PROFÍCUAS PARCERIAS

Gabaritados colunistas e colaboradores, de domingo a domingo, sempre com novos temas.

ENTREVISTAS EXCLUSIVAS

Um bate-papo com alguns dos maiores nomes da MPB e outros artistas em ascensão.

HANGOUT MUSICARIA BRASIL

Em novo canal no Youtube, Bruno Negromonte apresenta em informais conversas os mais distintos temas musicais.

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*





Lobo bobo

O ano de 2009 ficará marcado pela reabilitação de Wilson Simonal na história de nossa canção. O documentário Wilson Simonal: ninguém sabe o duro que dei veio devolver ao público a obra de um dos melhores cantores que já tivemos; e cuja qualidade pode hoje ser conferida por qualquer um.
O melhor da restituição de Simonal, ao posto que sempre lhe pertenceu, não é a discussão política (tão estéril de sentido quanto a condenação do artista) e sim a reabertura dos arquivos, os relançamentos, a (re)entrada de suas músicas nas programações das rádios, a regravação de seus sucessos.
E o resultado foi o melhor possível. Simonal toca hoje como um artista vivo que estivesse trabalhando suas músicas agora: tamanho é o frescor de suas performances. E isso tem permitido às novas gerações perceberem que sim, o Brasil também é um país de cantores, e muito bons.
A canção "Lobo bobo", de Carlos Imperial e Ronaldo Bôscoli, gravada no disco A nova dimensão do samba, de 1964, permite ao ouvinte captar um bocado da malandragem de Simonal: de fato, a canção parece ter sido feita para sua voz: de um gingado e malemolência que Simonal dominava como poucos.
A letra da canção, e a melodia com um doce balanço ajuda na composição da cena, mostra uma situação cotidiana: um indivíduo que, sem nenhum vintém, a fim de conquistar uma garota, aparentemente bem mais nova que ele, faz uso da malandragem (ou da pilantragem, como Simonal preferia) para atingir seu objetivo.
Aqui, o sujeito da canção recupera a história infantil, mas cheia de segundas interpretações, da inocente "Chapeuzinho Vermelho", que passa a vida a fugir das investidas de um lobo mal que quer lhe "devorar".
Os gestos vocais de Simonal (manejos, pausas e ênfases) figurativizam os bons dobrados que o tal lobo precisa engendrar para agradar a garota. Na canção, o sujeito aponta que o "lobo canta, pede, promete tudo, até amor e diz que fraco de lobo é ver um chapeuzinho de maiô". A chapeuzinho, sapeca e mais malandra, passa a usar e abusar dos sentimentos do lobo, agora, bobo.


***

Lobo bobo 
(Carlos Imperial / Ronaldo Bôscoli)

Era uma vez um lobo mau
que resolveu jantar alguém
estava sem vintem
mas arriscou
e logo se estrepou
um chapeuzinho de maio
ouviu buzina e não parou
mas lobo mau insiste
faz cara de triste
mas chapeuzinho ouviu
os conselhos da vovó
dizer que não pra lobo
que com lobo não sai só

lobo canta, pede,
promete tudo, até amor
e diz que fraco de lobo
é ver um chapeuzinho de maiô

chapeuzinho percebeu
que o lobo mau se derreteu
pra vez vocês que lobo
também faz papel de bobo

só posso lhe dizer
chapeuzinho agora traz
um lobo na coleira que
não janta nunca mais







* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".

MAIS UM ANO VENCIDO!

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Encerramos mais uma etapa. Um ano caracterizado pelas dificuldades de sempre com um adicional por toda uma conjuntura que não vale a pena trazer à tona. Antes ir em busca das possíveis soluções e nos alimentar de esperança em dias melhores. Está cada vez mais dificultosa a manutenção  do espaço devido a vários aspectos. Manter um espaço de modo independente e sem patrocínio algum gera uma série de demandas que não vem ao caso enumerá-las. Enfim... o que eu quero dizer de fato é que apesar de todas as dificuldades que permeiam a mim enquanto mantenedor do espaço ainda são menores que o desejo de manter viva a chama da cultura e da música de qualidade feita em nos mais recônditos espaços existente em cada região do nosso país. Embora os meios de ouvir e vender e música, o talento permanece o mesmo. Um 2020 feliz para todos e que tenhamos a possibilidade de nos encontrarmos em diversas ocasiões seja aqui ou em outros canais.

Abraços sonoros!!


Bruno Negromonte

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

PAUTA MUSICAL: LÚCIO ALVES - UM DOS PRECURSORES DA BOSSA NOVA

Por Laura Macedo



Lúcio Alves (28/1/1927 - 3/8/1993) formou o grupo vocal e instrumental Namorados da Lua. Era não só o crooner e o violonista, mas também o arranjador.

Um dos melhores cantores de sua geração, destacando-se como um dos precursores da bossa nova.

Incorporou o samba canção como veículo para desenvolver seu talento de cantor/compositor.

CURIOSIDADES DA MPB

Por causa do defeito no maxilar, resultado de seu parto complicado, geralmente não comia em público. O desencontro das arcadas dentárias e a articulação insuficiente do queixo forçavam Noel Rosa a preferir alimentos líquidos, pouco nutritivos. A bebida e o cigarro também aceleraram o processo que resultou em sua morte precoce.

domingo, 29 de dezembro de 2019

20 ANOS SEM MILTON BANANA

SR. BRASIL

sábado, 28 de dezembro de 2019

VERDADE TROPICAL (CAETANO VELOSO)*

Verdade Tropical - Caetano Veloso


ÍNDICE ONOMÁSTICO

Novis, Pedro, 70-1
Novis, Renato, 71
Novos Baianos, 183, 4l6, 470
Ogerman, Klaus, 40
Oiticica, Hélio, 17, 188, 217, 275, 278, 306-7, 396, 417,425-7, 501
Oliveira (tenente), 402
Oliveira Lima, Luís Tenório de, 7, 317-8
Olodum, 50, 289
Ono, Yoko, 440
Outra Banda da Terra, A, 495
Ovídio, 228
Palmer, Robert, 476
Pampanini, Silvana, 32
Paschoal, Hermeto, 508
Pasolini,Pier Paolo, 101, 259
Paula, José Agrippino de, 108-1, 113-4, 118, 120, 130, 137, 145, 148-9, 151-5,
157, 172, 181, 198, 202, 208-9, 216-7, 241, 245, 256, 263, 274-5, 291, 303, 306,
426, 471, 487-91
Paulinho da Viola, 87, 117, 118, 175, 233, 305, 331, 464, 508
Paulo (tenente), 398
Pedro Raimundo, 29
Peixoto, Cauby, 38, 503
Pele, 428
Pele (discotecário), 397-8
Penna, Hermano, 416
Pereira, Geraldo, 36, 174, 459
Pereira, Marco, 305
Pereira dos Santos, Nelson, 100, 484
Pernambuco (compositor), 38
Pessoa, Fernando, 113, 300-2, 332, 338-9, 415, 448, 466
Peticov, Antônio, 269, 271
Piaf, Edith, 68-9
Picasso, Pablo, 90, 238, 500
Picchia, Menotti dei, 241
Piero (decorador), 201-2
Pignatari, Décio, 43, 88, 112, 2113, 215-7, 219-21, 225, 227, 236, 238, 246, 279,
296, 442, 498
Pingarrilho, 190
Pinheiro (padre), 311, 334
Pinho, Roberto, 92-4, 145, 333, 337-8, 341, 349, 415, 420, 4667,483
Pink Floyd, 263, 322, 440
Pitanga, Antônio, 60
Piti, 85, 145
Pixinguinha,38
Podestà, Rossana,32
Pontes, Paulo, 75
Portela, Geraldo, 63, 284
Porter, Cole, 437
Pound, Ezra, 122, 212-3, 218, 223, 228, 236, 438
Powell, Baden, 36, 78, 305
Powels, Louis, 93
Prado, Paulo, 479, 481
Presley, Elvis, 23, 30, 33, 35, 40, 46-7, 51-2, 254, 300, 478
Prince, 270
Proust, Mareei, 69-70, 113, 240, 352
Purim, Flora, 508
Quinzinho (pai de Norma, amiga da irmã de Caetano Veloso), 341
Rabelo, Raphael, 305
Ramos, Graciliano, 134, 151, 483-4
Ramos Tinhorão, José, 114, 209
Randal Juliano, 396, 399
Rangel, Flávio, 122, 137
Rato Grosso, Agnelo, 31
Raulzito e Os Panteras, 48, 168, 189
Reis, Dilermando, 305
Reis, Équio, 90
Reis, Mário, 38, 226, 228
Reisner, Lou, 432-3, 439, 456
Renoir, Auguste, 59
Rey, Geraldo dei, 60
Ribeiro, Solano, 92, 122
Richard, Keith, 440
Rimbaud, Arthur, 228
Risério, Antônio, 16, 482-3
Roberto Carlos, 45-6, 70, 89, 1202,129-30,132-3,141,158,1623, 167-8, 183-4, 186,
193, 1967, 208-11, 256, 265,267, 273, 342, 381, 402, 424, 443, 459, 461
Rocha, Adamastor, 165
Rocha, Anecir, 106, 442
Rocha. Glauber, 59, 62, 99-101, 103-4, 106, 110, 142, 144, 1512, 154, 165, 189-
91,215, 21820, 242, 244, 257-60, 281, 301, 306, 340, 423, 428-31, 442, 453-4, 469-
70
Rocha, Hélio, 134
Rocha Brito, Brasil, 227
Rodrigues, Amália, 68-9
Rodrigues, Jair, 158, 161, 179
Rodrigues, Lupicínio, 213-4, 221, 460
Rodrigues, Nelson, 62, 137, 450, 474
Roland (filho de Augusto de Campos), 220
Rolling Stones, 45, 171, 256, 271-2, 439, 441
Romero, César, 268
Ronnie Von, 291, 329
Roosevelt, Franklin Delano, 315
Rorem, Ned, 440
Rosa, Noel, 38, 67, 74, 76, 79, 83, 174, 184, 187, 269
Rose, Axl, 479
Rossellini, Roberto, 60, 101
Rouanet, Sérgio Paulo, 415
Russell, Jane, 33
Russell, Ken, 268
Sá Carneiro, Mário de, 448
Sá, Wanda, 230, 306
Sabu (ator), 333
Salazar, Antônio de O., 420
Salgado, Laís, 276, 284, 313
Salgado, Plínio, 241
Salomão, Waly, 145-6, 216, 219, 317-8, 321, 328-9, 456, 483
Sandra (irmã de Dedé e ex-mulher de Gilberto Gil), 119, 232, 321, 323, 348, 414,
446
Santana, Roberto, 77, 284, 310, 418
Santos, Benil, 454
Santos, Cléber, 120 Santos, Edgar, 58, 276, 300 Sargentelli, 120
Sartre, Jean-Paul, 113, 167, 260, 333, 472 Satie, Erik, 224
Scelsi, Giacinto, 238 Schemberg, Mário, 152-3, 188 Schere, Peter, 506-7
Schlesinger Jr., Arthur, 499 Schònberg, 228
Schumann, 222
Schwarz, Roberto, 82, 450
Science, Chico, 240
Sebastião, dom, 300, 339, 415, 420, 466
Seixas, Raul, 45, 47-9, 51
Senna, Orlando, 67, 284
Senna, Virgildásio, 312
Sérgio Mendes & Brazil 66, 196
Sérgio Ricardo, 36,132-3, 159, 230
Seurat, Georges, 220
Severo, Marieta, 138, 141 Sganzerla, Rogério, 428-30, 470, 496 Shakespeare,
William, 437-8
Silva, Abel, 117
Silva, Agostinho da,93, 300, 338
Silva, Alberto, 63
Silva, Carlos Alberto, 63, 284
Silva, Orlando, 36, 38, 222, 226-8, 263-7, 294, 358
Silva, Sinval, 455
Silva, Walter (Pica-Pau), 124
Silveira, Ênio, 366, 368- 9, 374
Silveira, Walter da, 59, 64-5
Simonal, Wilson, 80, 124, 158- 9, 161, 163, 166
Sinatra, Frank, 29, 264-6, 437, 440
Smetak, Walter, 289
Smith, Patti, 178
Soares, Jô, 343, 349
Sontag, Susan, 259
Sousa, Áureo de, 457,461
Sousândrade, 136, 211, 218, 284, 505
Souza, Paulo César de, 482-3
Spencer, Nilda, 72
Spielberg, Steven, 259
Stálin, Iosif, 444
Stein, Gertrude, 437, 510
Steinbeck, John, 394
Stendhal,- Henri Bey le, dito, 70, 476
Stockhausen, 212, 238-9, 270
Stockler, Maria Esther, 110, 113, 216,279,471,487
Stravinski, 228
Streisand, Barbra, 440
Sullivan, Andrew, 475, 478, 481-2
Sumida (preso político), 374
Sumidinha, 374, 378
Swift, Jonathan, 108, 152-3
Swoboda, 243 
Tapajós (trio elétrico), 466
Tarantino, Quentin, 429
Tay lor, Elizabeth, 33
Tchekhov, Anton, 244
Telles, Sylvia, 95, 121, 123
Thelonious Monk, 47, 65
Timbalada, 50
Tiranosaurus Rex, 440
Toklas, Alice B., 510
Tom Zé, 47, 51, 85, 145, 196, 231, 275-9, 331. 342, 344, 496, 508
Tony (Beat Boy s), 169
Toquinho, 138-41, 271, 305
Torquato Neto, 132, 134, 136-7, 141-7, 149, 162, 163, 216, 220, 231, 272, 295-6,
464, 470
Tostão, 428
Toulouse-Lautrec, Henri de, 90
Toy o (Beat Boy s), 169
Travesso, Nilton, 139
Trenet, Charles, 266
Trueba, Fernando, 101
Truffaut, François, 108
Tudor, David, 60
Umehara, Takeshi, 499
Unamuno, Miguel de, 7
Updike, John, 253
Ustvólskaia, 238
Vale, João do, 39, 72
Valentino, Rodolfo, 163
Valle, Marcos, 223
Van Gogh, Vincent, 59, 90
Vandré, Geraldo, 158-9, 161-4, 230, 235, 280-2, 329, 351
Varèse, Edgar, 238-9
Vargas, Getúlio, 312, 443, 445
Vargas Llosa, Mario, 473-4
Vasconcellos, Marcos, 189-90, 192
Vasconcelos, Naná, 487-8, 508
Vaughan, Sarah, 47
Vaz de Caminha, Pero, 15, 185-6, 256
Velásquez, Diego Rodríguez de Silva y, 70, 202, 229
Velloso, Claudionor V. (Dona Cano, mãe de Caetano Veloso), 28, 55, 61. 81, 193,
283, 288, 290, 333, 396, 405, 409, 465, 476
Velloso, José T. (pai de Caetano Veloso), 25-8, 54-5, 61, 72, 81, 119, 194, 255,
290, 315, 320, 363, 396, 405, 409, 464-5, 476
Velloso, Roberto, 27, 55-8, 61, 315
Velloso, Rodrigo, 7, 55, 58, 63, 26l, 333, 353, 409
Veloso, Moreno (filho de Caetano Veloso), 482
Veloso, tom (filho de Caetano Veloso), 496
Veloso, Zeca (filho de Caetano Veloso), 496
Ventura, Zuenir, 233
Verdi, 257-8
Vespar, Geraldo, 305
Vianna Filho, Oduvaldo, 75, 246
Vicente, Gil, 284
Vila, Martinho da, 402, 419
Villa-Lobos, 113, 229, 241, 257-9
Volpi, Alfredo, 220
Wagner, Heinrich, 499
Wanderléa, 127
Warhol, Andy, 33, 70, 256
Washington, George, 500
Weather Report, 495
Webern, Anton von, 70, 212, 221, 237, 239
Weiss, Nancy, 506
Weissman, Sidney, 121
Welles, Orson, 190
Wertham, Frederic, 294
White, Edmund, 482
Who, The, 440
Widmer, Ernest, 313
Wilde, Oscar, 33
Wilker, José, 261
Williams, Esther, 333
Willie (Beat Boy s), 169
Winwood, 440
Wisnik, José Miguel, 5
Wittgenstein, Ludwig, 236, 268
Wonder, Stevie, 270, 495
Yamamoto, alm. Isoroku, 14
Yes, 291
Zampari, Franco, 99
Zeca Pagodinho, 292
Zé Kéti, 39, 72, 77, 79
Zé Luís (A Outra Banda da Terra), 495
Zeffirelli, Franco, 458-9

ESTA OBRA FOI COMPOSTA PELO ESTÚDIO O.L.M. EM GARAMOND,
TEVE
SEUS FILMES GERADOS PELO BUREAU 34 E FOI IMPRESSA PELA
HAMBURG
GRÁFICA EDITORA EM OFF-SET SOBRE
PAPEL PÓIJÍN SOFT DA COMPANHIA SUZANO PARA A EDITORA
SCHWARCZ EM OUTUBRO DE 1997.




* A presente obra é disponibilizada por nossa equipe, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo.

MPB - MÚSICA EM PRETO E BRANCO

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Geraldo Vandré

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

CANÇÕES DE XICO


CARNAVAIS ETERNOS

Nos paralelepípedos respingados de chuva e suor, uma sandália ainda ensaia um passo em plena quarta-feira de cinzas, embora cinza nenhuma haja. Pula e dança na luxúria de um frevo, sozinha, sem par. Uma cantiga alegre entoada por marinheiros de Olinda não deixa que a festa acabe tão cedo. Confetes e serpentinas se misturam aos cheiros de cerveja e de mijo. E de um trombone distante e invisível ouve-se Capiba. Escuto murmúrios, sussurros e suspiros vindos de dentro daquelas casas que hospedaram alegria e receberam festa, numa folia única e quase solitária, feita de lembranças boas. No intervalo de cada nota e acima dos compassos ritmados da música dormem passos dançantes sonhando desejos e vontades, alegrias e saudades, gozos e risos do carnaval que se foi. Um ano depois, tudo de novo. É Carnaval.

MAURO DUARTE, 30 ANOS DE SAUDADES

Mauro Duarte de Oliveira, mineiro da cidade de Matias Barbosa, onde nasceu em 2 de junho de 1930,mudou-se para o bairro do Botafogo no Rio de Janeiro aos 3 anos, e desde cedo freqüentou os blocos carnavalescos, como compositor e ritmista, fazendo parte do núcleo de sambista do bairro, mas para ganhar a vida trabalhou como ourives e bancário.
Começou a compor ainda criança, e era um pianista autodidata.
Em 1947, após assistir um jogo do Botafogo no campo do Fluminense, conheceu Walter Alfaiate (Walter Nunes), outro botafoguense como ele. Nessa mesma época, conheceu também outros compositores do bairro, como Mical, Zorba Devagar e Niltinho Tristeza.

Mais Consideração

Por causa de seu rosto arredondado, era chamado pelo apelido carinhoso de "Bolacha", dado por Cyro Monteiro.
Pertencente à Ala de Compositores do Bloco Mocidade Alegre de Botafogo, Walter Alfaiate o levou também para participar de outros blocos: Bloco do Funil e Foliões de Botafogo.
Em 1960 Miltinho interpretou "Palavra", sua primeira música gravada, e ao lado de Jair do Cavaquinho, entre outros, participou do show "A hora e a vez do samba".

Sorri de Mim - com Cristina Buarque

Em 1966, com a composição "Culpas e desenganos" (c/ Maurício Tapajós e Hermínio Bello de Carvalho) participou do "1º Festival de Juiz de Fora". /
Entre os anos de 1966 e 1968 participou também do grupo de samba Os Autênticos, integrado ainda por Noca da Portela, Adélcio Carvalho, Eli Campos e Walter Alfaiate.
Em 1967, substituindo Paulinho da Viola, passou a integrar o conjunto Os Cinco Crioulos, ao lado de Elton Medeiros, Anescarzinho do Salgueiro, Nelson Sargento e Jair do Cavaquinho, e com o grupo gravou três LPs entre os anos de 1967 e 1969, fazendo shows por vários estados.

Maioria Sem Nenhum - Elton Medeiros e Paulinho da Viola

No ano de 1968 "A maioria sem nenhum", de sua autoria em parceria com Elton Medeiros, foi incluída no LP "Samba na madrugada", de Paulinho da Viola e Elton Medeiros. Participou como convidado do show "Mudando de conversa" (Conjunto Rosa de Ouro, Clementina de Jesus, Cyro Monteiro e Nora Ney), gravado em LP ao vivo, interpretando, ao lado de Elton Medeiros e Cyro Monteiro, "Se o carnaval acabar", parceria com Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho.

Reserva de Domínio - com Paulo César Pinheiro e Cristina Buarque

Em 1970, Elizete Cardoso gravou "Lamentação", de sua autoria, regravada em seguida por Paulinho da Viola. Ainda em 1970, conheceu Clara Nunes que viria a ser a principal intérprete.
Em 1971 Paulinho da Viola gravou "Reclamação", parceria de ambos e "Cuidado, teu orgulho te mata", parceria com Walter Alfaiatte.
No ano de 1972 entrou para a Ala de Compositores da Portela.

Em 1974 Eliana Pittman gravou "Motivação", (c/ Noca da Portela), o grupo MPB 4 interpretou "A alegria continua", (também em parceria com Noca da Portela), Ataulpho Alves Júnior gravou "Isso tem que acabar" (c/ Noca da Portela), Clara Nunes interpretou duas composições suas: "Meu sapato já furou" (c/ Elton Medeiros) e "Menino Deus" (c/ Paulo César Pinheiro), e Elizete Cardoso interpretou "Pra quê, afinal?" (c/ Adélson Carvalho) no LP "Mulata maior".

Meu  Sapato já Furou - Clara Nunes

Em 1976 Clara Nunes, no LP "Clara" interpretou "Canto das três raças" (c/ Paulo César Pinheiro) e "Lama", sobre a qual Paulo César Pinheiro escreveu um comentário no encarte do mesmo LP: "Há muitos anos o Mauro cruzou com o Ataulfo Alves num botequim de Botafogo e mostrou esse samba ao mestre a fim de uma gravação sua. Ataulfo botou aquela mão enorme que ele tinha no ombro do malandro e disse: - ô mulato, o samba é grande. Mas vou te ser honesto. Se eu gravar, vão dizer que é meu. E ninguém vai falar de você. Mas garanto que um dia você grava. Ninguém vai desperdiçar uma maravilha dessa" ( e hoje esta é uma música que todos aqui no Japão pedem que eu cante, porque gostam demais).

Lama - Clara Nunes

Em 1977 Clara Nunes interpretou "Perdão" (c/ Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro), no LP "As forças da natureza, e no LP "Espelho", João Nogueira incluiu "Desengano", parceria de ambos, e "Samba do amor", esta última em parceria com João Nogueira e Gisa Nogueira. 
Em 1978 Vania Carvalho (irmã de Beth Carvalho) regravou "Lamentação" e João Nogueira gravou "Bate boca" (c/ Walter Nunes), no disco "Vida boemia".
Em 1979, no disco "Esperança", Clara Nunes gravou "Contentamento" (c/ Paulo César Pinheiro). Neste mesmo ano, no LP "Zumbido", Paulinho da Viola interpretou "Foi demais", parceria de ambos.

Em 1980 Noca da Portela, no disco "Mãos dadas", regravar "A alegria continua", e Clara Nunes incluiu no LP "Brasil mestiço" as composições "Coração em chamas" (c/ Elton Medeiros) e "Brasil mestiço, santuário da fé" (c/ Paulo César Pinheiro). 
Em 1981 Clara Nunes gravou com a participação especial da Velha-Guarda da Portela, a composição "Portela na avenida" (c/ Paulo César Pinheiro) e "Coroa de areia" (c/ Paulo César Pinheiro), enquanto Paulinho da Viola gravou "A M O R amor", parceria com Walter Nunes.

Portela na Avenida - Clara Nunes

Em 1982, Clara Nunes gravou "Serrinha" (c/ Paulo César Pinheiro), no LP "Nação".
Em 1983 Alcione, no disco "Alma & corações", interpretou, de sua autoria com Paulo César Pinheiro e João Nogueira, "Um ser de luz", em homenagem à Clara Nunes, morta naquele ano.
Em 1984, "Mangueira Estação Primeira" (c/ Paulo César Pinheiro), foi gravada também por Alcione.

Mangueira Estação Primeira - Alcione

Em 1985 gravou, com Cristina Buarque, um LP independente, "Cristina e Mauro Duarte", que contou várias músicas suas em parceria com Carlinhos Vergueiro, além de "A alegria continua", com Noca da Portela e outras em parceria com Maurício Tapajós, Walter Nunes e Paulo César Pinheiro. Nesse LP também foi gravada a única música de Paulo César Pinheiro em que a letra não é do poeta, e sim de Mauro Duarte, "Reserva de domínio", além de uma parceria com Cristina Buarque, interpretada por ela, "Deixa eu viver na orgia".
Alcione gravou, no LP "Fogo da vida", "Academia do Salgueiro" (c/ Paulo César Pinheiro). 

Ao lado de Chico Buarque, Paulinho da Viola, Beth Carvalho, João Bosco, Toquinho e Cristina Buarque, entre outros, participou do disco "Flores em vida", produzido por Carlinhos Vergueiro em homenagem a Nelson Cavaquinho, com lançamento na quadra da Mangueira, e fez turnê nacional para lançamento do disco com Cristina Buarque e internacional, na qual a dupla apresentou-se em Moçambique e Nicaragua, sendo que neste último país, a dupla apresentou-se também com a cantora Miúcha.
Em 1987 gravou um compacto duplo ao lado de Cristina Buarque, no qual interpretaram "Resgate" (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro), enquanto Alcione interpretou "Imperatriz Leopoldinense" (c/ Paulo César Pinheiro).

Em 1988 Alcione ainda interpretou "União da Ilha do Governador", da mesma dupla, que também compôs o samba-enredo que a Tradição desfilou naquele ano.
Em 1989, em uma coletânea de sucessos da cantora Clara Nunes, foram incluídas Canto das três raças" e "Portela na avenida", ambas em parceria com Paulo César Pinheiro, e em LP em homenagem a Paulo da Portela, interpretou em dueto com Cristina Buarque a faixa "Quem espera sempre alcança".

Serrinha - Clara  Nunes

Para tristeza de seus inúmeros amigos e parceiros, morreu repentinamente em 26 de agosto de 1989.
Como ator, participou dos filmes "Coração de Ouro", baseado na composição homônima de Elton Medeiros e Joacyr Santana e do filme "O Homem Nu", baseado na crônica de Fernando Sabino.
Em dezembro de 1998 foi criada a praça Mauro Duarte, em Botafogo, situada na confluência das ruas São Manuel e Fernandes Guimarães.
Em 1990 Cristina Buarque gravou "Marcha da saideira" (Mauro Duarte, Cristina Buarque e Lefê) para o disco "Bloco Carnavalesco Simpatia É Quase Amor - 5 anos de samba em Ipanema".

Em 1994 Cristina Buarque relançou o LP "Resgate", originalmente gravado em 1990 para o mercado japonês, onde foram incluídas as músicas "Volta para a minha companhia", "Violão amigo" (c/ Walter Nunes), "Eu pensei" (Délcio de Carvalho) e "Eu vou embora", as quatro músicas cantadas por Cristina Buarque e Walter Alfaiate, além de "Carioca da gema" (c/ Paulo César Pinheiro), interpretada por Cristina e Paulo César Pinheiro.
No mesmo ano foi lançado o CD "Homenagem a Mauro Duarte", reunindo gravações suas e de outros cantores interpretando suas músicas, entre eles Paulinho da Viola que cantou de autoria do homenageado as faixas "Cuidado, teu orgulho te mata", "Foi demais", "Lamentação" e "Reclamação", esta última um dueto de Paulinho da Viola e Mauro Duarte. 

Resgate - com Cristina Buarque

Em 1995 Paulo César Pinheiro produziu um disco-homenagem a Clara Nunes, "Clara Nunes Com vida", no qual foi incluída a música "Menino Deus", em dueto com a voz de Emílio Santiago.
No ano 2000 Alcione interpretou de sua autoria "Menino Deus" e "Canto das três raças", ambas em parceria com Paulo César Pinheiro, no disco "Claridade", homenagem à Clara Nunes.
Em 2001 Elton Medeiros interpretou "A maioria sem nenhum", parceria de ambos, no disco "1º Compasso".

Em 2002 foi lançado o disco "Clássicos do samba" (Elaine Faria, Dona Ivone Lara, Martinho da Vila e Jamelão), com Eliane Faria interpretando "Portela na avenida" (c/ Paulo César Pinheiro), enquanto Renato Braz lançou o CD "Quixote", no qual interpretou de sua autoria "Canto das três raças" (c/ Paulo César Pinheiro).
Em 2003 Walter Alfaiate lançou o CD "Samba na medida", disco no qual incluiu "A paixão e a jura" (c/ Paulo César Pinheiro) e "Isso um dia tem que se acabar" (c/ Noca da Portela) e Noca da Portela incluiu "Alegria continua" e "Sonho de criança", parceria de ambos, no disco "Noca da Portela - 51 anos de samba".

Walter Alfaiate, Noca da Portela e Elton Medeiros, prestaram homenagem ao amigo sambista em show no Centro Cultural José Bonifácio, na Gamboa, centro do Rio de Janeiro e Eliane Faria, no disco "Alma feminina", regravou "Menino Deus", enquanto Renato Braz regravou "Menino Deus" e Elton Medeiros "Lama", ambas no CD "Um ser de luz - saudação à Clara Nunes".
No ano de 2005 Walter Alfaiate lançou um CD em sua homenagem, somente com composições do sambista, onde incluiu várias composições inéditas cedidas por Cristina Buarque e Paulo César Pinheiro, além de seis parcerias de Walter e Mauro, destancando-se "Nossos esforços" (c/ Paulo César Pinheiro), "Fonte dos amores" (c/ Walter Alfaiate e Wilson Moreira), "Lenha na fogueira" (c/ Paulo César Pinheiro), "Arroz e feijão" (c/ Walter Alfaiate), "Vila" (c/ Paulo César Pinheiro) e ainda "Vem ver, João" e "Jeito do cacimbo", além da única não inédita, "Falsa euforia", anteriormente gravada pelo grupo Família Roitman.

Um Ser de Luz - João Nogueira


Em 2008 Cristina Buarque e o grupo Samba de Fato (Pedro Amorim: Bandolim; Alfredo Del Penho: Violão de 7; Paulinho Dias e Pedro Miranda; pecussão e vozes) lhe prestaram homenagem lançando o CD "O samba informal de Mauro Duarte". No disco foram incluídas "Falou demais" (c/ João Nogueira e Paulo César Pinheiro) e várias parcerias com Paulo César Pinheiro, entre elas "Lenha na fogueira", "Reza, meu bem", "Samba de botequim" e "Sublime primavera" (interpretada por Paulo César Pinheiro no CD). Também foram incluídas no disco, parcerias de Mauro Duarte com Élton Medeiros, Walter Alfaiate e Maurício Tapajós.

Lenha na Fogueira - Cristina Buarque (vozes PCPinheiro e Mauro Duarte)


Entre seus parceiros estão Paulinho da Viola, Dona Ivone Lara, Elton Medeiros, Noca da Portela, Maurício Tapajós, Hermínio Bello de Carvalho, Carlinhos Vergueiro, Rubem Tavares, Lefê e Cristina Buarque.
Suas músicas foram gravadas por vários artistas da MPB: "Maria das Dores" (MPB4); "A maioria sem nenhum" (Elton Medeiros); "Se o carnaval chegar" (Cyro Monteiro, Doris Monteiro, Os Cinco Crioulos); "Quanta dor" (Os Cinco Crioulos); "Lamentação" (Paulinho da Viola, Elizeth Cardoso, Germano Batista) e "Sons de mim" (Elza Soares), "Falsa euforia" (Família Roitman), "Sapato mole" (Quarteto em Cy), "Nunca mais" (Roberto Ribeiro), entre outros.



quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

GRAMOPHONE DO HORTÊNCIO

Por Luciano Hortêncio*




Canção: Me leva seu presidente

Composição: José Rosas

Intérprete - Jorge Veiga

Ano - Junho de 1958

Álbum - Copacabana 5.907-B



* Luciano Hortêncio é titular de um canal homônimo ao seu nome no Youtube onde estão mais de 10.000 pessoas inscritas. O mesmo é alimentado constantemente por vídeos musicais de excelente qualidade sem fins lucrativos).

PROGRAMA ENSAIO - SPOK ORQUESTRA FREVO

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

AFOGAMENTO (GILBERTO GIL E ROBERTA SÁ)

QUAL A IMPORTÂNCIA DAS CAPAS DE DISCOS PARA ALÉM DA MÚSICA

Por Aïcha de Figueiredo 


Esta pesquisa, realizada na PUC do Rio de Janeiro, investiga a relação entre a música e a cultura visual nos séculos 20 e 21. A autora recupera discos antigos e mostra como as capas agregam sentido a cada obra e são importantes na maneira como se produz música até hoje, mesmo após o declínio da venda dos cds. Entre as conclusões, a pesquisadora destaca que o aspecto visual é um dos elementos que compõem as práticas do artista para além da música, e que as capas também ajudam a mostrar questões visuais de cada época.


A que pergunta a pesquisa responde?

A pesquisa defende a ideia de que as capas de disco contribuem para a construção de um sentido musical, enriquecendo o processo estético do fruidor. Os anos 1950 foram essenciais para firmar a capa como elemento primordial para o disco. Foi quando artistas plásticos e fotógrafos penetraram no mercado das gravadoras, vendendo seus talentos e experimentando concepções visuais inovadoras. Assim, a tese procura mostrar que as capas foram locus privilegiado e fértil para diversos fotógrafos e artistas plásticos consagrados se expressarem em escala industrial. Entender a capa para além da simples ilustração é compreendê-la não só como invólucro ou objeto de design, mas principalmente como objeto artístico, tão importante quanto o conteúdo do disco. Estão em foco neste trabalho dois aspectos que se complementam: a capa como campo de experimentação plástica e a capa como suporte para o retrato do sujeito, no sentido restrito de portrait, que se vincula ao gênero pictórico secular. Um exemplo que conjuga estes aspectos é "FA-TAL", disco de Gal Costa de 1971.


Por que isso é relevante?

É relevante pois apesar do ressurgimento material do vinil, ainda há pouca produção de pensamento crítico sobre as capas fora do campo do design. Houve uma tomada de consciência da importância dos discos e das capas como icônicas. Contudo, geralmente eles são inseridos na história da música menos por sua visualidade que por sua sonoridade, ainda que haja reconhecimento estético. Uma vez que se entende o álbum como a junção disco e invólucro, contendo texto e imagem, fica evidente que, a partir dos anos 1950, abriram-se caminhos para pensá-lo como uma possibilidade de forma artística total da contemporaneidade. O disco, ao mesmo tempo que está inscrito na duração de sua audição, é materializado no espaço pela sua capa. O álbum envolve, portanto, diferentes linguagens, distintos sistemas de códigos: é, em suma, mais que um simples suporte. Embora o disco em sua forma física não tenha mais a presença que tinha, a noção de álbum e a importância de seu aspecto visual ainda estão presentes na maneira como se concebe e produz música hoje. Por isso, é importante voltar às capas do passado, para tentar entender o seu lugar em nossa cultura visual e musical.




Resumo da pesquisa

"Capas de disco: modos de ler" busca chaves de leitura para compreender a relação entre a música e a cultura visual no século 20 e 21. Ao deslocar o objeto de uma discoteca, seu espaço tradicional de fruição musical, e trazê-lo para o campo dos estudos culturais, uma infinidade de leituras se apresenta. As capas são uma forma de arte muito particular, analisá-las é fundamental para entender as diversas formas em que seus mecanismos operam. A música é, por sua vez, um instrumento importantíssimo para entender a cultura visual de forma mais ampla. Este trabalho se vale de ferramentas do campo da história da arte e de outros dispositivos analíticos interdisciplinares para explorar as imagens e sua potência. O argumento central da tese defende a ideia de que as capas contribuem para a construção de um sentido musical, enriquecendo o processo estético do fruidor. Foi a partir dos anos 1950 que artistas plásticos e fotógrafos penetraram no mercado das gravadoras, experimentando concepções visuais inovadoras em capas. Procura-se mostrar que as capas foram locus privilegiado e fértil de expressão para fotógrafos e artistas plásticos consagrados trabalharem em escala industrial.


Quais foram as conclusões?

Não obstante o declínio do CD, a indústria do vinil voltou a crescer com força. O retorno – talvez nostálgico – do vinil ainda traz artistas preocupados com a concepção total de sua obra. Para eles, a capa de disco é tão importante quanto o próprio disco – ou, melhor dizendo, não é possível, em muitos casos, separar um do outro. É um elemento que trabalha em harmonia com diversos outros elementos que compõem as práticas do artista para além da música. É um espírito do tempo similar que move os audiovisuais de Andy Warhol como o “Exploding Plastic Inevitable”, com o Velvet Underground, ou as Cosmococas, de Hélio Oiticica e Neville d’Almeida, nas quais projeções de slide se conjugam com a música de Jimi Hendrix e Luiz Gonzaga. A tese revela que a capa é um campo que não só reflete a visualidade de cada época, como também provoca, por meio de seus projetos gráficos, leituras culturais de um dado momento na carreira do artista. Adaptando a afirmação do pintor Paul Klee, a arte de uma capa não reproduz o visível, ela torna visível. Isto é, ela coloca em evidência a influência da visualidade poética, que, de outra maneira, não estaria ressaltada.


Quem deveria conhecer seus resultados?

Pesquisadores e público leigo interessados em música popular, artes plásticas e fotografia. Aïcha de Figueiredo Barat tem graduação e mestrado em história da arte contemporânea pela Paris I - Panthéon Sorbonne. É doutora em literatura, cultura e contemporaneidade pela PUC-Rio.

Referências:

KLEE, Paul. Teoría del arte moderno. Buenos Aires: Ediciones Caldén, 1979. 
GARRAMUÑO, Florencia. Frutos estranhos: sobre a inespecificidade na estética contemporânea. Rio de Janeiro: Rocco, 2014.
COSTA, Gal. FA-TAL – Gal a todo vapor. Rio de Janeiro: Phillips, p1971. 1 disco sonoro.

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*



Noite do prazer

"Noite do prazer", de Claudio Zoli, Paulo Zdanowski e Arnaldo Brandão, é uma dessas canções que marcam épocas: períodos cíclicos. Basta o verão chegar e pronto "Noite do prazer" invade rádios, praias e imaginações, emoldurando acontecimentos. É um dos temas oficiais (e intuitivos) da estação de mar e sol.
Com clima gostoso e swingado, cheia de tesão no ar, toda se ardendo para o ouvinte, a canção foi lançada pela banda Brylho, em 1983. Desde então, já foi regravada algumas vezes, e na maioria por um de seus autores, um dos desbravadores do soul no Brasil: Claudio Zoli.
A letra é bem direta, fala das badalações de uma noite quente de verão, em que o objetivo do sujeito é sentir "a energia que emana de todo prazer". Mais solar e tropical impossível.
Brindes ao destino, conspirações astrológicas e (certa) vontade de que os encontros continuem "depois que a festa acabar" desenham a atmosfera sensual da canção. A força que o sujeito sente por dentro está nas filigranas da canção. Ou seja, ele imprime no canto a potência de "caça" que lhe vai no íntimo.
O sujeito é um militante do desejo: do indivíduo que se joga, sem pecado e sem juízo, à conquista, na busca dos benefícios do prazer. Ele guarda em si os instintos do flâneur e do voyeur: transita e olha, sente e traduz, no canto, a energia que emana dos corpos das personagens que compõem a cena.
A canção fotografa as imagens permissivas que só uma noite (do prazer), quente como as noites quentes do verão, pode oferecer. A citação do blues ("tocando B. B. King sem parar") ajuda a montar o quadro, pois figurativiza o ritmo dos corpos em direção ao roçar dos prazeres.
As experiências das possibilidades e manifestações físicas do prazer ficam sugeridas, invadem o campo do imaginário do ouvinte que, convidado, invade a festa e beija a vida.


***

Noite do prazer 
(Claudio Zoli / Paulo Zdanowski / Arnaldo Brandão)

A noite vai ser boa
De tudo vai rolar
De certo que as pessoas
Querem se conhecer
Olham e se beijam
Numa festa genial

A madrugada, a vitrola
Rolando um blues
Tocando B. B. King sem parar
Sinto por dentro uma força
Vibrando uma luz
A energia que emana
De todo prazer

Prazer em estar contigo
Um brinde ao destino
Será que o meu signo
Tem a ver com o seu?
Vem ficar comigo
Depois que a festa acabar





* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".

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