terça-feira, 26 de dezembro de 2017

ROBERTO MULLER: "HOJE EU ACEITO TUDO O QUE DEUS MANDA PRA MIM"

Cantor de muito sucessos, hoje ele vive de dois salários mínimos

Por José Teles

Roberto Muller, entre espumas


O apartamento é modesto, no térreo de um edifício caixão, no Ipsep, bairro da Zona Sul do Recife. Logo à entrada, uma estante recheada de troféus, discos de ouro, medalhas. As paredes da sala, do corredor e de dois quartos estão cobertas por fotos emolduradas. Não cabe tudo ali dentro. Na área externa, um puxado, com vaga para um carro, protegida por grades, abriga mais lembranças: partituras, recortes de jornais e revistas, toda vida artística do dono.

Ali, naquele pequeno museu, mora o piauiense José Ribamar da Silva, 80 anos, nome artístico: Roberto Muller, um dos cantores mais populares do País entre os anos 60 e 70. As fotos espalhadas pelas paredes do apartamento mostram o piauiense ao lado de uma Gretchen em plena forma, nos ano 70, com Chacrinha, em cujo programa recebeu discos de ouro, com Agnaldo Timóteo, e Jerry Adriani, de quem foi amigo. Naturalmente, não faltam fotos em solenidades com prefeitos, com o presidente José Sarney, a governadora Roseana Sarney, a lista é extensa.

Roberto Muller, que ganhou o epíteto de Pingo de Ouro, por medir 1,53 de altura, namorou estrelas do rádio, entre elas Clara Nunes, Elza Laranjeira, e outras que a memória não ajuda a lembrar. A maioria dos que o vêm passar numa cadeiras de rodas, conduzida por Dagmar Pereira, sua mulher, não o reconhece ou não sabe de quem se trata. No entanto, todos, com raras exceções, identificarão, nos primeiros versos, um de seus maiores sucessos, Entre espumas (Luis Marquetti):

“Uma noite, sentou-se em minha mesa/e entre tragos lhe dei todo o meu amor”, um bolero, com letra trágica de tango, que o Brasil escuta há 49 anos. Um hit que estourou entre o ocaso da Jovem Guarda e a eclosão da Tropicália, em 1968: “Não foi o meu maior sucesso, mas foi a que mais me deu dinheiro”, diz Muller. Embora o tropicalismo tenha incursionado pelo bolerão, foi exatamente depois do aguçado senso crítico de Caetano Veloso & cia. que cantores como Roberto Muller ganharam o rótulo de brega. Seu período de fausto, de total apoio de gravadora acabaria em 1971, quando deixou a CBS.


A FÃ


Roberto Muller ficou com o movimento das pernas prejudicados depois de um AVC. Dez dias atrás teve um princípio de infarto. Os convites para shows são escassos, muita gente imagina que tenha falecido. Em 2010, uma publicação piauiense, sobre personalidades nascidas no Estado, o deu como morto em 1973. Roberto Muller processou o Estado do Piauí. Isto aconteceu há sete anos, ele não tem ideia do andamento do processo.

As milhares de fãs que o assediavam no auge da carreira, no cotidiano, estão resumidas a uma única delas. A citada Dagmar Pereira, paraibana de Queimadas, que está na vida de Roberto Muller há 23 anos. Por 45 anos, ela foi divulgadora de discos, estima que trabalhou com 300 artistas no tempo em que as gravadoras funcionavam a todo gás. Mas fã para valer foi e ainda é de apenas um artista: Roberto Muller, desde quando ele frequentava as paradas de sucesso: “Só consegui conhecer ele pessoalmente em João Pessoa, em 28 de março de 1995, no programa de Jota Ferreira, não é o daqui, este é de lá da Paraíba, na TV Meio Norte”, conta Dagmar.

Nessa época o cantor estava casado, ela se tornou sua secretária. Há seis anos, quando ele enviuvou, tornouse sua mulher. Dagmar cuida do ídolo e marido 24 horas por dia. Não apenas da pessoa, mas da memória dele. Sabe dos detalhes dos objetos que guarda em casa, tem na ponta da língua a trajetória e tudo que ele que gravou, mais de 70 discos. Direito autoral? “Zero, vírgula zero. Da Polydisc recebi seis meses atrás R$ 170. Da editora Socimpro faz seis meses que não recebe nada. Ele recebe a pensão do governo, um salário do INSS e mais outro salário pago pela UBC. Vivemos de doações de amigos. Roberto criou dez filhos e oito netos. Os filhos que querem ajudar não podem, e os que podem não ajudam”, revela Dagmar.



INÍCIO

José Ribamar da Silva nasceu, em 1937, em Piracuruca, no Piauí, mas aos três anos já morava em São Luís, no Maranhão. Sua ascensão aconteceu conforme a cartilha da época. Adolescente, participava de programas de calouros nas emissoras da capital maranhense. Em 1953, já era um nome estabelecido, pelas participações na Rádio Timbira, depois na Rádio Difusora. Muita gente o incentivava a ir para o Rio, onde estavam as grandes oportunidades e onde chegou em 1959.

O sucesso não lhe veio de imediato, mas gravou o primeiro disco mais rápido do que esperava. Um encontro com José Bartolomeu, um conterrâneo, que dirigia um pequeno selo fonográfico, o Magistral, levou Roberto Muller a estrear um 78 rotações. O disco não fez sucesso, o que quase causou sua volta a São Luís.

“Caitituar” era uma expressão muito usada no mercado do disco. Significava a ida do artista ou divulgador aos programas de rádio, a fim de convencer os apresentadores a tocar determinada música: “Se não era conhecido do público, pelo menos ia fazendo amigos em emissoras de rádio e TV, o que foi bom, porque alguns amigos me deram chance de ganhar cachês”, contou Muller, em 1964, em sua primeira grande entrevista à Revista do Rádio, a mais importante publicação especializada da época.

Ele esperava o resultado de testes feitos na Chantecler e Odeon, quando os compositores Elias Soares e Sebastião Rodrigues o levaram a Astor Silva, maestro da CBS. Um teste rápido e o cantor passaria a circular pelos subúrbios cariocas, e cidades vizinhas como crooner da orquestra de Astor Silva. Uma adolescente mineira chamada Wanderléa também era crooner da orquestra:

“A gente cantou juntos, ou revezava, eu cantava quando ela não podia ir”, lembra Roberto Muller. Logo ele seria contratado pela CBS, e conviveria não apenas com a futura rainha da Jovem Guarda, mas também com o Rei Roberto Carlos, e parte da nobreza do iê-iê-iê – Jerry Adriani e Renato Barros, dos Blue Caps, foram dois deles. Roberto Muller contesta a versão de que a jovem guarda teria escanteado o bolerão do mercado, como fez com o forró:

“Isto não aconteceu, continuei fazendo sucesso, muitas vezes cantei com o pessoal da Jovem Guarda, nas caravanas musicais de Chacrinha, com quem sempre me dei muito bem. Se tive problemas na época foi com a censura, que cismou com Mulher de Cabaré e Colecionador de Chifres”, lembra ele.



DINHEIRO

Na citada entrevista à Revista do Rádio, Muller revela que os dois 78 rotações iniciais para a CBS garantiram o sucesso da primeira turnê pelo Norte e Nordeste: “Retornei ao Rio em situação muito diferente, tinha inclusive dinheiro em banco para garantir qualquer adversidade”. E dinheiro no banco, durante muitos anos, não faltou ao cantor, conhecido “mão fechada”, que investia parte do que ganhava em estabelecimentos comerciais no Maranhão.

Foi dono de várias casas (para alugar), de bares, restaurantes, mercearia, teve até uma fábrica de sabão e, por último um posto de gasolina. Católico fervoroso, quando emplacou nas paradas do País inteiro com Nunca mais Brigarei Contigo (Elias Lourenço/Sebastião Rodrigues), em 1964, Roberto Muller foi à cidade natal pagar uma promessa: varreu a igreja de N. S. do Carmo, onde foi batizado, depois de que foi celebrada uma missa de ação de graças.

Mais de cinco décadas depois, na cadeira de rodas, no apartamento no Ipsep, ele é de um estoicismo pungente: “A vida é assim, a família era grande e a gente tinha que dar cobertura, nunca deixei de ajudar a família. Hoje eu aceito tudo que Deus manda pra mim”.

O radialista Geraldo Freire, no seu programa Supermanhã, na Radio Jornal, e os fãs do cantor na associação Rota do Forró, iniciaram uma campanha para ajudar o cantor, que está recebendo doações, com depósitos numa conta aberta em nome de José Ribamar da Silva, no Banco do Brasil, agência 3258-1, conta-corrente 21719-0, CPF 230.494.997-53.

Está se preparando também um show beneficente em prol de Roberto Muller, que com participações de grandes nomes da música popular, ainda sem data confirmada.

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