Depois de abranger mais de 150 anos de música em seu trabalho anterior, Ricardo Machado chega radiante (tal qual o título de uma das faixas presentes neste projeto) para aborda a obra de um dos artistas mais expressivos da música mundial do último século: Stevie Wonder.
Por Bruno Negromonte
Previsto para ser lançado até o final deste primeiro semestre de 2013 como foi anunciado aqui mesmo no Musicaria Brasil, o mais recente trabalho do cantor e compositor fluminense Ricardo Machado chega antes do previsto ao mercado fonográfico e traz como marcante característica ser mais um expressivo trabalho pautado no requinte e bom gosto. Um primoroso título onde o artista consegue sintetizar de modo bastante singular os 50 anos de carreira do renomado cantor e compositor Stevland Hardaway Morris. Stevie (como ficou conhecido) elencou um expressivo repertório ao longo das últimas décadas e acabou tornando-se uma das maiores lendas do rhythm and blues ao redor do planeta, disseminando a cultura musical americana de modo bastante significativo no último meio século. Essa homenagem se deu porque segundo o cantor a obra do artista norte-americano está presente em sua vida desde sempre e faz parte de suas mais felizes reminiscência.
Idealizado a princípio para ser um projeto predominantemente acústico, Ricardo tinha a princípio o desejo de imprimir nas canções de Stevie uma identidade bastante pessoal a partir de toques brasileiros. Com o decorrer do tempo, o disco foi seguindo outro percurso, havendo a introdução de batidas eletrônicas sob a programação do músico Eric Brandão. "São inserções eletrônicas bem discretas e elegantes, encaixadas no arranjo, absolutamente nada que lembre remixes. São parte do arranjo, pontuais, e ousadas em alguns momentos, aproximando o jeitão do disco da modernidade", como recentemente nos declarou o cantor e compositor.
Neste trabalho intitulado "Vozvioletronicamente - Ricardo Machado canta Stevie Wonder" Ricardo traz, além do neologismo 'Vozvioletronicamente', canções das diversas fases da carreira do artista norte-americano, resgatando clássicos que vão desde a década de 1960 até meados dos anos 80. Em ordem cronológica a primeira da lista é 'My Cherie Amour', um dos primeiros sucessos do repertório do 'little' Wonder. Feita em parceria com Sylvia Moy e Henry Cosby e lançada em 1969, este clássico da música soul americana chega a este projeto como uma new bossa, trazendo consigo a leveza sonora que a canção pede a partir do violão do maestro Heitor e a programação eletrônica de Eric Brandão. Do álbum "Talking Book", de 1972, Machado traz duas canções: 'You and i' e 'You Are the Sunshine of My Life' em versões acústicas. A primeira trata-se de um dos hits românticos da lavra de Wonder e nesta nova versão o marcante piano da gravação original dá lugar ao violão de Heitor em um blues pontuado pela precisa interpretação do intérprete fluminense. Diferente da versão de 1972, onde entre os acordes do seu do seu Fender Rhodes o compositor divide os vocais com Jim Gilstrap, a versão 'vozvioletronicamente' de 'You Are the Sunshine of My Life' é caracterizada pelo violão cheio de bossa de Brandão. Já a densa interpretação de 'All in Love Is Fair', lançada em 1973 por Stevie no álbum "Innervisions" dá vez ao lancinante canto do homenageante em solos de violão. O passeio no repertório pela década de 1970 encerra-se no álbum "Songs in the Key of Life", de onde foram pinceladas 'Isn't She Lovely?', 'Sir Duke', 'Ngiculela – Es Una Historia – I Am Singing'. As duas primeiras são apresentadas neste tributo marcadas pelas inserções eletrônicas de Eric Brandão. já a 'Ngiculela' entrou neste tributo a partir de uma sugestão acatada por Ricardo.
A década seguinte chega como ponto alto do disco, onde Machado fomenta seu canto na paixão e entrega-se de corpo e alma na belíssima interpretação de 'Lately', canção de 1980 presente no disco "Hotter than July" e que aqui no Brasil ganhou notoriedade na voz da Gal Costa, que a registrou em 1984 em uma belíssima versão assinada por Ronaldo Bastos no álbum "Profana". Neste trabalho, 'Nada mais' (como ficou conhecida a sua versão no Brasil) ganha, sob o acompanhamento do músico Heitor Brandão ao teclado, uma desnuda e visceral interpretação. De 1982 vem a canção 'Ribbon in the Sky', outra da lavra romântica do homenageado, cuja a vigorosa e pessoal interpretação de Ricardo Machado foge dos padrões voluptuosos da gravação original, evidenciando de modo mais aflorado a proposta deste tributo, uma homenagem com um toque minimalista e pessoal. A última faixa dessa trinca romântica vem a ser 'Overjoyed', presente no álbum "In Square Circle" de 1985. A canção neste tributo ganha uma radiosa interpretação (fazendo jus ao título original) e vem acentuada tanto pelo violão do Heitor quanto pelas intervenções eletrônicas do Eric, atendendo a proposta do tributo: apresentar uma sonoridade minimalista com algumas inserções pontuais, discretas ou estratégicas para dar um ar de contemporaneidade a homenagem.
Machado, que aos 19 anos já participava do Coral da Universidade Gama-Filho, já traz em sua bagagem três trabalhos anteriores a este, sendo inclusive um deles, "A sombra confia ao vento", indicado ao Prêmio da Música Brasileira ao longo de 2011. Depois de fazer um relevante resgate cultural na abordagem de cerca de 150 anos de música brasileira, Ricardo aborda pela primeira vez em disco um repertório totalmente em outro idioma mostrando-se muito a vontade nesta condição e reiterando, a partir de seu canto, a impressão que tem deixado a todos que tem acompanhado a sua trajetória musical: a constituição de uma carreira pautada na coesa escolha de bons repertórios, independente do artista escolhido.
Quanto a ficha técnica Ricardo Machado assina a produção fonográfica, a direção musical e, em parceia com Heitor Brandão, a produção artística e arranjos. As programações eletrônicas ficaram a cargo do Eric Brandão neste projeto que fez o artista carioca flertar com o repertório de um dos maiores nomes da música mundial, assumindo assim uma série de riscos, além de uma grande responsabilidade diante de uma obra que para muitos é irretocável. No entanto é preciso enfatizar que o artista conseguiu quebrar este estigma de modo bastante pessoal pautando-se em uma destreza que exige estimular sentidos e percepções para assimilar plenamente, pois diferente de Stevie, cego é aquele que não têm olhos para o sensível, aquele que não escuta a sensível voz da melodia.
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