica exata na composição da beleza crua, é um complexo tecido composto por uma enxurrada de informações dignas de vários nós na orelha do ouvinte: do jobiniano "É o cão / É o cânhamo / É o desamor / É o canhão / Na boca de quem tanto se humilhou", passando pela ressemantização da citação drummondiana "(...) no meio do caminho / Da educação havia uma pedra / E havia uma pedra / No meio do caminho", até o núcleo "Alô Foucault, / Cê quer saber o que é loucura? / É ver Hobsbawm na mão dos boy / Maquiavel nessa leitura", com o seu ensurdeceddor imbricamento de referências filosófico-literárias.
Se a melodia cancional de "Duas de cinco" fica por conta do uso do refrão de "Califórnia azul", no mais, o que temos é um rap-rap: canto/falado, fala/cantada, versos declamados. Sampleando "Compro uma pistola do vapor / Visto o jaco califórnia azul / Faço uma mandinga pro terror / E vou", Criolo fortalece este sujeito que precisa seguir narrando em meio ao caos, à injustiça e ao desamor. Faz isso listando uma sequência de gestos quase cinematográficos que registram o mundo ao redor: lírica e sociedade.
A estonteante profusão de citações e referências da cultura pop, de consumo, da literatura, da filosofia, do cotidiano, que, a princípio pode sugerir uma vontade vazia de demonstrar erudição, não é gratuita, ela serve à criação dos sons e ruídos deste mundo complexo do "tudo-ao-mesmo-tempo-agora" que vivemos. 
"O poeta, enquanto contemporâneo, é essa fratura, é aquilo que impede o tempo de compor-se e, ao mesmo tempo, o sangue que deve suturar a quebra", escreve Giorgio Agamben (O que é o contemporâneo?). Sujeito atento aos sinais de seu tempo, Criolo tece a letra como o indivíduo contemporâneo que precisa pensar - organizar o pensamento - para além do turbilhão de informações on line, on time, full time. Como de-cifrar tantas informações e experimentá-las na vida de modo ético? É este o mote do tratado que Criolo rascunha em "Duas de cinco".
Tendo de lidar com a inveja (o zoião cantado por Emicida), a ronda constante das drogas e da violência e a repulsa da burguesia glamourosa (ou da "burguesinha" cantada por Seu Jorge: "É salto alto, MD / Absolut, suco de fruta / Mas nem todo mundo é feliz / Nessa fé absoluta"), o sujeito de Criolo elabora um projeto de sobrevivência no inferno. "O rosto do carvoeiro / É o Brasil que mostra a cara", canta. Mas aponta que: "Pra cada rap escrito / Uma alma que se salva".
É esta vontade de salvar a alma cantando, fazendo rap, apontando o dedo refrator para as feridas sociais, de um governo "que quer acabar com o crack / Mas não tem moral para vetar / Comercial de cerveja" o mote do trabalho de Criolo. Colocar-se no meio, estar aberto à mediação, "pregando a paz" através do uso desta "língua piranha" para, denunciando os encastelados que sorriem diante da morte de "um de nós", reposicionar esta legião, este "nós" sempre vítima do silêncio sorridente da sociedade.
"Falar pra um favelado / Que a vida não é dura / E achar que teu 12 de condomínio / Não carrega a mesma culpa", vocaliza. Em tempos de "política do medo", quando o indivíduo é levado a crer que mais segurança implica em mais individualismo e investimento nas instâncias-ilha, Criolo investe naquilo que Tom Zé fala sobre a sabedoria (ciência) popular reprimida, que desceu do hipotálamo-aristotélico e foi parar no cóccix alimentando a cóccix-ência de quem precisa devorar tudo que lhe chega como informação para não ser devorado.


***

Duas de cinco
(Criolo)


É o cão
É o cânhamo
É o desamor
É o canhão 
Na boca de quem tanto se humilhou

Inveja é um desgraça
Alastra de rancor
E cocaína é uma igreja
Gringa de le chereau

Pra cada rap escrito
Uma alma que se salva
O rosto do carvoeiro
É o Brasil que mostra a cara

Muito "blá" se fala
A língua é uma piranha
Aqui é só trabalho
Sorte é pras crianças

Que vê o professor
Em desespero na miséria
Que no meio do caminho
Da educação havia uma pedra

E havia uma pedra
No meio do caminho
Ele não é preto velho
Mas no bolso leva um cachimbo

É o sleazestack
Zóio branco
Repara o brilho
Chewbacca na penha
Maisena com pó de vidro

Comerciais de TV
Glamour pra alcoolismo
E é o Kinect do XBox
Por duas bucha de cinco

HA-HA-HA-HA-HA-HA
HA-HA-HA-HA-HA-HA
Chega a rir de nervoso
Comédia vai chorar

Compro uma pistola do vapor
Visto o jaco califórnia azul
Faço uma mandinga pro terror
E vou

E eu fico aqui pregando a paz
E a cada maço de cigarro fumado
A morte faz um jazz
Entre nós

Cá pra nós
E se um de nós morrer
Pra vocês é uma beleza

Desigualdade faz tristeza
Na montanha dos sete abutres
Alguém enfeita sua mesa

Um governo que quer acabar com o crack
Mas não tem moral para vetar
Comercial de cerveja

Alô Foucault
Cê quer saber o que é loucura?
É ver Hobsbawm na mão dos boy
Maquiavel nessa leitura

Falar pra um favelado
Que a vida não é dura
E achar que teu 12 de condomínio
Não carrega a mesma culpa

É salto altom MD
Absolut, suco de fruta
Mas nem todo mundo é feliz
Nessa fé absoluta

Calma filha
Que esse doce
Não é sal de fruta
Azedar é a meta
Tá bom ou quer mais açúcar?

HA-HA-HA-HA-HA-HA
HA-HA-HA-HA-HA-HA
Chega a rir de nervoso
Comédia vai chorar

Compro uma pistola do vapor
Visto o jaco califórnia azul
Faço uma mandinga pro terror
E vou





* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".

MÚSICA FRUTO DE PARCERIA ENTRE NAÇÃO ZUMBI E BAIANASYSTEM GANHA VIDEOCLIPE; ASSISTA

"Alfazema" foi lançada às vésperas do carnaval deste ano


Clipe foi lançado nesta quinta-feira. Foto: Reprodução/Youtube


A parceria entre o grupo BaianaSystem e os pernambucanos da Nação Zumbi, traduzida na faixa Alfazema, lançada às vésperas do carnaval deste ano, teve videoclipe divulgado nesta quinta-feira (22). Dirigida pela dupla Filipe Cartaxo e Filipe Bezerra, a produção foi gravada nas ruas de Salvador, com captação de várias manifestações populares, em especial no último dia 2 de fevereiro, quando é celebrada a figura de Iemanjá na capital baiana. 

As duas bandas estão de show marcado em Pernambuco e, portanto, fica a expectativa de que a parceria possa ser levada ao palco. No dia 6 de abril, no Centro de Convenções, em Olinda, eles tocam junto com o grupo O Rappa. 

Depois de lançar o disco Radiola NZ Vol. 1, inteiramente de covers, a banda pernambucana planeja lançar neste ano um novo álbum só de inéditas. Será a primeira empreitada autoral desde 2014. Outro produto previsto para 2018 é o próximo disco da carreira solo do guitarrista Lúcio Maia, que já havialançado os álbuns Homem binário (2007) e Mundialmente anônimo: O magnético sangramento da existência (2010).
 

Fonte: Diario de Pernambuco
 

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

DEZ MOTIVOS PARA SEGUIR AS 'CARAVANAS' DE CHICO BUARQUE PELO BRASIL EM 2018

Por Mauro Ferreira, G1




A rigor, Caravanas é um show de 2017, ano em que estreou na cidade de Belo Horizonte (MG) em curta temporada que manteve Chico Buarque em cena na capital mineira de 13 a 17 de dezembro. Mas é neste novo ano de 2018 que o show do cantor, compositor e músico carioca vai percorrer o Brasil em turnê que recomeçou na última quinta-feira, 4 de janeiro, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), onde o show orquestrado com produção de Vinicius França ficará em cartaz até dia 4 de fevereiro na casa Vivo Rio. O show Caravanas é marcante e já se impõe como momento antológico da trajetória do artista nos palcos brasileiros. Eis dez motivos para seguir as Caravanas de Chico Buarque pelo Brasil ao longo de 2018:


1. Sem jamais adotar discurso panfletário, Chico manda recados para os haters através de versos das músicas do cancioneiro essencialmente autoral do roteiro de fina costura. Tanto que evidencia, em tom quase rapeado, os versos "Mas se alguém me desafia e bota a mãe no meio / Dou pernada a três por quatro e nem me despenteio / Que eu já tô de saco cheio", de Partido alto (Chico Buarque, 1972). "E qualquer desatenção / Faça não / Pode ser a gota d'água...", reitera 22 números depois, já na parte final do show, ao cantar Gota d'água (Chico Buarque, 1975). O aviso está dado.

2. De chapéu panamá, como visto na foto de Leo Aversa, Chico samba no palco em Grande hotel, saudando Wilson das Neves (1936 – 2017), a quem o show Caravanas é dedicado, ao cantar o samba de 1997 que compôs com a Chefia, baterista dos shows anteriores do cantor.

3. O engenhoso desenho de luz de Maneco Quinderé valoriza o cenário em que Hélio Eichbauer usa cordas, hélices e outros elementos recorrentes na obra do artista visual. A projeção da luz de Maneco nos elementos cênicos de Eichbauer provoca espetáculo de luzes e cores que faz com que o cenário adquira formas variadas ao longo do show.

4. No único momento em que se desvia do trilho autoral do roteiro, Chico canta um samba de Assis Valente (1908 – 1958), compositor baiano de fundamental importância na música brasileira dos anos 1930 e 1940, nome relevante na discografia de Carmen Miranda (1909 – 1955), cantora que lançou em 1934 Minha embaixada chegou, samba alocado por Chico na abertura e no fecho (antes do bis) do roteiro. Os versos de Minha embaixada chegou são a senha para o entendimento do recado político do show.

5. Apagando a má impressão deixada por claudicante interpretação de As vitrines na última edição do Prêmio da Música Brasileira, em 2017, Chico interpreta lindamente a canção que lançou em 1981.

6. Algumas músicas do roteiro, como Retrato em branco e preto(Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque, 1968), são bissextas nos palcos na voz do cantor e compositor.

7. Os encadeamentos das músicas no roteiro são sagazes. A propósito, o roteiro do show Caravanas é exemplar. Uma aula de como dar novos sentidos a músicas já antigas.

8. A banda orquestrada com elegância pelo maestro, arranjador e violonista Luiz Claudio Ramos é excepcional. Bia Paes Leme (teclados e vocais), Chico Batera (percussão), João Rebouças (piano), Jorge Helder (contrabaixo), Jurim Moreira (bateria) e Marcelo Bernardes (flauta e sopros) estão entrosados e à vontade no tradicionalista universo musical de Chico.

9. Os aplausos do público enquanto Chico canta os versos mais controvertidos de Tua cantiga (Chico Buarque, 2017) absolvem o artista nos julgamentos insanos dos tribunais do feicebuqui (para usar termo mordaz cunhado pelo tropicalista Tom Zé).

10. A simples presença em cena de Chico Buarque, aos 73 anos de vida, já justifica por si só a ida ao show Caravanas.

PÚBLICO ENFRENTA DEMORA NA FILA DE INGRESSO PARA SHOW DE CHICO BUARQUE

Os interessados chegaram a esperar quase duas horas para adquirir a entrada




Quem saiu de casa para comprar presencialmente os ingressos para os quatro shows de Chico Buarque, que acontecem entre 3 e 6 de maio, no Teatro Guararapes, enfrentou um longa demora na bilheteria do local, no Centro de Convenções, para conseguir os seus ingressos. Apesar de haver uma fila no local, o grande problema foi a pequena quantidade de guichês abertos e a lentidão do sistema de compra.

A universitária Amanda Jordão conta que esperou duas horas no local. “Nunca imaginei que ia demorar tanto, porque aparentemente não tinha muita gente na frente. Acho que o problema foi porque só tinham dois guichês e um deles era preferencial. Quando chegou minha vez de ser atendida, notei que os computadores e a internet estavam super lentos”, explicou.

Segundo Amanda, a questão não era o tamanho da fila, mas o atraso para concluir as vendas. “Fui comprar presencial porque a taxa de ‘conveniência’ do site era de 20% (outro absurdo). Mas, sinceramente, valia mais a pena pagar os 20%”, ressaltou. A demora foi tão grande que a bilheteria chegou a disponibilizar água para quem estava esperando.


INGRESSOS

Os ingressos para os show de Chico Buarque em Pernambuco podem custar até R$ 490. Para o balcão, as entradas custam R$ 250 (inteira) e R$ 125 (meia). Já para a plateia, os valores são R$ 490 (inteira) e R$ 245 (meia).

domingo, 25 de fevereiro de 2018

VAMOS FALAR DE DISCOS?

CORDEL DO FOGO ENCANTADO CONFIRMA VOLTA

Banda de Arcoverde disponibiliza a partir de hoje discografia nas plataformas digitais e lança novo álbum no dia 6 de abril

Por Breno Pessoa



Como antecipado pelo Viver na última quarta-feira (21), a banda arcoverdense Cordel do Fogo Encantado retornou às atividades, após oito anos do encerramento. O grupo confirmou na última sexta-feira (23) e anunciou o lançamento de um novo álbum, intitulado Viagem ao coração do sol, com lançamento previsto para o dia 6 de abril. Outra novidade é que os três discos anteriores: Cordel do Fogo Encantado (2001), O palhaço do circo sem futuro (2002) e Transfiguração (2006), agora estão disponíveis nas plataformas digitais. Em breve, serão anunciadas também as datas de shows.

Cordel retorna na formação original, com Lirinha (voz e pandeiro), Clayton Barros (violão e voz), Emerson Calado (percussão e voz), Nego Henrique (percussão e voz) e Rafa Almeida (percussão e voz). O novo álbum tem produção de Fernando Catatau (Cidadão Instigado) e reúne faixas não lançadas anteriormente e composições feitas no último ano. No comunidado enviado para a imprensa, o vocalista afirma que a banda não pretende uma releitura ou de glorificação do passado. "As novas letras vão dialogar com os sentimentos humanos, com aquilo que nos cerca. Já musicalmente, o Cordel mantém a característica de sempre surpreender", diz Lirinha.

Ainda segundo o material enviado à imprensa, o retorno foi decidido há cerca de um ano, mas que a volta era cogitada desde a dissolução do grupo. Uma das conversas sobre o tema se deu após a morte de Naná Vasconcelos (1944-2016), um dos padrinhos do Cordel e também produtor do disco de estreia da banda. "Quando estávamos reunidos no dia em que ele faleceu, comentamos que tínhamos que voltar para cantar para Naná", rememora Lirinha no texto, acrescentando que "queria muito que Naná tivesse visto a volta, então, a morte dele mexeu comigo".

sábado, 24 de fevereiro de 2018

CANTOR ZÉ RENATO LANÇA BEBEDOURO, ÁLBUM SOLO E COM CANÇÕES INÉDITAS

Músicas foram feitas em paralelo ao trabalho com o Boca Livre. Artista diz que compõe para si mesmo, torcendo para que as pessoas gostem




Bebedouro, o novo CD de Zé Renato, cheira a maresia. Soa como “água de mina da mata”, como ele canta em Fonte de rei, faixa que abre o disco, parceria sua com Paulo César Pinheiro. Remete tanto às águas paradas da Lagoa Rodrigo de Freitas, mencionadas em Sacopenapan, de Zé e Joyce Moreno, quanto ao mar alto que traz as “mágoas atlânticas” e “tristezas abissais” dos versos de Náufrago, esta letrada por Nei Lopes.

Produzido pelo saxofonista Zé Nogueira e pontuado pelo piano de Cristóvão Bastos, o trabalho – o primeiro com composições inéditas em sete anos de viagens paralelas, com o Boca Livre e outras companhias de aventuras musicais – traz ainda encontros com João Cavalcanti (ex-Casuarina), autor da amorosa Samba e nada mais;

Dori Caymmi, que empresta o vozeirão a ela; Capinam, letrista da doce Agora e sempre; Moraes Moreira, com quem fez a descompromissada Vamos curtir o amor; e Moacyr Luz, da carioquíssima Agogô, impregnada do tal suingue nativo e da liberdade que o samba dá, e a mais urbana do CD.

Aos 41 anos de carreira (61 de nascimento), Zé Renato define: faz “música sincera”. Segue exercitando o ofício de compositor, embora seja mais visto como intérprete, por conta de projetos bem-sucedidos em que cantou Zé Keti (Natural do Rio de Janeiro, de 1995), Silvio Caldas (discos de 1993 e 1998), por ocasião dos 90 anos do “caboclinho querido”, e Noel Rosa e Chico Buarque (Filosofia, de 2001).

”Faço do único jeito que sei fazer: por prazer, para mim mesmo, torcendo para que as pessoas gostem. Adoraria que as pessoas saíssem cantando o Bebedouro por aí, só que sei que é uma certa utopia”, brinca Zé, acompanhado no CD por Guto Wirtti (baixo), Kiko Freitas (bateria), Thiago da Serrinha (percussão), Bebe Kramer (acordeom), Luciana Rabello (cavaquinho), Dadi (baixo), entre outros grandes.


VIOLÃO

“Eu queria que o violão não fosse ofuscado, que viesse primeiro, mesmo que meu violão seja limitado. O Cristóvão foi perfeito para isso, com seu piano econômico, deixando as coisas acontecerem”, ele explica. Os afetos que desaguaram em Bebedouro têm origens distintas. Zé já conhecia Moraes Moreira, mas eles nunca haviam composto juntos. Certa vez, encontraram-se num aeroporto, entre shows, e trocaram telefones, com a promessa de um dia fazer algo juntos.

Mal entrou no avião, o baiano já havia mandado a letra do que viria a ser Vamos curtir o amor. “O amor é sim, explosivo/ Diferente da amizade/ Inunda se for preciso/ É feito um rio que invade/ Afoga tudo que é queixa/ Quando se vai ele deixa/ A sombra de uma saudade... “Zé não fez por menos: chegou em casa e criou a música, fazendo-a chegar de volta ao novo parceiro. Quando viu a composição pronta, percebeu o parentesco da composição com o repertório solar dos Novos Baianos.

Em João Cavalcanti ele enxerga um expoente de uma safra de cantautores que admira, assim como Moyseis Marques, com quem também já firmou parceria. São eles que o cantor cita quando lhe perguntam sobre artistas de uma geração mais nova que lhe chamam a atenção. Com Nei Lopes, Zé já trabalhara em sambas de Cabô, disco de 1999.

Tendo o barulho de ondas do mar de fundo, Náufrago é impressionista – “Rastros na areia desenhando imprecisões/ Vagas ideias, vendavais, embarcações/ Por sedimentos, fragmentos de vulcões/ Longe horizonte se desfaz ameaçador/ Em clarões, trovões, pavor” – e lírica – “Eu que sempre amante/ Jamais soube amar/ Na maré vazante/ Me afoguei no mar/ Eu que nunca dantes/ Fui navegador/ Fiz-me naufragante/ Pra morrer de amor”.

PC Pinheiro lhe entregou letras datilografadas num envelope, para que escolhesse as que quisesse. As imagens que mais o cativaram foram as descritas em Fonte de rei (“água de prata”, “areia de ouro”, “poesia pra canto de passarinho”) e em Pedra do mar (a pedra que o mar joga na calçada, que cega o olhar e clareia a estrada, o “talismã de esperança”). Os dois têm “umas 20” músicas juntos. “Dava para fazer outro disco só com o que já fiz com Paulinho, com Joyce (que entrou também com Noite) e com Pedro Luis (parceiro em Cabô)”, acredita.

Foi sorvendo Fonte de rei que o cantor chegou ao espírito do CD. Sua memória musical afetiva o levou a Limite das águas, LP de Edu Lobo de 1976 – o ano em que começou sua navegação pela música –, a Milton Nascimento, a Egberto Gismonti. “O ouvinte atento percebe essas referências expostas”, aponta.

Moacyr Luz é seu companheiro de Dobrando a Carioca, com Guinga e Jards Macalé. O quarteto lançou CD e DVD em 2016, de clássicos de épocas distintas, como Vapor barato (Waly Salomão/Macalé), Catavento e girassol (Guinga/ Aldir Blanc) e Acertei no milhar (Wilson Batista/Geraldo Pereira).

Ao olhar para o passado e encarar o presente, Zé Renato diz, delicadamente, que percebe um certo “desapego” da preocupação com a riqueza melódica e harmônica no cenário musical atual. “Sem querer ser nostálgico e não desfazendo de nada do que ouvimos hoje em dia – não vou dizer se é melhor ou não, de maior ou pior qualidade –, o que me conectou e me conecta à música são justamente as melodias e as harmonias, mais do que as letras. A sinuosidade de um Elton Medeiros, Tom Jobim, Milton... A riqueza de caminhos é o que me comove. Hoje temos um distanciamento disso. O público se desacostumou. Sou old fashioned”, ri o cantor, que, jovenzinho, só se via como compositor.” Quando comecei, o canto não era o principal, não via como um objetivo. Tanto que as referências para mim eram compositores que cantam, como Chico e Milton. Eram eles que eu queria ser.”


Bebedouro
Artista: Zé Renato
Lançamento independente
Preço sugerido: R$ 34,90

RACIONAIS SAI DE FÉRIAS E DEVE VOLTAR AOS PALCOS ATÉ O FIM DE 2018

Assessoria descarta o fim da banda de rap e informa que, nos próximos meses, Mano Brown, KL Jay, Ice Blue e Edi Rock se dedicarão às respectivas carreiras solo

Por Ângela Faria


Ice Blue, Mano Brown, KL Jay e Edi Rock, de acordo com assessores, vão desfrutar de um período sabático (foto: Klaus Mitteldorf/divulgação)

O grupo de rap Racionais MCs vai "dar um tempo" até o fim do ano. De acordo com entrevista de KL Jay à revista Rolling Stone, a banda "está de férias coletivas" para que ele, Mano Brown, Ice Blue e Edi Rock possam descansar. "É muito peso. Racionais é uma carga muito forte, né? Se continuar fazendo show (a gente) fica louco. Os quatro, fica tudo louco", afirmou ele à publicação especializada em música.

A reação dos fãs foi imediata. Vários temem que o Racionais, prestes a completar 30 anos, encerre as atividades. Integrantes da produtora Boogie Naipe, que administra a carreira da banda, negam o fim do grupo. A previsão é de que os shows sejam retomados no fim do ano, possivelmente por volta de outubro.

Enquanto isso, no "período sabático", os quatro integrantes se dedicarão às respectivas carreiras solo. KL Jay vai lançar o aguardado disco Na batida vol.2 (o primeiro saiu em 2001). Ice Blue promete um álbum com Helião, do grupo RZO, e continua comandando programa de rap numa rádio paulistana. Edi Rock tem desenvolvido parcerias com Alexandre Carlo (Natiruts), entre outros artistas, e feito shows com vários rappers – nesta quinta-feira (22), apresenta-se com Don Pixote em São Paulo. Edi está escalado, assim como Mano Brown, para o Festival Cerrado Mix, em Goiânia, marcado para abril.


BOOGIE NAIPE

Ontem, Mano Brown disse a amigos que não está em "férias coletivas". Comentou que tem trabalhado – e muito – neste início de ano. No fim de janeiro, cantou no Festival Planeta Brasil, em BH, em projeto inédito com Criolo. Se depender do rapper do Racionais, esse show poderá ser levado a outras cidades do país.

Em março, Brown vai apresentar seu projeto solo Boogie naipe ao Lollapalooza, em São Paulo, assim como ocorreu no festival gaúcho Planeta Atlântida, no início de fevereiro. O repertório reúne canções do disco homônimo lançado em 2016, elogiado pela crítica especializada.

Há especulações sobre uma dobradinha do rapper com Ivete Sangalo, quando a cantora, que acabou de dar à luz a gêmeas, retomar a agenda.

Em janeiro, Brown revelou ao UAI/Estado de Minasque gostaria de abrir o leque de parcerias – inclusive com mulheres, citando Karol Conka, Iza e Ludmilla. Contou que recebeu melodia do maestro Arthur Verocai para letrar. O rapper compôs a faixa Cigana para o elogiado No voo do urubu, lançado por Verocai em 2016.

KL Jay afirmou à Rolling Stone que o quarteto se reuniu, no fim de 2017, depois de se apresentar numa casa paulistana, e decidiu descansar. "Cada um faz seu corre individual e tá tudo certo. O Racionais trabalhou demais. Fizemos um show memorável na Audio, um puta show, para mim foi o melhor. E agora estamos descansando”, declarou.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

CANÇÕES DE XICO



HISTÓRIA DE MINHAS MÚSICAS



A música SE TU QUISER, que integra o FORROBOXOTE 2, já teve diversas regravações desde seu lançamento, em 2001. VOCÊ NÃO QUIS é como se fosse uma ‘resposta’ a alguém que desdenhou de todas as oferendas propostas naquela canção. Foi gravada por Adelmário Coelho (BA), Sinfonéia Desvairada, Igor de Serra Talhada, Jorge Neto, Forró da Gabriela (BA), Perkata de Couro e, em algumas dessas gravações, teve participações especiais de Nádia Maia e Walkiria Mendes. Nesse posto, a gravação é de Adelmário Coelho, grande forrozeiro baiano.


VOCÊ NÃO QUIS
Xico Bizerra e Luciano Nunes

você não quis aquela lua que um dia te prometi 
o meu sorriso sempre aberto a te sorrir 
e o meu abraço pronto pra te abraçar 
você não quis aquele beijo que nunca beijei ninguém 
e desprezou todo esse querer-bem 
nem ligou pro seu cantor, pro meu cantar

o sentimento que inventei pra te amar, não se acabou 
ainda rezo pra chover pé de fulô 
que é pra tu ficar cheirosa e vir aqui dançar mais eu 
se tu quiser, é só pedir que eu te canto de novo aquela canção 
deixo aberto, escancarado o coração 
pode entrar sem cerimônia, que ele é todinho seu

você não quis o poema que eu fiz cheio de rima 
e a estrela mais bonita lá de cima 
que acendi você foi lá e apagou 
você não quis ficar juntinho desse que te ama tanto 
fechou os olhos para não ver o meu pranto 
deixou o mundo sem saber o que é o amor

o sentimento que inventei pra te amar, não se acabou 
ainda rezo pra chover pé de fulô 
que é pra tu ficar cheirosa e vir aqui dançar mais eu 
se tu quiser, é só pedir que eu te canto de novo aquela canção 
deixo aberto, escancarado o coração 
pode entrar sem cerimônia, que ele é todinho seu

SÃO PAULO 464 - CARTEIRINHAS DA ORDEM

Por Guarabyra*


Em 1973, morava no Rio e fazia parte do trio Sá, Rodrix & Guarabyra, que antes era uma dupla apenas, Sá & Rodrix. Minha adesão se deu quando, após encontrar Sá perambulando por Ipanema, soube que acabara de se separar da mulher e que ficara sem ter para onde ir, visto que a ex-esposa continuaria a ocupar o apartamento do casal. Convidei-o então para morar comigo num quarto na Rua Alberto de Campos, ali mesmo em Ipanema, num apartamento que eu dividia com alguns jornalistas, aparelhagem de som, instrumentos e caixas de bebidas — além das duas Marly, serviçais da casa, de quem desconfiávamos seriamente de que completavam o ordenado com suspeitos programas noturnos.

Convite aceito, Luís Carlos Pereira de Sá, a quem também denominamos Dr. Pereira — já que possuía carteirinha da OAB, ainda na edição antiga, vermelha e vistosa — veio morar conosco. A tal carteirinha, inclusive, tirou-nos de variados apertos estrada da vida afora. Por exemplo aquele quando a PM da ditadura nos cercou num bilhar da Rua das Palmeiras, em Sampa, e nos enquadrou numa sinuca de bico. Os meganhas olharam as nossas figuras cabeludas e cavanhacudas e foram até legais, pois antes de tomar as providências de praxe, quando se tratava de abordar elementos daquela estirpe — que consistia em aplicar logo um cacete para verificar se reconheciam se eram gente boa ou não pelos sotaques expressados nos gritos de ‘ai’ — tiveram a gentileza de nos pedir documentos.

Iniciaram por Rodrix, que tinha a vantagem de exibir os trajes menos escandalosos dos três e de portar uma carteira de músico profissional, de capa azul-claro e novinha em folha. Não foi liberado, mas pelo menos foi esquecido de lado por uns instantes. Ao aproximarem-se de mim, percebi que meus companheiros ficavam mais nervosos do que eu, uma vez que tinham conhecimento do que eu apresentaria como cédula de identidade. Foi assim que assistiram, frios, quando eu meti a mão no bolso traseiro e trouxe de lá um monte de papéis em frangalhos. Depois, gentilmente, pedi licença ao policial que se interpunha entre mim e a mesa de sinuca, e, calmamente, montei uma desmontada carteirinha de papelão, de músico amador, no pano verde da mesa entre as bolas coloridas.

O primeiro momento foi de indescritível impacto. Os milicos que formavam a guarnição, agora incrédula, foram acercando-se, um a um, e debruçando-se sobre o tablado verde, calados e de olhos arregalados. Súbito, o sargento, de dois metros, foi acometido de um tremelique que lhe perpassou todo o corpo enquanto suas mãos tomavam a forma das de um estrangulador prestes a fazer mais uma vítima. Assim que as veias de sua garganta incharam a ponto de explodir, o Dr. Pereira saltou entre nós dois já portando aquele misteriosíssimo caderno de capa vermelha e dura que identificava os indivíduos habilitados pela Ordem dos Advogados.

O gesto do PM, graças a Deus, pairou no ar enquanto seus olhos encaravam, magnetizados, a aparição cor-de-sangue. Vai ver que era mesmo a única cor que os trazia de volta a qualquer coisa parecida com a realidade. Mas o fato é que, naquele tempo, existia esse estranho paradoxo no Brasil. Tanto a polícia era totalmente arbitrária quanto uma carteira de advogado impunha inquestionável respeito. Hoje, acho que, das duas opções, a habilitação dos chamados defensores do Direito sofreu um certo desgaste enquanto a polícia, honrando a tradição, continua transmitindo os mesmos valores, geração a geração.

Porém, ia contar apenas que após aquele encontro com Dr. Pereira a dupla Sá & Rodrix passou a ensaiar em minha casa. E foi sugerindo como aquele acorde poderia ficar melhor e que aquela palavra na letra faria melhor sentido, que acabei sendo admitido na brincadeira, e a dupla virou um trio — que anos mais tarde acabaria se tornando novamente uma dupla, com a saída de Zé Rodrix. E contaria também que, antes de o trio se desfazer, viemos morar em São Paulo a fim de trabalhar no mercado de jingles contratados pelo fabuloso maestro Rogério Duprat.

Desembarcamos aqui ávidos de aventuras e nos deparamos com o enigma dessa cidade de rígido corpo de concreto mas de coração tenro, como iríamos aprender depois.




* Guttemberg Nery Guarabyra Filho é um músico, compositor, escritor e poeta brasileiro. Entre seus maiores sucessos como compositor, estão as canções "Mestre Jonas" e "Outra vez na estrada" (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), "Casaco marrom" (com Renato Correa e Danilo Caymmi), "Sobradinho" (com Luiz Carlos Sá) e "Espanhola" (com Flávio Venturini).

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

GRAMOPHONE DO HORTÊNCIO

Por Luciano Hortêncio*



"Marchinha do carnaval de 1951, lançada pela Sinter com a marca Capitol, matriz S-69." (Samuel Machado Filho)



Canção: Alegria de palhaço

Composição: Assis Valente

Intérprete - Renato Braga

Ano - Dezembro de 1950

Disco - Capitol 00-00.034-A


* Luciano Hortêncio é titular de um canal homônimo ao seu nome no Youtube onde estão mais de 10.000 pessoas inscritas. O mesmo é alimentado constantemente por vídeos musicais de excelente qualidade sem fins lucrativos).

CURIOSIDADES DA MPB

Em entrevista ao jornal O Pasquim, em 1971, Madame Satã contou sua versão sobre a briga com Geraldo Pereira: "Eu entrei no Capela (Bar Capela) e estava sentado tomando um chope. Ele chegou com uma amante dele, pediu dois chopes e sentou ao meu lado. Aí tomou uns goles do chope dele e cismou que eu tinha que tomar o chope dele e ele tinha que tomar o meu. Ele pegou o meu copo e eu disse pra ele: olha, esse copo é meu. Aí ele achou que aquele copo era dele e não era o meu. Então eu peguei meu copo e levei para a minha mesa. Aí ele levantou e chamou pra briga. Disse uma porção de desaforos, uma porção de palavras obscenas, eu não sei nem dizer essas coisas. Aí eu perdi a paciência, dei um soco nele, ele caiu com a cabeça no meio-fio e morreu. Mas ele morreu por desleixo do médico, porque foi para a assistência vivo."

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

VÔTE, ESCUTA SÓ!

Josué de Castro 



FOME

O nosso mais importante cientista, morreu no exílio impedido de retornar a sua terra pela ditadura de 64. Hoje estaria mais atual que nunca, já que retornamos ao mapa da fome, graças ao golpe recente, que colocou uma quadrilha no poder.

Sua Cidade seu Estado, seu País, parece querer esquecê-lo, como se a sua lembrança nos jogasse na cara toda a realidade da miséria e da humilhação causada pela fome, pela falta de moradia e condições dignas de sobrevivência.

No Recife, nenhum monumento, nenhuma grande obra, rua ou avenida leva o seu nome. Chico Science, seu discípulo já é nome de túnel e viaduto, sem nenhum demérito, porém, acho que nem o próprio Chico, se vivo fosse, concordaria em preceder o mestre neste tipo de homenagem.

Chico Science releu o cientista nos versos: “Um caranguejo andando pro sul/Saiu do mangue, virou gabiru/Ô Josué, eu nunca vi tamanha desgraça/Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça”. Science, chamou a atenção dos jovens sobre homem que ensinou tanta coisa ao mundo, que foi reconhecido e reverenciado em outros países, mas, morreu de saudade sem poder retornar a sua terra, exilado, banido pela ditadura militar que infelicitou a nação por mais de vinte anos.

Josué de Castro precisa ser homenageado, estudado, exaltado por tudo que representa para a nossa ciência.

CRESCE NA MPB O NÚMERO DE CANTORAS QUE ENTOAM COMPOSIÇÕES PRÓPRIAS

Cantautoras dizem que a tendência é condizente com um tempo de liberdade e afirmação feminina 


Maria Leite, Anaadi e Lívia Mattos são três representantes dessa nova onda. (foto: Alê Catan/Raul Krebs/Tiago Lima/Divulgação)



Cantoras de si mesmas, ou aquilo que a música popular brasileira conhece como cantautoras. Na contracorrente de um comportamento histórico – o das mulheres que defendem canções criadas sobretudo por compositores homens –, a música brasileira tem conhecido cada vez mais defensoras das próprias ideias e da própria poesia.

A liberdade, é ela quem chega e dá sinais na alma de que, para além da interpretação, compor pode ser um ato de afirmação, uma busca pela autonomia, uma declaração de resistência ou a simples vontade de voar por frases próprias. Algo está em rotação em uma cultura historicamente dominada por compositores homens e intérpretes mulheres estabilizada na MPB a partir dos anos 60, quando Elis, Gal e Bethânia, que não compunham, passaram a lançar novos autores. Uma safra de trabalhos vibrantes, criados e interpretados recentemente por mulheres de origens e cargas culturais diversas atesta o novo tempo.

Há um caminho de liberdade conquistada, como diz a sanfoneira Lívia Mattos, mas os resquícios dos anos de predominância masculina no exercício da composição, com raras exceções, ainda são grandes, como lembra a gaúcha Anaadi, ou Ana Lonardi. De voz grande e cheia de recursos, seu primeiro álbum, Noturno, vem com produção cuidadosa nos detalhes e versos como “minha beleza mora atrás do que se pode revelar no espelho / meu corpo não é fruta nem capa de revista / é toque, sentimento e surpresa”. Sua fala segue o mesmo tom. 

Apesar de mais mulheres comporem o que cantam, ela percebe um jogo ainda desigual. “Somos desumanizadas como compositoras, como se não pudéssemos errar. Um autor homem admite que errou certa composição e isso vira um charme. Mulheres, não.” Ela diz que o surgimento de mais cantautoras é um sinal dos tempos. “Um retrato do que vivemos hoje. Sempre fomos muito intérpretes, mas eu sempre senti necessidade de cantar minha própria história.” Das 11 faixas de seu álbum, ela só não assina Samba e amor (Chico Buarque) e A flor e o espinho (Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Alcides Caminha). Por querer, uma parceria com Roberto Menescal, traz o violão do parceiro.


PERSONALIDADE

Sem o mesmo discurso afirmativo de suas colegas, a mineira Maria Leite está com um disco pronto, O bonde. Intérprete de autores clássicos por anos, ex-backing vocal de Edson Cordeiro, ela sente que compor é mais um ato de descoberta da própria identidade. “Sempre senti que produzir meu material me daria personalidade. Temos tantas canções já definitivas que preferi, para este trabalho, me investigar.” Seu disco abre com O bonde, assinada por ela e pela pianista Silvia Goes, que participa da sessão instrumental ao lado do baterista Cuca Teixeira e do baixista Thiago Espírito Santo.

Carol Andrade, de São Paulo, chegou este ano com um álbum autoral depois de outros como intérprete. Sorria, seu terceiro projeto, trouxe apenas músicas assinadas por ela e algumas interrogações. “Por que um disco autoral?” “Por que as pessoas vão querer ouvir minhas canções?” “Será que essas músicas que faço são relevantes?”

Seu caminho, como o de Maria Leite, também foi natural. “Cantei jazz, blues, música brasileira a vida toda, sempre ouvindo os grandes compositores. Mas chega um determinado momento em que você quer criar. E cantar a música que se cria é diferente.”

A baiana Lívia Mattos, conhecida até então como “a sanfoneira de Chico Cesar”, tem recebido elogios por seu álbum de estreia, Vinha da ida. Ela quebra não só o roteiro das intérpretes dos “homens clássicos”, como eleva seu instrumento a outros discursos de música popular. Chegar com um disco 100% autoral foi um risco assumido, ela sabe, mas os impulsos decidiram o caminho.

“Acredito na liberdade que se conquista, e esse é um movimento que tem a ver com o século 21. Estamos fazendo essa transição.” Olhos de Teresa, a bela canção que fez para a avó, tem se revelado um destaque natural. “Os olhos de Tereza têm mar dentro, uma represa/Os olhos de Tereza, calmos, como quem esqueceu a pressa.”

Além da liberdade, autonomia também é algo que se conquista quando se assina o que se canta. “E adoro poder ter participado de todo o processo do disco e poder resolver fazer um show de sanfona e voz se for preciso.” Ser cantora da própria obra, ela diz, é “um ato de resistência”.


ESPANHOL

Haveria mais muros a serem derrubados se Irene Atienza não tivesse a força que tem demonstrado ter desde que chegou da Espanha para cantar samba na Lapa do Rio. Mulher influenciada no berço da cidade de Santander pelo flamenco genético, seu canto equilibra a lágrima e a solidez emocional em um timbre raro, forte, grave. O álbum autoral que acaba de lançar é Salitre, com um dueto arrebatador de Grãos de sal, ao lado de Lenine. Ao todo, são sete músicas autorais, em espanhol e português, e mais quatro versões que contam dos países por onde passou. Espanha (Peces de ciudad, de Joaquín Sabina), Brasil (El bien del mar, Dorival Caymmi), Argentina (Piedra y camino, de Atahualpa Yupanqui) e Cuba (Demasiado, de Silvio Rodríguez). A origem de seu processo de composição pode ser considerada “invertida”. “Eu escrevia poesias com 8 anos. Fui buscar logo cedo na composição o que gostaria de falar.”

Um outro caminho levou a paulistana Dani Gurgel para a composição. Ela vem sobretudo do jazz, e isso explica seu pensamento instrumental, mesmo quando faz canção. Sua voz não tem a formatação das cantoras clássicas. Ela é limpa e curta na extensão, mas está ali como se fosse mais um instrumento em meio aos outros músicos. Zimbadoguê é cheia de suingue, de prosódia ligeira e improvisos estonteantes de Clube da Esquina. A outra canção do mesmo EP chamado Ruídos é Na frente.

Dani, filha da pianista Débora Gurgel, conhece bem a história. Não basta ser bom quando se é mulher na música, é preciso provar. “O mundo dos músicos ainda é muito preconceituoso”, ela diz. As máximas criadas pelos instrumentistas que se referiam às cantoras, nos anos 60, pejorativamente como “canários” não estão enterradas. “Cantar é coisa de quem não sabe música”, eles diziam. Imaginem se soubessem que as composições não parariam em Dolores Duran, Maysa, Rita Lee, Joyce, Fátima Guedes...

“As cantoras são testadas por músicos que querem saber se elas sabem o compasso de tal nota específica. Algumas podem não ter estudado, mas podem ser também as pessoas que mais sentem a música naquela sala ali. O preconceito se alimenta de coisas bestas.”


Fonte: Agência Estado 


terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*




O que é canção? Sandra Ximenez

Sandra Ximenez


- O que é canção para você? De onde vem a canção?
A gênesis da canção pra mim seria aquela época primitiva em que fala e canto fossem a mesma coisa... em que brincar com sons, inventar palavras, entoá-las ludicamente, não tinham nome de fala ou canto. Isso parece que o coro grego tentou recuperar e o que eles faziam, por registros (ficaram partituras) e estudos antropológicos, etc. Dizem que era isso, cantofala, falacanto, um só. Daí a canção seguiu nesses ambientes da mistura, do povo, da poesia e da música popular. Hoje eu acho que ela é muito ampla, com várias facetas, não me alinho totalmente com a visão do Tatit e cia (apesar de que gosto das canções do Tatit), e da própria grande MPB, de que ela é a letra sobretudo, poesia em primeiro lugar. Acho que nem saber do que se trata a letra também é um jeito de fruir canção, dançar é outro jeito, e o meu jeito de construir e fruir canções é bem sensorial: música é sensação, e também o que me vem de letra, de sentido, fica nesse âmbito do "um elemento a mais" pra me fazer viajar. Se eu não entendo a língua em que se está cantando a própria palavra-som já me é suficiente pra curtir.

- Para que cantar?
Acho que cantar é humano, todos sempre cantaram em seus rituais, seus trabalhos, seus afagos e cuidados, e o mundo urbano foi nos distanciando disso. Então agora não são todos os humanos que cantam. Sou professora de canto há mais de 20 anos, e pela minha experiência todo mundo quer cantar, e pode cantar. Mas tem aqueles que escolhem isso como profissão. E no meu caso tem a ver com a vibração e transformação que o canto traz ao meu corpo, e também tem a ver com comunicação de algumas estéticas que eu faço por meio da música.

- Cite 3 artistas que são referências para o seu trabalho. Por que estes?
A Bjork, os provençais, e as trobairitz. A Bjork não dá nem pra falar o porquê, é por tudo. Radiohead é pelo canto do Tom Yorke e a sensibilidade dele nas harmonias, adoro as composições, e as 3 guitarras são completamente sedutoras pra mim. Nem sei quem escolher em terceiro lugar. São muitos artistas que gosto, mas esses dois se destacam de forma muito clara e especial. Se fosse falar de mais alguém teria que falar de mais uns 30.






* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".

CDS RAROS DE BANDAS BRASILEIRAS PODEM CUSTAR ATÉ R$ 1.000



Fora de catálogo, alguns discos do grupo Charlie Brown Jr. CPM 22 e RPM são disputados por fãs em lojas físicas e pela internet

Por Daniel Vaughan, do R7 


Os CDs e singles da banda Charlie Brown Jr. são muito procurados por fãs


Apesar do streaming ser um competidor voraz contra o CD, muitos fãs ainda procuram músicas gravadas em mídia física. Porém, títulos fora de catálogo são vendidos a peso de ouro quando se tornam raridades. 

Entre os nomes nacionais mais caros do momento, estão Charlie Brown Jr., CPM 22 e RPM, com CDs que podem custar quase mil reais. Na maioria dos casos, são álbuns que a gravadora parou de fabricar, singles de divulgação e gravações independentes de início de carreira. 

O R7 pesquisou em duas das maiores galerias musicais no centro de São Paulo e descobriu quais são os brasileiros mais "caçados" na região. 

André Fiori, dono da Velvet, relembra três títulos underground que são bem vendáveis. 

— O CD A Sétima Efervescência (1997), do Jupiter Maçã, vai embora rapidamente mesmo sendo usado. É o primeiro álbum do cantor, não foi relançado nem mesmo saiu em vinil, então virou raridade. E existem os fãs dos anos 90 que procuram bandas independentes como Brincando de Deus e a estreia fonográfica da Pelvs. 

O público procura CDs independentes na Velvet


André também destaca algumas diferenças entre colecionadores de CD e vinil. 

— A ideia de querer algo original de época tem mais a ver com o comprador de LP. Na minha opinião, o fã que procura por um CD quer isso lançado em qualquer momento, pois ele não liga se é a primeira tiragem. Agora, muitos cultuadores de vinil curtem o objeto fabricado naquele ano, observam até detalhes do lançamento. 


Na tradicional London Calling, o punk rock é a primeira opção de procura. Walter Thiago, que comanda a loja desde 1986, está acostumado com tal obsessão musical. Ele diz que, entre os discos mais visados, estão CDs brasileiros lançados fora do País. 

— Esse tipo de produto tem um nicho de mercado. Por exemplo, o grupo punk Lixomania é um dos mais procurados aqui. O registro deles de 1982 saiu em CD muitos anos depois, exclusivamente, no Japão e, em seguida, ganhou uma edição limitada no Brasil. E também existem discos históricos de MPB que só ganharam edições japonesas. O problema dos produtos sumirem do mercado tem a ver com a cultura do nosso País. Muitas coisas são fabricadas em pequenos números e outros títulos sequer são recolocados em estoque. 


CD raro do RPM chega a custar quase mil reais


DJ Reginaldo, gerente da loja A Mágica do Hip Hop, diz que, apesar do local ser especializado em rap, os CDs do Charlie Brown Jr. são os destaques da prateleira. Ali, Bocas Ordinárias (2002), da banda santista, custa R$ 180. 

— Apesar do preço salgado para alguns bolsos, os fãs compram os discos pelo amor a música. E muitos CDs de ícones do rap nacional deixaram de ser fabricados, então você não vai achá-los em qualquer lugar, muito menos em ótimo estado. Entre os mais procurados aqui estão RZO, De Menos Crime, 509-E e até a primeira tiragem dos Racionais MCs, Sobrevivendo no Inferno (1997). 


Afro-X pretende relançar os CDs do 509


Afro-X, um dos fundadores do 509-E, avisa que pretende relançar os discos do finado grupo. Hoje, os CDs da dupla não custam tão caro, mas só aparecem usados de época. Ele diz que a obra pode ser atualizada em breve, apesar de problemas na justiça. 

— Quero relançar os dois trabalhos em um só CD. Estamos em uma briga judicial e creio que, após 18 anos de "exploração", vamos reaver nossos direitos. Os fãs merecem ter uma recordação dessas em sua coleção. 

"Eu não achava o segundo CD do Charlie Brown... Nem a gravadora tinha mais! Daí, um fã me deu" (risos)
Marcão, ex-Charlie Brown 


Preços elevados 

No comércio online, discos novos e usados são disputados em clima de leilão, pois cada vendedor coloca o preço que quiser. O primeiro trabalho do CPM 22, A Alguns Quilômetros de Lugar Nenhum (2000), é vendido por R$ 780. Na época, a banda ainda era underground. Quatro Coiotes, do RPM, é exposto pelo altíssimo valor de R$ 999. E o single de Vícios e Virtudes, do Charlie Brown Jr., com apenas uma música, vale R$ 450. Também foram encontrados na sessão de raridades títulos da Fresno, Camisa de Vênus, Gang 90 e até trilhas sonoras de novelas brasileiras. 
O 1º CD do CPM 22 vale um dinheirão


Marcão, do Charlie Brown, já ganhou raridade de um fã


Com preços exagerados ou não, o guitarrista Marcão Britto, ex-Charlie Brown, entende o desejo do público. 

— Não é só uma questão de ouvir a música... O CD traz a parte fotográfica e informações sobre o material. Tudo isso é importante para quem curte o grupo e o Charlie Brown sempre foi generoso com os fãs nesse sentido. Eu concordo com os compradores, pois eu também ainda sou colecionador. 

Há pouco tempo foram relançados e remasterizados o primeiro disco da banda, Transpiração Continua Prolongada (1997) e o Acústico MTV (2003). Porém, Marcão confessa que até ele já ficou sem ter seus próprios trabalhos. 

— Por incrível que pareça, certa vez eu não achava o segundo disco do Charlie Brown... Nem a gravadora tinha mais. Daí, um fã me deu de presente. E eu também tenho minhas relíquias em casa, como os singles de Rubão, Papo Reto, Lugar ao Sol, entre outros. Eles tiveram uma tiragem limitada, só para divulgação na época. É um mundo muito louco esse da música! (risos)

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

DUO GISBRANCO LANÇA PÁSSAROS, COM POEMAS MUSICADOS DE CHICO CÉSAR

Pela primeira vez, pianistas Bianca Gismonti e Claudia Castelo Branco cantam, além de tocar, mostrando a força da poesia do cantor e compositor paraibano


Por Ana Clara Brant




As musicistas cariocas Bianca Gismonti e Claudia Castelo Branco se conheceram quando foram colegas na graduação de piano na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).


De vez em quando, as pianistas tocavam alguma composição juntas e, um dia, uma professora comentou: “Por que vocês não gravam um disco?”. Sem querer, era o começo do Duo Gisbranco. “Quando a gente viu, o duo estava formado. Foi bem despretensioso. Isso foi em 2005, e estamos aí”, comenta Claudia.

Essa ausência de planejamento e pretensão também marcou o processo que originou o mais novo projeto da dupla, o álbum Pássaros. Com 15 faixas, o disco terminou por representar um mergulho profundo na criação da canção brasileira. Pela primeira vez, as compositoras também cantam, além de tocar. Os CDs anteriores – Gisbranco e Flor de abril – são inteiramente instrumentais. “Não é um disco-padrão de canção. A base são dois pianos. Demorou cerca de seis anos para esse trabalho ficar pronto. Compor, fazer os arranjos, masterizar. Tinha que ser assim, porque é algo bem minucioso”, explica Claudia.

As letras são poemas do cantor e compositor Chico César, que foram feitos especialmente para as artistas. Claudia e Bianca, que é filha do multi-instrumentista, cantor e arranjador Egberto Gismonti, conheceram o músico paraibano em 2009, quando ele fez participação no show do Duo em São Paulo. Desde então, a proximidade só aumentou. “Ficamos bem amigos. Chico sempre escreveu muita poesia e, certa vez, pegamos algumas e começamos a musicá-las, meio de brincadeira. Elas não foram feitas para ser músicas. Sugerimos que ele fizesse mais e sempre com algum estímulo diferente. Uma fotografia, uma conversa, uma palavra. Quando a gente viu, os versos se transformaram em várias canções. Assim como o Duo, o disco surgiu despretensiosamente”, comenta.




PARTICIPAÇÕES

Pássaros é também o nome da primeira faixa, que conta com a participação especial do cantor e compositor mineiro Sérgio Santos. Ele também canta ao lado de Claudia e Bianca em Canção de ninar e Borbotoando. Há outros convidados especiais, como Monica Salmaso (Solua), a portuguesa Maria João (Bibi e a bicicleta), o cantor Eugenio Dale (Aqui no Rio).

Chico César comparece na belíssima Vejouço e em Turuna. A conexão entre palavra, som e o universo da poesia se mostra presente em cada uma das composições, que ganharam arranjos sofisticados. Entre os instrumentistas estão os músicos Rodrigo “Pacato” (percussão), Fabio Nin (violão), André Mehmari (piano e sintetizador), Jaques Morelenbaum (violoncelo) e José Batista Jr. (clarineta e clarone).

“Tenho uma ligação muito forte com a canção. Para mim, foi um desafio bem divertido. O disco foi construído quase de forma artesanal e experimental. A gente tinha que ver como funcionavam as palavras, qual melodia se encaixava melhor. Alguns dos poemas tiveram que ser cortados ou até modificados por causa da métrica. Mas tudo com o aval do Chico”, conta Claudia Castelo Branco.

Chico César aprovou o resultado e, no fim das contas, Pássaros não deixa de ser uma homenagem ao artista nascido em Catolé do Rocha, no interior da Paraíba. “É um álbum que coroa toda essa nossa ligação. Chico é um artista muito rico, versátil. Desde que o conhecemos, ficamos encantadas com o universo da canção dele, de sua poesia, de sua palavra. O disco é uma homenagem e um agradecimento a todo esse aprendizado que temos tido com ele ao longo dos anos.”


Pássaros
Artista: Duo Gisbranco
Gravadora: Mills Records (15 faixas)
Preço sugerido: R$ 20; disponível também nas plataformas digitais

SINGLE ROUBA O ESPAÇO DO DISCO NO MERCADO MUSICAL

Seguindo a tendência mundial, cantores preferem lançar uma música por vez, a se dedicar a produzir 10, 12 ou 14 faixas em um único 'pacote'

Por Pedro Galvão


Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967) é um marco da cultura pop. Dark side of the moon (1973), do Pink Floyd, e Thriller (1982), de Michael Jackson, são obras-primas do século 20. No Brasil, fizeram história Tropicália ou Panis et circensis (1968), de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e Os Mutantes; Construção (1971), de Chico Buarque; Acabou chorare (1972), dos Novos Baianos; Clube da Esquina (1972), de Milton Nascimento e Lô Borges; Cabeça dinossauro (1986), do Titãs; e Da lama ao caos (1994), de Chico Science e Nação Zumbi. Álbuns marcados pela unidade, cujas canções, conectadas entre si, influenciaram outros artistas. Chegar a tal complexidade demanda semanas ou até meses de quase reclusão em estúdios, entre gravações, arranjos e ensaios – esforço nem sempre recompensado.

CULTURA - Gabriel O Pensador já avisou que, por enquanto, não pretende voltar a lançar álbuns. O último de seus sete títulos foi Sem crise, de 2012. “Demorei muito tempo para lançar esse disco. Tive a sensação de que as pessoas não estavam mais na cultura de ouvir o álbum todo. Fiquei triste, pois gravei muitas músicas boas que passaram despercebidas. Tinha uma com o Rogério (Flausino), do Jota Quest, e outra com o Nando Reis, mas o pessoal das rádios preferiu outras”, lamentou o rapper em entrevista ao EM, no início deste mês. Desde então, optou pela web para lançar os sucessos Chega (2016) e Tô feliz (Matei o presidente) II (2017).

Adepto do single, Gabriel defende também as características do formato álbum. Porém, ele pondera: “O problema é que, de repente, parece um produto velho. Enquanto algumas músicas fazem sucesso, outras ficam datadas. Se as lançasse hoje, poderiam ser legais, mas como estão naquele mesmo pacote, isso depõe contra elas. Sempre gostei de fazer disco, daquela estética, daquela unidade. Porém, hoje, estamos mais ligados a singles e clipes. Daqui a pouco, posso fazer uma compilação com Chega e Matei o presidente, mas não me vejo preocupado em lançar um disco inteiro”, afirma.

Principal nome do pop brasileiro, Anitta relegou o disco a segundo plano. “Não amo fazer álbuns, gosto mais de singles e clipes. Lá fora, a galera ainda tem o costume de ouvir um álbum inteiro. Aqui, não. O povo ouve o que é trabalhado na rádio. Quando você lança um álbum, perde as outras músicas”, declarou ela à revista Contigo!, em 2017.

Depois de lançar três álbuns entre 2013 e 2015, Anitta optou por “soltar uma bomba de cada vez”. Em dezembro, sacudiu o país com Vai malandra, um dos seis singles que a projetaram nos últimos dois anos. O clipe desse funk superou 205 milhões de visualizações no YouTube.

No Spotify, principal serviço de streaming musical do mundo, é possível acessar tanto álbuns completos quanto faixas avulsas. Em 2018, as cinco canções mais ouvidas nessa plataforma por brasileiros são singles. É o caso de Bailando, para marcar a volta da girl band Rouge, que encerrou a carreira há 10 anos.

A estratégia da faixa avulsa foi adotada especialmente por astros da música eletrônica, funk e do pop. No Spotify, entre as 20 músicas mais executadas no país em 2017, metade não faz parte de um álbum. É o caso de Despacito, dos porto-riquenhos Luis Fonsi e Daddy Yankee, e de Você partiu meu coração, parceria de Nego do Borel, Anitta e Wesley Safadão.

SERTANEJO - Porém, na outra metade desse top 20, há cinco canções de discos sertanejos no formato ao vivo. A tendência é evidente no ranking de álbuns mais ouvidos por brasileiros no Spotify em 2017. Entre os 10 mais, sete foram gravados durante shows. Apenas três saíram do estúdio: “÷” , do inglês Ed Sheeran; Vai passar mal, de Pabllo Vittar; e Anavitória, da dupla homônima.

Fora dessa lista dos mais ouvidos, artistas de renome da MPB se movimentaram para oferecer novidades. Gal Costa lançou a versão ao vivo de Estratosférica, álbum gravado em estúdio em 2015 – o material foi lançado com DVD. Chico Buarque quebrou o hiato fonográfico de seis anos com Caravanas, que chegou às lojas em agosto de 2017. Porém, antecipou faixas nas plataformas digitais, estratégia comum nos últimos anos para divulgar o trabalho que está por vir. No caso de São Valentin, de Jorge Ben Jor, trata-se apenas de uma canção isolada, sem vínculo com disco, operação patrocinada por uma operadora de celular.

Por sua vez, Caetano Veloso e Gilberto Gil prometeram novos álbuns para este ano. Fãs também aguardam por novidades sinalizadas por Rihanna, na seara pop, e Judas Priest no heavy metal. Entre um novo disco e outro, fica a certeza: YouTube, Spotify e redes sociais ficarão bastante movimentadas por sucessos solitários.


ENTENDA

>> Single
Lançamento isolado de uma única canção por meio de videoclipe ou apenas em áudio. Em alguns casos, o single é a faixa antecipada de um novo disco. Porém, pode conter duas ou três faixas.

>> Álbum
É o conjunto de pelo menos oito músicas. Pode ganhar formato físico (CD e vinil) ou digital, esse disponível em plataformas de streaming ou para download em mp3.

>> EP
Sigla de extended play, intermediário entre o single e o álbum. Geralmente, tem de quatro a seis faixas, adotando o formato físico ou virtual.

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