PROFÍCUAS PARCERIAS

Gabaritados colunistas e colaboradores, de domingo a domingo, sempre com novos temas.

ENTREVISTAS EXCLUSIVAS

Um bate-papo com alguns dos maiores nomes da MPB e outros artistas em ascensão.

HANGOUT MUSICARIA BRASIL

Em novo canal no Youtube, Bruno Negromonte apresenta em informais conversas os mais distintos temas musicais.

sábado, 31 de outubro de 2020

ALMANAQUE DO SAMBA (ANDRÉ DINIZ)*

Resultado de imagem para ALMANAQUE DO SAMBA



Gonzaguinha

“Eu acredito é na rapaziada
que segue em frente e segura o rojão
Eu ponho fé é na fé da moçada
que não foge da fera e enfrenta o leão
Eu vou à luta com essa juventude
que não corre da raia a troco de nada
Eu vou no bloco dessa mocidade
que não tá na saudade e constrói
a manhã desejada”
GONZAGUINHA, “E vamos à luta”


Filho adotivo do “Rei do Baião”, Luiz Gonzaga, Gonzaga Jr. – ou Gonzaguinha – trilhou caminho próprio na história da MPB. Criado no morro de São Carlos, sua verdadeira escola, desceu de lá com a licença de sua mãe, Dina, “pegou um sonho e partiu/ pensando que era um guerreiro/ com terras e gente a conquistar...”
Apesar da forte presença do pai em sua vida musical, Gonzaguinha só demonstrou essa proximidade em suas primeiras composições. Sua formação é heterogênea: desde pequeno, ouvia melodias portuguesas, Lupicínio Rodrigues, Jamelão, muito Gilberto Gil e Milton Nascimento. Ele mesmo afirmava, sobre suas ascendências musicais: “Quando é uma boa influência, me encosto mesmo. Se fosse tão simples assim, eu estaria tocando sanfona e fazendo baião, igual ao meu pai. Quer influência mais próxima?”
Ao contrário de muitos de seus contemporâneos, Gonzaguinha foi um compositor solitário. Alguns de seus raros parceiros foram Luiz Gonzaga, Capinam e Miltinho. Suas letras desnudam a realidade, sempre atentas às dificuldades do cotidiano, à violência, aos conflitos urbanos, à liberdade de expressão e à justiça social. Formado na geração dos festivais, Gonzaguinha engrossou o coro daqueles que combatiam a ditadura militar. Sua música faz uma crítica, às vezes raivosa, aos dissabores políticos do seu tempo. Mas, com o decorrer dos anos, as letras passaram a expor também seu lado romântico, alegre, e sua crença em um futuro melhor.
Gonzaguinha é daqueles compositores que não figuram com freqüência nas enciclopédias do samba. Mas onde mais se encaixariam as composições “Com a perna no mundo”, “Deixa disso e vamos Nelson”, “O homem falou”, “Comportamento geral”, “Um sorriso nos lábios” e, principalmente, “O que é, o que é?”? Não pode ficar fora do universo do samba um compositor que arrastou toda uma geração, na década de 1980, cantando: “Viver, e não ter a vergonha de ser feliz/ cantar (e cantar e cantar)/ a beleza de ser um eterno aprendiz/ eu sei que a vida devia ser bem melhor e será/ mas isso não impede que eu repita/ é bonita, é bonita e é bonita...”


Toquinho

“Um velho calção de banho, o dia pra vadiar
um mar que não tem tamanho, e um arco-íris no ar
Depois, na praça Caymmi, sentir preguiça no corpo
e numa esteira de vime, beber uma água de coco
É bom passar uma tarde em Itapoã
ao sol que arde em Itapoã...”
VINICIUS DE MORAES e TOQUINHO, “Tarde em Itapoã”

O campinense Paulinho Nogueira é um dos grandes instrumentistas da música brasileira; seu didatismo, técnica e extraordinária capacidade de combinar harmonia e ritmo influenciaram uma legião de violonistas. Antônio Pecci Filho, conhecido desde a infância pelo apelido carinhoso de Toquinho, teve o privilégio de ser um dos alunos de Paulinho. Algumas décadas depois, o menino Toquinho despontaria na música brasileira e ganharia fama internacional.
O aprendizado com os mestres Paulinho, Baden Powell, Léo Peracchi e Oscar Castro Neves, além de seus sistemáticos estudos, puseram o violonista Toquinho entre os melhores de sua geração. A técnica apurada pode ser comprovada no LP solo O violão de Toquinho, de 1966, em que mostra seu virtuosismo até na gravação de “Allemande”, de Bach.
Apesar do começo de carreira como instrumentista, gravando discos solo e acompanhando cantores como Nara Leão, Sylvia Telles e Alaíde Costa, Toquinho ficaria mais conhecido por suas parcerias musicais.
A primeira melodia de Toquinho a receber letra foi a canção “Lua cheia”, em parceria com Chico Buarque e gravada por este em 1967. Um ano depois, Toquinho compôs com o conterrâneo Paulo Vanzolini a música “Boca da noite”, que conquistou o oitavo lugar na fase nacional do III Festival Internacional da Canção.
O primeiro grande sucesso veio da parceria com Jorge Ben (à época sem o Jor). Em “Que maravilha” já aparece uma leve pitada de paixão que faria parte de algumas de suas composições: “Lá fora está chovendo/ mas assim mesmo eu vou correndo/ só para ver o meu amor...” “Escravos da alegria”, com Mutinho, mantém o mesmo espírito: “Ando escravo da alegria/ hoje em dia, minha gente, isso não é normal/ Se o amor é fantasia/ eu me encontro ultimamente em pleno carnaval...”
Com o poetinha Vinicius, Toquinho sedimentaria a mais produtiva e duradoura parceria de sua carreira: ao todo foram 11 anos, com cerca de 120 canções, 25 LPs lançados no Brasil e no exterior e mais de mil shows em palcos brasileiros, europeus e latino-americanos.
Já no final da década de 1960, a dupla ficou conhecida no circuito universitário. Com o movimento estudantil fervilhando de idéias políticas e ações culturais, Toquinho e Vinicius botaram o pé na estrada, nem sempre nas melhores condições de conforto (para dizer o mínimo): comiam em lugares bem simples, repousavam em hotéis de quinta categoria, tocavam em palcos mal iluminados e com equipamentos de som de pouca qualidade. O esforço era recompensado durante as apresentações que, para os muitos artistas que percorriam esse circuito, eram um misto de prazer, atitude política e revigoramento espiritual. 
Boa parte das composições da dupla está eternizada em gravações e também em nossa memória musical. Entre tantas outras, destaco “Regra três” (“Tantas você fez que ela cansou/ porque você, rapaz/ abusou da regra três/ onde menos vale mais...”); “Tarde em Itapoã”; “Carta ao Tom 74” (“Rua Nascimento e Silva, cento e sete/ você ensinando para Elizete/ as canções de Canção do amor demais...”); e, finalmente, o magnífico “Samba da volta” (“É verdade, eu reconheço, eu tantas fiz/ Mas agora, tanto faz/ o perdão pediu seu preço, meu amor/ Eu te amo e Deus é mais...”).
Toquinho fez shows antológicos com Tom, Vinicius e Miúcha, como o do Canecão, no Rio de Janeiro, em 1977, que mantém até hoje o recorde de público e duração da casa. Produziu mais de 40 discos cantando e tocando. Em 1999, selou sua relação com o samba, após o lançamento do CD ao vivo Sinal aberto, com Paulinho da Viola.
“Construir acordes e harmonias, fazer música e poesia” – trecho de “Minha profissão” – é o ofício que fez do artesão Toquinho uma das referências para a história da música brasileira.





* A presente obra é disponibilizada por nossa equipe, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo.

VIDA QUE SEGUE (NICO REZENDE)



sexta-feira, 30 de outubro de 2020

UM CAFÉ LÁ EM CASA

Por Nelson Faria


ANTONIO ADOLFO HOMENAGEIA MILTON NASCIMENTO NO DISCO 'BRUMA'

Compositor e arranjador gravou releituras de sucessos de Bituca, como 'Canção do sol', 'Fé cega e faca amolada' e 'Tristesse'

Por Mariana Peixoto


Foi no Festival Internacional da Canção (FIC) de 1967, aquele que consagrou Milton Nascimento como intérprete (sua Travessia, parceria com Fernando Brant, levou o segundo lugar), que Antonio Adolfo o conheceu. O pianista, compositor e arranjador carioca também participou do evento. No ano seguinte, os dois fizeram uma temporada juntos no Teatro Santa Rosa, no Rio. Adolfo, com grupo Trio 3-D, dividiu o palco com Milton e Marcos Valle.

Houve outros encontros ao longo desses 53 anos. BruMa – Celebrating Milton Nascimento, novo álbum de Adolfo, de 73 anos, vem homenagear a música do cantor e compositor de Três Pontas. São nove faixas instrumentais rearranjadas por ele, gravadas em cinco dias por um supertime de músicos: Cláudio Spiewak, Lula Galvão e Léo Amuedo (guitarras), Jorge Helder e André Vasconcellos (contrabaixo), Rafael Barata (bateria/percussão), Dadá Costa (percussão), Jessé Sadoc (trompete/flugelhorn), Marcelo Martins (flauta contralto/sax-tenor), Danilo Sinna (sax-alto) e Rafael Rocha (trombone).


FILHA
Entre as faixas estão Fé cega, faca amolada, Nada será como antes, Canção do sal, Encontros e despedidas, Tristesse e Cais. Adolfo já vinha há alguns anos intensificando seu trabalho sobre a obra de Milton. Em 2012, produziu o álbum de sua filha, Carol Saboya, com músicas de Milton e Ivan Lins.

“Foi naquela época, quando fiz os arranjos do disco, que conheci Tristesse, dele com o Telo Borges. Fiquei apaixonado. A partir dali comecei a me ligar mais proximamente na música do Milton. Como arranjador e músico, passei a ver as possibilidades harmônicas e rítmicas de sua obra”, conta Adolfo.

Porém, o álbum só veio se concretizar agora, depois de muito estudo das partituras. Para chegar ao repertório final, Adolfo trabalhou em pelo menos 30 canções. “Trabalhando, você se torna quase um parceiro naquela música. Escrevi os arranjos na concepção que tenho usado nos meus últimos discos: sopros, baixo, guitarra, bateria e percussão.”

Adolfo gravou Fé cega, faca amolada sob influência das quadrilhas, enquanto Encontros e despedidas ganhou referência de guarânia. “Em Caxangá, coloquei um ijexá baiano, e em Três Pontas, como me lembrei de como o Milton sempre foi apaixonado por trens, coloquei o ritmo de um trenzinho.”

O disco foi gravado aos 45 do segundo tempo, ele diz. Em março, Adolfo se reuniu com o time de instrumentistas no estúdio Nas Nuvens. À exceção do naipe de sopros, que se encontrou com ele na semana anterior ao registro, não houve outros ensaios. A gravação foi ao vivo. “Quando você grava com os melhores, não pode ficar repetindo. Quando eles chegavam no estúdio, a gente passava a música três vezes e depois gravava.”

Os trabalhos terminaram às vésperas do início do isolamento social. “No último dia, lembro-me de a gente saindo do estúdio já sem nenhum trânsito”, revela. O título, BruMa, é homenagem às cidades de Brumadinho e Mariana, atingidas por tragédias ambientais recentemente.

Há 14 anos dividindo-se entre o Rio de Janeiro e Hollywood, na Flórida, Adolfo está no Brasil desde o início do ano por causa da pandemia. “Prefiro ficar aqui com a família toda. Estou também dando uma força para minha escola”, conta, referindo-se ao Centro Musical Antonio Adolfo, que fundou há 35 anos e conta com três unidades no Rio de Janeiro.


ON-LINE
“Há uns cinco anos, já achava que deveria haver aulas on-line. Agora tivemos de fazer assim mesmo, e está funcionando bem”, diz ele, que há uma década não atua como professor.

“Venho lançando um disco por ano para compensar o tempo em que fiquei mais dedicado à escola. Foram uns 10 anos sem álbum novo”, acrescenta Adolfo, conhecido por ser o primeiro brasileiro a assumir todas as etapas da produção de um álbum. O LP Feito em casa (1977) é considerado o primeiro disco independente do Brasil. (MP)


CORAÇÃO AMERICANO
Lançado em 2008, o livro Coração americano – Bastidores do álbum Clube da Esquina, organizado pela produtora cultural e educadora Andréa Estanislau, ganhou segunda edição, revista e ampliada. O volume reúne fotos inéditas e textos de Fernando Brant, Márcio Borges, Ronaldo Bastos, Lô Borges, Tavito e Toninho Horta, entre outros. Neste sábado (8), a partir das 20h, será disponibilizado nas redes sociais do Circuito Municipal de Cultura bate-papo da autora com a cantora Bárbara Barcellos, que acompanhou Milton na turnê Semente da terra (2017-2019). Informações sobre o livro: www.coracaoamericano.com.br.


BruMa – CELEBRATING 
MILTON NASCIMENTO
. Álbum de Antonio Adolfo
. AAM Music/Rob Digital
. 9 faixas
. Disponível nas plataformas digitais

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

GRAMOPHONE DO HORTÊNCIO

Por Luciano Hortêncio*





Canção: Amor de mãe

Composição: Cícero Nunes

Intérprete - Jamelão

Ano - Abril de 1961

Disco - 
Continental 17.874-A


* Luciano Hortêncio é titular de um canal homônimo ao seu nome no Youtube onde estão mais de 10.000 pessoas inscritas. O mesmo é alimentado constantemente por vídeos musicais de excelente qualidade sem fins lucrativos).

GINGE - QUALQUER UM SABE FAZER SHOEGAZE (CLIPE OFICIAL)

 

Videoclipe da quarta faixa do EP Pré-Jogo, da banda Ginge. Dirigido por Felipe Soares e Ingrid Abreu. Música: Vitor Brauer - vocal principal e bateria Bruna Vilela - guitarra e backing vocal Fernando Motta - guitarra e backing vocal Marcela Lopes - baixo e backing vocal Mixado por Fernando Bones Masterizado por Vitor Brauer Instagram: http://www.instagram.com/gingebh Twitter: http://www.twitter.com/gingebh Bandcamp: http://ginge.bandcamp.com Spotify: https://open.spotify.com/album/4UHxA2... Deezer: https://www.deezer.com/album/157189912 iTunes: https://music.apple.com/br/album/pr%C... Letra: Dizem que os videntes podem ver A cor do tempo e ela é azul Nós dois sabemos que os corpos se atraem De formas misteriosas Se riscam por linhas tortas Não, não sou de gêmeos Mas se o cosmos te faz bem Me diz que mal que tem Às vezes nossas conversas Vão pra lugares estranhos Longe da América do Sul Já programávamos festas Correndo pela cidade Eu lembro que pensei Que merda, lá vou eu me apaixonar Qualquer um pode tocar um jazz Por que você não chega e diz Alguma coisa que eu já não sei? Tá estampado na sua cara Que você é uma tigresa Na pele de uma leoa Do ventre até as costas Desabrocham listras tortas E você sempre sai à francesa Do Senna, Prost é refém Numa conversa à toa Você pergunta do tempo Eu penso “o tempo sou eu O tempo faz o que convém O tempo rosna e chora” Você pergunta “e aquela música?” Eu encaro seu vestido azul Vislumbro uma linha racional Do inferno até o firmamento Nós sabemos bem Qualquer um sabe fazer shoegaze

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

BAÚ DO MUSICARIA




A exatamente dez anos, esta era uma das matérias que estava sendo publicada em mês como este em nosso espaço:



Link para relembrar a matéria:

LIVE - GAL 75 ANOS

terça-feira, 27 de outubro de 2020

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*


Brasil pandeiro

É uma pena que nenhum dos componentes do Novos Baianos tenha dado continuidade ao som (a mistura de instrumentos e a pesquisa de ritmos) que o grupo lançou. Solo, cada um seguiu (ou abriu) trilhas sonoras diferentes. Mas isso, afinal, só adensa a força dos discos da turma.
Reza a lenda que foi de João Gilberto e ideia de o Novos Baianos relançarem "Brasil pandeiro", samba de 1941, de Assis Valente. O samba que canta o Brasil como a vértice e o motor da energia dançante do mundo abre o segundo disco do grupo: Acabou Chorare (1972).
O disco até hoje é fonte de pesquisa e de inspiração, para músicos e cantores. As referências a certa musicalidade mais declaradamente nacional e tropical - sem pecado e sem juízo porque abaixo do Equador - são as marcas do disco.
"Brasil pandeiro" auxilia o projeto do Novos Baianos no desejo de louvar as misturas brasileiras e de mostrar como tais misturas simbolizam e significam o país. "Brasil pandeiro", finda sendo uma resposta carnavalizada ao olhar exótico de tio Sam sobre nós: se ele dá as regras econômicas, nós damos o motivo da alegria. E o samba (dessa gente bronzeada) é a melhor resposta da nossa identidade cordial: nosso valor.
Se na década de 1940 o samba despertou o interesse dos norte-americanos através de Carmen Miranda (que recusou gravar "Brasil pandeiro"), o Novos baianos mostra que o encanto do estrangeiro sobre nosso estranho jeito de ser e viver continua.
Os arranjos de craviola de Pepeu Gomes, os vocais de Baby Consuelo, Paulinho Boca de Cantor e Moraes Moreira dão ao samba de Assis Valente sofisticação e atitude exatas para apresentar um povo que pede ajuda à padroeira, prova do molho da baiana, se deixa iluminar pelos terreiros e faz batucada.


***

Brasil pandeiro
(Assis Valente)

Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor
Eu fui na Penha, fui pedir à Padroeira para me ajudar
Salve o Morro do Vintém, pendura a saia eu quero ver
Eu quero ver o tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar

O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada
Anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato
Vai entrar no cuzcuz, acarajé e abará.
Na Casa Branca já dançou a batucada de ioiô, iaiá

Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros que nós queremos sambar

Há quem sambe diferente noutras terras, noutra gente
Num batuque de matar
Batucada, reunir nossos valores
Pastorinhas e cantores
Expressão que não tem par, ó meu Brasil

Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros que nós queremos sambar
Ô, ô, sambar, iêiê, sambar...
Queremos sambar, ioiô, queremos sambar, iaiá



* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".

GILS, JOBINS, BUARQUES, VELOSOS... - A SUCESSÃO NA MAJESTOSA FAMÍLIA DA MÚSICA BRASILEIRA

Por Joana Oliveira e Felipe Betim



Maria, Francisco, José, Isabel, João, Maíra, Martim, Heloísa. Nomes tradicionais entre tantas famílias brasileiras que, em casos excepcionais, carregam um DNA de bossa, samba, rock’n’roll, música brasileira em todas as suas vertentes. Eles cresceram cercados de instrumentos musicais e frequentaram bastidores de concertos gigantes antes mesmo de aprender a ler e a escrever. São herdeiros de outros nomes que construíram e constroem a identidade cultural de um país forjada no ritmo e no som e que, hoje, acabam emprestando uma musicalidade própria à história da MPB. “A nova música popular brasileira tem pitadas do universo pop, que nossa geração traz. E nossa contribuição para o pop é justamente resgatar elementos tradicionais”. Quem fala é José Gil, de 29 anos, filho de Gilberto Gil. Ao lado de João Gil, 27, e Francisco Gil, 25, netos do tropicalista, ele forma o trio Gilsons, que revisita a sonoridade afro-brasileira no som da percussão, do trompete e do violão.

Apesar de José ser, oficialmente, tio dos outros dois, a pouca diferença de idade fez com que crescessem como irmãos. E, assim, acabassem por descobrir juntos a música. A imagem de capa do primeiro EP, Várias queixas (regravação de um sucesso do Olodum), é justamente uma foto dos três, quando meninos, tocando em instrumentos de brinquedo na sala de casa. “A banda é, de certa forma, uma continuação dessa convivência familiar”, diz Francisco Gil, filho de Preta Gil, cantora e produtora cultural. Os verões e carnavais vividos na Bahia geraram não só lembranças como também uma profunda reverência pelos blocos afros, presentes em um repertório que vai do afoxé ao xote e ao baião.
“A banda é, de certa forma, uma continuação dessa convivência familiar”
Francisco Gil

No último dia 12 de setembro, os Gilsons subiram ao palco pela primeira vez ao lado do pai e avô. Eram a principal atração do Festival Coala, que, devido à pandemia, aconteceu on-line. O repertório autoral da banda foi apresentado e Gilberto Gil tocou violão em todas as músicas. A interação da família ao longo do show deixou evidente que ele é, sim, uma influência no grupo. “Não tem como fugir disso, ele é uma das maiores forças musicais dos séculos XX e XXI. Não tem muitos artistas que tenham conseguido o que ele e Caetano [Veloso] fizeram, uma carreira de 50 anos lançando discos autorais, cada época com sua própria estética e vivência”, comenta João, filho da cantora Nara Gil, filha mais velha de Gil. Justamente pelo fato da geração dos pais já ter dado continuidade à linhagem musical do avô, os Gilsons não temem ser tachados de “netos ou filhos de”. O nome do grupo, batizado por Preta, deixa isso claro. Reconhecem, isso sim, que mais do que um peso pelas comparações, esse sobrenome abre portas em uma indústria na qual poucos têm êxito financeiro. “É um privilégio, com certeza. Somos mais familiarizados com o modo como as coisas funcionam, o processo de gravação, de fazer show... Por crescer nesse meio, conhecemos muitas pessoas da área, desde técnicos a produtores”, diz João.

Apesar do sobrenome ilustre e das portas abertas, os três dizem que não houve um incentivo direto para a carreira musical deles. “O grande mérito foi ter instrumento disponível. Nunca existiu essa coisa de ‘ah, vai lá tocar’, mas sempre teve violão, bateria e guitarra na casa do meu avô, então a gente tocava”, lembra João. “A gente fazia coisa escondido, roubava guitarra, queimava amplificador”, ri José. Nesses ensaios da “bandinha da sala”, muitas vezes estavam presentes os filhos de Caetano Veloso —Moreno, Tom e Zeca— com quem os Gilsons cresceram, dada a amizade de décadas entre os dois baianos da Tropicália. O EL PAÍS tentou, durante um mês, uma entrevista com os três, que fizeram com Caetano a turnê e o álbum Ofertório, mas a assessoria de imprensa da família informou que eles não queriam falar.

Hoje, os Gilsons editam algumas de suas músicas no escritório de Gilberto, que, apesar das muitas décadas a mais de experiência, aprende novas técnicas com a prole. “Como nossa geração está mais próxima das novas linguagens musicais que surgiram com a tecnologia, passamos isso para ele”, diz José. O trio conta que o pai e avô costuma ser “carinhoso” ao dar pitaco nas composições, mas que eles não pedem muita opinião. Preferem mostrar o resultado final. “Ele não é um cara que gosta de tudo e por isso até que não é bom mostrar antes, porque a gente acredita muito no nosso som. Então, às vezes vem um feedback não tão bom, mas a gente vai em frente” acrescenta José.

Como a família Gil bem demonstra, alguns sobrenomes parecem bendizer o destino —ao menos profissional— dos que o carregam. No caso de Bebel Gilberto, filha de João Gilberto, um dos fundadores da bossa nova, e da cantora Miúcha, isso parecia quase inevitável. “A música dele sempre me influenciou muito. Eu ouvi tanto o violão dele quando era pequena, que ganhei uma noção harmônica incalculável”, conta a cantora, de 54 anos, que acaba de lançar o disco Agora, quatro décadas depois de estrear ao lado do pai, cantando Chega de saudade, e 20 anos após a estreia do álbum Tanto tempo, que vendeu milhões de cópias nos Estados Unidos.
“Eu ouvi tanto o violão dele [João Gilberto] quando era pequena, que ganhei uma noção harmônica incalculável”
Bebel Gilberto

João Gilberto era conhecido por sua obsessão em alcançar a perfeição quando cantava e tocava. Bebel conta que, por vezes, esse afã musical do pai a irritava. Ele insistia em puxar o violão Di Giorgio mesmo quando a filha só queria conversar. “E aí eu escutava. Hoje entendo o quanto foi importante ter ficado calada, apenas escutando. De alguma forma, eu consegui marcar uma estética e um som especial, algo que você ouve e é inconfundível, como ele fez”, diz. O novo trabalho, que traz a bossa eletrônica que lhe é característica, marca também sua volta ao Rio depois de 27 anos em Nova York e uma declaração de amor a João Gilberto.

Na outra metade da vida
Você soube, fez tudo
Mas nessa metade
Vou ter que tentar te ensinar (...)
O que não foi dito
Já estava escrito
Deixa eu cuidar de você

“Fiz essa canção para ele porque queria falar e não encontrava a forma de fazer isso”, diz Bebel sobre a letra de O que não foi dito. Em 2018, ela solicitou a interdição dos bens e direitos autorais de João Gilberto, que não estaria em condições de administrá-los. “A repercussão na imprensa foi como se eu quisesse interditá-lo com más intenções, apesar de que sempre tivemos uma relação muito próxima, sem nenhuma desconfiança”, lamenta a cantora, que perdeu a mãe em dezembro de 2018 e o pai em julho de 2019. Em Agora, ela exorciza a dor com músicas de tom esperançoso e canta o amor ao seu legado e à música brasileira.
A música já estava lá

Se João Gilberto é reconhecido como o inventor da batida da bossa nova, Tom Jobim é considerado seu grande compositor e maestro. E quem carrega seu legado na música também é uma mulher: Maria Luiza Jobim, carioca de 33 anos. Depois de trabalhar como arquiteta e cursar Letras, aceitou que seu destino era mesmo a música. Ela, que sempre foi do “rolê da música eletrônica”, construiu uma sonoridade própria bem diferente da do pai. Entre 2013 e 2017, formou com o músico Lucas Paiva o duo Opala, cujo repertório era um indie-pop eletrônico cantado em inglês.

Maria é bilíngue e suas primeiras músicas nasceram em inglês. O português só apareceu agora, em Casa Branca, seu primeiro trabalho solo. Lá estão suas lembranças de uma infância vivida ao lado dos pais em uma casa no bairro do Jardim Botânico. São muitas. Uma delas é a de ficar embaixo do piano da sala, ouvindo Tom ensaiar com sua banda, composta basicamente pela família e por Danilo Caymmi, padrinho de Maria Luiza. “Dorival Caymmi ia lá em casa e cantava com meu pai e eu ficava fascinada com o timbre dele… São coisas que sempre vou carregar comigo e que, com certeza, sempre estarão na minha música”, diz. Além de Maria Luiza, seu irmão mais velho, Paulo Jobim, e seu sobrinho, o pianista Daniel Jobim, filho de Paulo, também são músicos.
A cantora Maria Luiza Jobim, na infância, entre João Gilberto e o pai, Tom Jobim. Abaixo, à direita, brincando com o pai em casa. À esquerda, imagem de seu primeiro álbum solo, 'Casa branca'.ARQUIVO PESSOAL

Carregar um dos maiores sobrenomes da MPB é tanto um privilégio como uma responsabilidade. “É parte do meu legado. A música estava lá, e eu nasci. Eu que cheguei naquela sala e tive o privilégio de ver de perto aqueles encontros e, por mais que eu não entendesse, eu sentia e bebia daquilo”. Parte do que absorveu se revela no seu processo de composição, que ela descreve como intuitivo. “Àsvezes parte só de uma palavra, uma ideia, um clima…”, diz ela, que passa a quarentena em uma casa no interior do Rio. Com a turnê do álbum adiada pela pandemia, ela dá palhinhas nas redes sociais — inclusive nas lives de Teresa Cristina — e não para de compor. “Tenho feito muita música à distância, com parceiros. Acho que vou sair da quarentena com um disco novo”, ri.

Assim como para Maria Luiza, crescer em uma casa musical também foi decisivo para que Tim Bernardes, de 29 anos, seguisse sua vocação e se tornasse um dos nomes considerados pelos críticos “a renovação da MPB”. Filho do cantor e compositor Maurício Pereira, que marcou a música dos anos 1980 no Brasil com a banda Os mulheres negras, a primeira palavra dita por Tim foi “música” —como comprova um vídeo caseiro familiar—. Com seis anos, já tocava alguns instrumentos. Aos 17, começou a compor. Depois disso, fez faculdade de Música (“Sou um nerd”, diz) e aperfeiçoou seu talento natural, arrancando elogios de Caetano Veloso: “uma maravilha de afinação, controle da dinâmica, refinamento, execução instrumental e liberdade na elegância do uso do palco e da luz”.

Vocalista da banda O Terno, Tim também lançou, em 2017, o álbum solo Recomeçar, aclamado por cantar a dor em forma de belas canções. Nesse disco, ele toca todos os instrumentos, fez todos os arranjos e também a produção. Seu estilo já foi descrito como “indie-hippie-retrô brasileiro”, uma brincadeira que ele mesmo fez em uma das letras, como um retrato irônico de sua própria geração. “O tropicalismo misturou a cultura brasileira com o que estava rolando no mundo, como o Sgt. Peppers dos Beatles. Bebode Caetano, Gil, Clube da Esquina, mas também de Tame Impala, Mac DeMarco... Não vejo exatamente como uma renovação da MPB, mas uma continuação, uma experimentação”, explica. Nada mais diferente do estilo do pai, que Tim resume como “algo muito próprio, o mauriciopererismo”, apesar de ambos terem trabalhado juntos: Maurício compôs cinco das faixas do álbum de estreia d’O Terno. “Nunca pareceu que eu estava continuando algo dele, cuja sonoridade é muito mais dos anos 1980 e 1990. As coisas que eu ouvia já eram diferentes das coisas que ele ouvia. Talvez por isso fosse tão gostoso trabalhar com ele”, diz Tim.
“Não vejo exatamente como uma renovação da MPB, mas uma continuação, uma experimentação”
Tim Bernardes

O exemplo de carreira do pai também trouxe, no entanto, algumas inseguranças. A maior delas era o medo de não conseguir viver de música. Quando Tim ainda era pequeno, nos anos 1990, Maurício desfez o contrato d’Os mulheres negras para experimentar e inovar sem amarras. “Era muito difícil fazer música independente naquela época e eu percebia como o dinheiro era, de fato, uma questão em casa”. Por isso, quando sentiu a vocação para estudar música, pensou em cursar outra coisa e deixar a arte como plano B. Mas os pais o incentivaram. Pouco mais de 10 anos depois de o pai ter feito sacrifícios para viver como músico independente, Tim Bernardes e seus companheiros d’O Terno conseguem, graças à revolução digital, fazer arranjos e gravações em casa, com facilidade. “Tenho essa coisa de imaginar e visualizar o produto final, seja um vídeo, foto, clipe, música, a melodia, o timbre... É o produto completo que me agrada, por isso gosto de imaginar o resultado final e, a partir disso, pesquisar e entender como consigo chegar nele”, diz o “nerd da música”.
Rumos diferentes

Crescer em uma família musical influenciou os passos de todos esses herdeiros da música brasileira, mas os caminhos tomados pela pianista e cantora Maíra Freitas se mostraram mais sinuosos. Apesar de crescer no Rio de Janeiro entre sambistas, desde muito cedo decidiu tomar rumos diferentes de seu pai, Martinho da Vila e sua irmã, Mart’nália. Aos sete anos pediu para fazer aula de piano. Começou tocando Mozart e Chopin e pretendia “até os 20 e poucos anos ser pianista clássica”. Sua família demorou a acreditar em sua vocação. “Outros até fizeram aula, mas ninguém levava a sério. Eu ficava enchendo o saco para que me dessem um piano e só fui ganhar aos 11 anos”.

Como o samba sempre esteve presente em sua vida, além de tantos outros estilos, passou a mesclar sua formação clássica com música popular. Hoje seu piano se mistura com o batuque do surdo e do pandeiro. “Para mim era um monstro essa coisa do improviso, eu ficava querendo ler partitura...", conta. “Mas minha formação teórica me deu uma grande base técnica. Quando vou fazer meus discos, tem a veia forte da música carioca, mas tem também eletrônica, tem pop, tem muito jazz, tem um pouco de piano erudito... Acho que sou essa grande mistura louca de coisas”, acrescenta. Maíra já lançou dois discos, o último deles em 2015, e possui uma rotina de shows e turnês, inclusive ao lado da irmã e do pai. Ela diz que Martinho da Vila a influencia mais espiritualmente, “guiando a gente”, do que diretamente. “E aprendo muito acompanhando ele como músico, vendo as maneiras geniais de lidar com o público e de conduzir o show. Apesar de não ter formação teórica, ele tem muita experiência e sabe o que quer”, conta.
A pianista e cantora Maíra Freitas ao lado do pai, Martinho da Vila.ARQUIVO PESSOAL

Mas Maíra não vive só de shows e discos. Em casa, ela faz produções, compõe trilhas para séries e filmes e dá aulas de piano. “A internet deu à minha geração acesso a tudo. Posso aprender uma música do Oeste da África e juntar com outros gêneros e essa base da MPB que é tão rica. Você tem Milton [Nascimento], Caetano, meu pai, Gil, Djavan.... Essa coisa maravilhosa que a música brasileira é, de diversa e forte e eclética e rítmica e harmônica. E essa nova geração vem disso e agora pode fazer o que quiser, sem obrigação de fazer isso ou aquilo”.

Esse afã artístico e criativo é sincronizado com os cuidados de suas filhas, uma de dois anos e a outra de quatro meses. Maíra chegou a fazer shows grávida, alguns ao lado do pai, e em muitas ocasiões precisa trabalhar em casa com suas meninas no colo. Ela lembra como algumas pessoas duvidaram ou questionaram sua capacidade de manter uma agenda de shows e seguir trabalhando após virar mãe. Mas os preconceitos não são novidade. “Aos 10 anos ouvi que eu deveria estar tocando tambor, e não piano. Quem toca piano geralmente são filhas de dondocas vestidas de rosa e meia calça, e eu sempre fui espalhafatosa, fora do padrão, com roupa colorida, trança...”, recorda ela, que se orgulha de poder mostrar que uma mulher negra pode, sim, estudar música e fazer algo mais rebuscado. "Hoje sou a representatividade de algumas pessoas. Recebo mensagens de mulheres negras que me acompanham, veem que podem fazer e começam a estudar piano... Fico muito feliz com isso”, explica. Suas responsabilidades vão além da música, acredita ela. “Meu pai cantava quem tiver mulher bonita / que traga presa na corrente. Deixa ele lá tocando isso, mas eu tenho outras responsabilidades. E não quero fazer bobagem”.
Filho da melodia, neto da poesia

Na loteria genética da música brasileira, alguns têm o privilégio de pertencer a duas linhagens de peso. É o caso do cantor e compositor Chico Brown, que herdou do avô, Chico Buarque, o primeiro nome e a poesia do amor e do desamor nas letras. Do pai, Carlinhos Brown, traz a melodia, o ritmo e a timbalada da música da Bahia. Aos 24 anos, Chico —que também é “sobrinho” de Bebel Gilberto (sua mãe, Silvia Buarque, é prima da cantora)— foi chegando devagar na indústria da música, mas começou bem. “Vou cantar agora a música do meu parceiro mais querido”. Era assim que Chico Buarque introduzia, nos shows de sua turnê mais recente (Caravanas), a música Massarandupió, uma composição instrumental do neto com letra escrita pelo avô.


A melodia veio a Chico Brown em sonho, “como um presente de alguma força sobrenatural”, diz ele, com uma mistura de sotaques baiano e carioca. A parceria com o avô é assim: o neto manda a melodia por e-mail e recebe a letra (geralmente muito tempo depois) também por e-mail. Ele começou a compor na adolescência, primeiro no piano e, depois, no violão. “A música sempre esteve presente como cura, alento, de modo que sempre formei bandas e fiz canções autorais desde a época da escola, até mesmo para apresentar trabalhos nas aulas”, conta.

Seu repertório, que ele começou a apresentar em shows pelo Brasil no ano passado, pode ser considerado uma guitarrada baiana com um jazz fusion: mistura as composições autorais, com berço na MPB, com outros ritmos latino-americanos, elementos orientais, rock e música clássica. “Sempre escuto de tudo e misturei o que já é tradicional com as coisas que me instigam musicalmente, coisas que me permitam, através da música, atravessar essas fronteiras de espaço e tempo”, diz.
Na primeira imagem, o músico Chico Brown aparece na infância, ao lado do pai, Carlinhos Brown. Na segunda foto, já adulto, em show próprio e, por último, com o avô, Chico Buarque. ARQUIVO PESSOAL


Quando compõe no violão, Chico tende a ir para a poesia, o ritmo, a ginga. No piano, vai para o clássico. “Faço mais valsa, com umas referências, assim, mais jobinianas. Na guitarra e no violão, sou mais Moraes Moreira, tropical, cancioneiro, com referências do samba e do jazz". Os trabalhos do pai e do avô não têm influência direta na sua criação, embora se inspire na postura profissional de ambos, como se portam nos palcos. Às vezes, busca a poesia de seu avô como inspiração para uma canção de protesto, ou o lado rítmico do pai na busca de uma métrica percussiva. “Já aconteceu de amigos ouvirem músicas minhas e dizerem, sem eu esperar, que parecem canções de um ou do outro”, admite.

Mas a responsabilidade de pertencer a essa linhagem musical, ele diz, vem mais da expectativa alheia. Quando cria, não pensa se sua música atenderá ao gosto do público dessa outra geração. “Até porque o trabalho deles abrange décadas, eu não posso ter a pretensão de parear com eles”, diz o jovem músico, que pretende, no entanto, surpreender aqueles que tendem a subestimar ou superestimar seu trabalho apenas pelo sobrenome que carrega. Como canta o avô e xará de Chico na música Paratodos, os rebentos vão na estrada há muitos anos – desde que nasceram — e por sorte ou por acaso, são legítimos artistas brasileiros.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

PAUTA MUSICAL: ELZA LARANJEIRA: TOME CONTINHA DE VOCÊ

Por Laura Macedo 


Elza Laranjeira: Tome continha de você

Elza Laranjeira foi uma das cantoras brasileiras que fez a transição do “Samba Canção” para a “Bossa Nova”. Nascida em Bauru/SP (1925-1986) edificou sua carreira via repertório romântico/internacional.

Na gravação de “Tome continha de você” (Dolores Duran/Edson Borges) ela arrisca com sucesso o lançamento desse delicioso samba gravado, no apagar das luzes do ano de 1959 (ano da morte de Dolores) e lançado em abril de 1960.

À época emergia o balanço da Bossa Nova, recém divulgado, via as composições, entre outros, de José Maria de Abreu, a exemplo de “Um cantinho e você”, em parceria com Jair Amorim. Quem também abraçou o balanço da Bossa Nova foi João Gilberto, com sua batida de violão bossanovista, contribuindo para o samba moderno.

“Tome continha de você” (Dolores Duran/Edson Borges) # Elza Laranjeira. Disco RGE (10.220-A) / Matriz (RGO-1449). Gravação (final de 1959) / Lançamento (abril/1960).


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Fontes:
– Foto/Capa Revista do Rádio (AQUI).
– Instituto Moreira Salles.
– Site YouTube/Canal: “N2010R”.

A MÚSICA TRANS NEGRA QUE DESAFIA O BRASIL CONSERVADOR

As artistas Linn da Quebrada e Jup do Bairro enfrentam o racismo e a transfobia ao ritmo de funk brasileiro com a produtora e Dj Badsista

Por Raquel Elices


À esquerda, Linn da Quebrada, à direita, Jup do Bairro. No centro, a produtora Badsista.GABRIEL RENNE/PEDROCKS/CAI RAMALHO


Quando você mora em um país cujo presidente chegou a dizer que preferia que seu filho “morresse em um acidente” a ser gay, não hesita em trazer à tona sua misoginia e coleciona comentários racistas, ser uma mulher trans negra transforma sua voz e seu corpo em um meio de expressão político, tanto no espaço privado como no público. Linn da Quebrada (São Paulo, 1990) e Jup do Bairro (São Paulo, 1993), duas mulheres trans que estão nadando contra a corrente da indústria musical brasileira, conhecem esse desafio e trabalham há anos para romper esse discurso do ódio.

“Sexualidade e gênero são campos abertos de nossas personalidades / O que pode um corpo sem juízo?”, se pergunta Jup do Bairro em seu álbum de estreia, Corpo sem Juízo (Autoproduzido, 2020), no qual nos convida a refletir sobre diversidade e limites físicos autoimpostos.

Neste trabalho lançado em agosto passado, a artista brasileira usa seu corpo, o de “travesti gorda, bixa, negra e periférica”, como ela própria se define, e o coloca no centro de uma batalha social contra os cânones corporais, estéticos e de gênero em um país como o seu, o Brasil, no qual as minorias, e especificamente o coletivo LGTBIQ+, tiveram que se levantar de novo diante das ameaças do presidente Jair Bolsonaro de cortar seus direitos.

Por meio dos ritmos do baile funk e da música eletrônica, Jup constrói uma narrativa sobre a libertação dos corpos e a reafirmação da própria identidade. Em Transgressão, tema que abre este EP, compara seu processo trans a uma lagarta em metamorfose, traçando sua jornada em um ritmo onírico de sintetizadores. "No sufoco criado da minha própria mudança/ Uma mucosa com vazio e falsas esperanças/

No aperto do casulo da minha própria criação/ Pensando em morte inevitável, me preparo pra morrer na solidão", canta Jup do Bairro nessa canção composta quando ainda era adolescente.


Mas no sufoco pessoal que expressa em suas canções existe também um grito coletivo e uma denúncia social. Em Corpo sem Juízo, a canção que dá nome ao disco, a artista brasileira dá nome próprio às centenas de pessoas trans e travestis assassinadas todos os anos em seu país. As cifras, com 130 assassinatos em 2019, fazem do Brasil o país mais perigoso para esse coletivo. Por trás dos números, jovens como Theusa Passarelli, conhecida ativista trans que foi morta no Rio de Janeiro, e a quem Jup do Bairro presta homenagem, resgatando e sampleando sua voz para esta canção. “É como enfrentar a morte e permanecer imortal”, entoa Jup na letra.

Igualmente contundentes são os temas de Linn da Quebrada: “Me arrumei tanto pra ser aplaudida mas até agora só deram risada”, diz em A Lenda. Uma letra que faz parte de seu primeiro disco, Pajubá (Vinyl, 2017), e na qual ataca um “eles” que parece ser um reflexo do poder político, mas também dos executivos da indústria musical que por anos a mantiveram à margem. Porque, embora a música brasileira tenha raízes na cultura negra, os músicos de maior renda ainda são principalmente brancos e cisgênero.

Com Pajubá, Linn ajudou a combater essa realidade, com letras que mesclam humor gay e crítica social, conseguiu que travestis e trans negros pudessem se ver refletidos na música e passassem a ser reconhecidos e incluídos na corrente artística principal. Neste álbum, Linn redescobre sua identidade e leva às últimas consequências a ideia do corpo como terreno político.

Uma filosofia que ressoa nas suas canções e em todos os seus projetos artísticos, em que a dança e a presença cênica se tornam uma luta visceral. Isso fica claro em seus shows, performances e na participação em documentários como Meu Corpo é Político (Alice Riff, 2017) e Bixa Travesty (Kiko Goifman e Claudia Priscilla, 2018). Um filme autobiográfico, este último, em que Linn fala abertamente do machismo que enfrentou no final de sua transição e em que esta artista brasileira proclama que foi ela quem “quebrou a costela de Adão” para se tornar a “nova Eva”. Um ressurgimento que agora continua no que será o seu novo disco, Trava Línguas (2020), do qual já antecipou nas suas redes A nova Eva, peça musical sobre a libertação dos corpos.



quem soul eu?

muito prazer, a nova eva.
(Lina Pereira / @badsista011) pic.twitter.com/Jr9Wypsv9P— Linn da Quebrada (@linndaquebrada) August 11, 2020

Bixa Travesty também mostrou a poderosa aliança de Linn da Quebrada e Jup do Barrio. Uma bomba artística de mulheres trans, negras e periféricas dispostas a abrir novos espaços e questionar juntas o status quo de um contexto político tão conservador como o do Brasil.

Crucial em todo esse processo foi a produção dos álbuns de ambas por Badsista. Com apenas 26 anos, esta jovem DJ e produtora é responsável por promover novas narrativas na indústria musical do país e acolher artistas que permanecem fora do circuito comercial. Em 2016 fundou o coletivo Bandida, uma iniciativa trans feminista que busca dar voz a outras mulheres do cenário musical brasileiro, principalmente artistas negras, queer e das classes pobres. Novos espaços que inspiram outros a seguirem o seu próprio caminho e aos quais se soma o programa TransMissão, uma espécie de celebração da diversidade veiculada no Canal Brasil, em que Linn e Jup falam sobre raça, sexualidade e gênero com diferentes personalidades.

E aí, a partir da resistência, é como transformaram a luta por sua identidade pessoal em uma revolução coletiva e política. Do íntimo ao público. Uma estrondosa centelha tangível em seus corpos, na dança e na música. Do samba ao tropicalismo e ao baile funk, no Brasil sempre houve vozes que se levantaram contra as atitudes repressivas, e agora Linn, Jup e Badsista dão continuidade a essa tradição para estimular a mudança social.

domingo, 25 de outubro de 2020

BONDE ALEGRIA - ZEZÉ MOTA - PARTE 01

 

" Éramos Jovens Emocionados" é o primeiro single do novo disco de Jonathan Tadeu, intitulado "Intermitências", que será lançado em setembro de 2020. Filmado e editado por Jonathan Tadeu. "Agora eu só atendo quem vale o preço de sair de casa Eu não tenho mais dinheiro pra me decepcionar com pessoas e lugares É quase meia-noite e ainda faltam duas bandas pra tocar Eu olho ao meu redor e lembro de quando eu era vivo Sentir saudades de ser jovem deve ser um sinal que eu tô ficando velho e eu tô ficando velho Éramos jovens tão emocionados agora tudo é triste e chato Eu sou tudo o que eu via nos adultos quando era criança"

sábado, 24 de outubro de 2020

ALMANAQUE DO SAMBA (ANDRÉ DINIZ)*

Resultado de imagem para ALMANAQUE DO SAMBA




Paulo César Pinheiro

“O samba bate outra vez,
bate outra vez não pára...”
MAURÍCIO TAPAJÓS e PAULO CÉSAR PINHEIRO, “O samba bate outra vez”


Paulinho Pinheiro é um dos mais renomados letristas da MPB. Autor de mais de 1.300 músicas – 700 delas gravadas –, foi parceiro de Baden Powell, João de Aquino, Edu Lobo, Dori Caymmi, João Nogueira, Francis Hime, Guinga, Mauro Duarte, Raphael Rabello, Maurício Carrilho, Ivor Lancelotti, Roque Ferreira, Tom Jobim e Aldir Blanc, para ficarmos só em alguns nomes. O número de parceiros já nos dá uma idéia da dimensão do espírito do poeta.
Desde a vitória de “Lapinha”, feita em parceria com Baden e defendida na Bienal do Samba de 1968 pela brilhante Elis Regina, Paulo Pinheiro vem sendo cantado por uma legião de intérpretes (isso quando ele próprio não solta o vozeirão rouco).
Escreveu trilhas musicais para cinema, teatro e novelas, além de duas canções para o programa Sítio do Pica-Pau Amarelo, da Rede Globo. Com vasta produção cultural, é apreciador dos escritores João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Vinicius de Moraes e Guimarães Rosa. Ele próprio é também poeta e autor de Canto brasileiro, Viola morena, Atabaques, violas e bambus e Clave de sal – Poemas de mar.
Sua musicalidade reflete a influência de Nelson Cavaquinho. Entretanto, enquanto as letras de Nelson ficavam circunscritas à melancolia e ao ceticismo, Paulo foi além do mestre, abordando temas mais amplos da vida e do cotidiano, como a política, a liberdade, o amor, o carnaval, a religião e a cidade. 
Sua obra grandiosa mostra a diversidade de estilos, mas guarda com muita força a riqueza do legado do samba. Com Baden Powell, um dos seus primeiros parceiros, produziu músicas do quilate de “Vou deitar e rolar (Qua-quara-quaquá)”, “Samba do perdão”, “Refém da solidão” e “Carta ao poeta”.
Ao lado do parceiro Eduardo Gudin, Paulo ganhou o festival da TV Tupi, em 1971, com “E lá se vão meus anéis”, e organizou um show engajado de resistência à ditadura militar, que ainda contaria com a participação da cantora Márcia apresentando belas composições da dupla: “Veneno”, “Velho casarão” e “Velho passarinho”.
Mauro Duarte e João Nogueira foram outros parceiros importantes do poeta na divulgação do samba. Mauro, carioca da turma de Botafogo, apelidado de “Bolacha” pelo cantor Ciro Monteiro e muito respeitado no meio dos bambas, escreveu com Paulinho Pinheiro belos sambas que fizeram sucesso na voz de Clara Nunes, primeira mulher de Paulo: “Menino Deus”, “Canto das três raças”, “Portela na avenida”, “Serrinha”... Com João Nogueira, o poeta compôs “Súplica”, “O poder da criação”, “Minha missão” e o samba-enredo da Tradição “Rio, samba, amor e tradição”. Juntos, Paulo, Mauro e João compuseram “Um ser de luz”: “Um dia/ um ser de luz nasceu/ numa cidade do interior/ e o menino Deus lhe abençoou...”, após a morte de Clara. Paulo César Pinheiro ganhou o Prêmio Shell em 2003, em reconhecimento a toda a sua obra.


João Nogueira

“Meu samba sempre foi tirado do peito
quando sai, já sai com meu jeito
com malícia e opinião
meu samba sempre foi mostrado direito
por favor, exijo respeito
com a cor do meu pavilhão...”
JOÃO NOGUEIRA e PAULO CÉSAR PINHEIRO, “Primeira mão”


João Nogueira cresceu no meio do choro e do samba – seu pai era amigo de Pixinguinha, João da Baiana e Donga. Com ouvido musical e desenvolvendo grande talento para o samba, João acabou por construir uma carreira originalíssima entre os cantores do gênero. Possuidor de uma voz encorpada, de som grave e solene, figurou, ao lado de Roberto Ribeiro e Zeca Pagodinho, entre as principais vozes do samba nas últimas décadas do século passado.
Acostumado a se autoproclamar “sambista de calçada”, para se diferenciar dos bambas do morro, João misturou em suas interpretações a harmonia de João Gilberto e o sincopado de Geraldo Pereira. 
Compositor requintado, formou parcerias com Paulo César Pinheiro, Ivor Lancelotti, Carlinhos Vergueiro, Zé Catimba, Nei Lopes, Paulo César Feital, Maurício Tapajós e Mauro Duarte, entre outros. Sua produção inclui maxixes, música rural, partidos-altos, sambas-enredos, sambas-afro e sambas seresteiros, entre outros estilos. Seus principais sucessos são “Súplica”, “Um ser de luz”, “Espelho”, “E lá vou eu”, “Nó na madeira”, “Mineira”, “Das duzentas pra lá” etc.
Em 1979, João fundou, no quintal da sua casa, no Méier, o Clube do Samba, espécie de reduto do samba “de raiz”. No carnaval do ano 2001, o bloco do Clube do Samba desfilou com o enredo “Como diria João”, homenagem ao sambista, criado coletivamente pela ala de compositores.
Para terminar, vale a pena entrar no clima nogueiriano, aquela mistura explosiva e criativa de boemia e música, e deixá-lo falar. Certo dia um jornalista, encantado com o vozeirão do sambista, quis saber: “João, a que se deve esse tom grave e marcante de sua voz? Que técnica você usa?” “Cerveja e cigarro à vontade”, sacramentou João.








* A presente obra é disponibilizada por nossa equipe, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo.

PAZ E AMOR | KLEITON & KLEDIR E MPB4 (CLIPE OFICIAL)

 


PAZ e AMOR é uma canção de esperança neste momento difícil que estamos vivendo. K&K e MPB4 acendem“uma luz no frio da escuridão”. Dá vontade de abrir a janela e cantar em coro, junto comeles, que é possível sim acreditar em um novo tempo“em que as pessoas possam se abraçar”eem um mundo mais “solidário, justo e feliz”.Dá vontade de repetircom elesque é preciso “respeito à diversidade, à sabedoria”e ao conceitouniversal de “liberdade, igualdade e fraternidade”.

Aquiles, Miltinho, Dalmo, Pauleira, Kleiton eKledir falamde um sonho que não acaboue é capaz de despertar nossos melhores sentimentos de “paz e amor pra toda a humanidade”.

A música foi inteiramente gravada em aparelhos celulares, dentro dos limites impostos pela quarentena. 

Autores: Kleiton Ramil e Kledir Ramil
Arranjo vocal: Kleiton Ramil
Mixagem: Ricardo Pinto
Direção do vídeo: Tiago Arakilian (Titânio Filmes)

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

CESTA DE CRÔNICAS E OUTRAS ESSÊNCIAS

Por Xico Bizerra





REVISTA DO RÁDIO



Não se conhecia maldades na casa de minha infância. Havia, logo à frente, do outro lado da rua, um imenso capinzal onde se criava vacas. A rua era nosso campinho de futebol, bola de meia, raramente de borracha. No quintal, um pé de limão e um outro de doces siriguelas, tudo vigiado por Tupã, amigo fiel de meu pai. Na tentativa de salvá-lo, quando um dia o cão caiu no cacimbão, meu pai perdeu sua Parker 51, de estimação, que escapuliu do seu bolso para fazer companhia a Tupã. Mas o melhor daquela casa é que existia, no quarto, uma cômoda antiga, escura, quatro gavetas, sobre a qual eu folheava, escondido de minha mãe, a Revista do Rádio, detendo-me na coluna em que se via vedetes daquele tempo, como Virginia Lane e Renata Fronzi, com pouquíssima roupa para os padrões da época. Que belas coxas tinha a Lane. Quantos sonhos sonhados com a Fronzi. Belos joelhos. Joelhos e coxas: tudo que nos era permitido ver. Não havia Playboy, nem Ele e Ela: apenas uma tal de Status, precursora das duas, mas recatada em relação a estas. Eram outros os tempos, sem internet, sem WhatZap, sem redes sociais. Nosso telefone, preto, pendurado na parede, se resumia a um 3-20-26. Televisão, só a do vizinho, onde víamos Renato Aragão em preto e branco, às quartas-feiras, antes de ele ir ser famoso no Rio de Janeiro. E era só. Bastava-me a Revista do Rádio, de periodicidade mensal. Um mês de espera pelas fotos das vedetes que enfeitavam meu pensar. No mais, era escola, bola de meia e inocência plena à espera da nova Revista, no final de cada mês, na casa 142 da Francisco Parreão, em frente ao capinzal, onde jogávamos bola sentindo o aroma de bosta das vacas que ali moravam.

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KLEITON E KLEDIR E O GRUPO MPB4 LANÇAM CANÇÃO E VIDEOCLIPE

Em meio à pandemia, música Paz e amor, já disponível nas plataformas digitais, traz mensagem de esperança em um mundo mais solidário e feliz



Os irmãos Kleiton e Kledir e os componentes do MPB4 gravaram a música e o videoclipe em aparelhos celulares



Levar ao mundo uma canção de esperança para o atual momento de inquietude e angústia é a proposta dos irmãos Kleiton e Kledir e do grupo MPB4.

A canção e o videoclipe Paz e amor, lançados pelo selo Biscoito Fino, foram gravados durante o período de isolamento social e ambos já estão disponíveis nas plataformas digitais.

Para os autores, a canção acende uma luz no frio da escuridão. “A ideia é fazer um convite para as pessoas abrirem a janela e cantar em coro que é possível acreditar em um mundo mais solidário, justo e feliz e em um novo tempo em que elas possam se abraçar”, explica Kledir.

Kleiton, Kledir, Aquiles, Miltinho, Dalmo e Pauleira falam de um sonho que não acabou e que, neste momento de incertezas, é preciso ter a oportunidade de reacender os melhores sentimentos e desejos.

De autoria de Kleiton e Kledir Ramil, a canção reforça o respeito à diversidade e o exercício da sabedoria. O clipe de Paz e amor foi gravado em aparelhos celulares, com cada um dos seis intérpretes em sua casa. O vídeo é uma criação de Tiago Arakilian, diretor do filme Antes que eu me esqueça e da série internacional Kids and Glory.

Na tela, os artistas entoam a canção emoldurados por imagens de fachadas, horizontes e pessoas, numa alusão ao isolamento e à fraternidade. “Essa música surgiu como uma canção de esperança, no meio dessa loucura que estamos vivendo. Já vínhamos angustiados e sufocados há um bom tempo. Existe uma onda conservadora tomando conta do mundo. Além disso, pessoas saem em busca de lucros imediatistas, esquecendo-se de que estamos em um planeta e que existe o outro”, alerta Kledir.

Ele ressalta que essa onda tem vindo com uma carga de ignorância grande. “Isso porque é puro egoísmo e ganância das pessoas. Estamos vivendo momentos de angústia, parece que é a era da ignorância. Confesso que andava sem esperança, mas agora, no meio dessa situação toda, na qual vejo que, apesar das pessoas angustiadas, desorientadas, estão surgindo momentos de solidariedade. Torcemos para que esses movimentos de sentimento e amor ao próximo se mantenham.”

Kledir revela que andava cético, porque ouvia as pessoas dizerem que o mundo iria mudar. “Aí, fiz essa letra cheia de esperança, mostrando que é possível, sim, mudar. Porém temos de entender que o que é preciso mudar são os hábitos pessoais. Em geral, as pessoas querem que o mundo mude para ficar mais confortáveis com seus privilégios. Temos que pensar no outro. Vivemos em uma grande rede mundial e me vem muito esse sentimento de paz e amor que era dito pelo movimento hippie.”

Ele alega que tudo isso foi um mote para escrever a letra. “O Kleiton me mandou a melodia e fui escrevendo os versos. Fiquei emocionado escutando a canção e depois escrevi a letra com uma grande carga emocional, pois também estou vivendo esse momento de isolamento social, ou seja, sete meses sem sair de casa.”

Kledir acredita as pessoas têm muito mais coisas em comum do que contrárias. ”O problema é que esse tipo de comportamento está acabando com o mundo. As pessoas querem ter lucro em cima do meio ambiente. Agora, muitos ignorantes continuam insistindo nessa história. É preciso parar e mudar as coisas. Essa música se presta muito para vocais, por isso convidamos o MPB4 para cantar conosco. É uma canção de união.”

Ele e o irmão têm uma longa história com o MPB4, desde o grupo Almôndegas (1971/1979), do qual faziam parte. “Eles gravaram em 1979 a música Circo de marionetes, de nossa autoria. Então, criou-se uma amizade desde aquela época. Nosso encontro mais recente foi na terça-feira passada (13), quando fizemos uma live com os seis cantando juntos a canção Paz e amor, e foi muito legal. Temos 16 gravações juntos, feitas em parcerias.”

Integrante do MPB4 desde a formação original, há 55 anos, Miltinho lembra que conheceu Kleiton & Kledir em 1979. “Na época, eles nos mandaram a música Circo de marionetes, que ouvimos e resolvemos gravá-la. O MPB4 a lançou no disco Bons tempos, hein?. No ano seguinte, fomos fazer o show Vira virou e iríamos gravar outro LP e pedimos músicas para os dois.”



AMIZADE

Miltinho conta que a dupla mostrou duas músicas para o grupo, sendo que uma delas era Vira virou. “De repente, a música deu nome ao disco e à turnê. Logo depois, começamos a fazer uma excursão pelo Brasil e apresentávamos os dois durante os shows. No meio da apresentação, os chamávamos e eles cantavam três ou quatro músicas. E o Vira virou acabou se tornando um sucesso tremendo.”

De lá pra cá, continuaram amigos. “E estamos sempre nos encontrando e eles até participaram do nosso show de 50 anos. Recentemente, o Kledir nos disse que estava com uma música e que queria gravá-la conosco. Miltinho conta que Kledir lhe mandou a música pronta. “Mostrei para os outros três integrantes, que toparam na hora fazer a gravação. Todos adoraram e Kleiton fez o arranjo vocal, distribuindo as vozes, sendo que cada um gravou de sua casa. Júlia, filha de Kledir, fez uma capa linda, e o Tiago, um cineasta que mora em Paris, fez a edição de vídeo. O Ricardo Pinto, nosso técnico de som, foi quem mixou e fez a edição do áudio.”

Os irmãos também estão lançando nas plataformas digitais o disco Kleiton & Kledir en español, que foi gravado em estúdios do Rio de Janeiro, São Paulo, Los Angeles e Buenos Aires e conta com as participações de Mercedes Sosa e León Gieco. Lançado originalmente na Argentina, em 1985, pela Universal Music, o álbum traz 11 faixas autorais, nas quais se incluem sucessos como Deu pra ti, Vira virou, Paixão, Nem pensar e Viva, em inspiradas versões para a língua espanhola do poeta e diplomata mexicano Edmundo Font. A dupla conheceu Mercedes Sosa em Cuba, em 1981, durante viagem organizada por Chico Buarque e, juntos, participaram de shows coletivos em Havana e no Festival de Varadero com outros artistas, como Pablo Milanês, Silvio Rodrigues, Nara Leão, João Bosco, MPB4 e Jimmy Cliff.



PAZ E AMOR
• Kleiton & Kledir e MPB4
• CD e DVD – Biscoito Fino
• Disponíveis nas plataformas digitais


Ah... Eu continuo o mesmo sonhador
Que ainda acredita em paz e amor
E o meu sonho vai virar realidade
Depois que enfim passar a tempestade
E essa loucura toda terminar

É... A gente errou e entrou na contramão
E desinventou a civilização
Ah... Onde foi que a gente se perdeu?
Não sei dizer o que aconteceu
Só sei que dá pra achar a solução

Encontrar a luz no frio da escuridão
E acender a vela, o fogo da paixão
Falo de amor, de solidariedade
Nós somos feitos de felicidade
Então é só abrir o coração

E no fim das contas o que vai sobrar
É o velho sonho pra recomeçar

Falo de esperança, de fraternidade
De compaixão, de fé e amizade
É só assim que o mundo vai mudar

Ah... Eu continuo o mesmo sonhador
Que ainda acredita em paz e amor
Encontrar a luz no frio da escuridão
E acender a vela, o fogo da paixão

Falo de um mundo inteiro sem fronteiras
Sem muros, sem divisas, sem barreiras
Em que as pessoas possam se abraçar
Falo de respeito à diversidade
De cor, de gênero, da liberdade
De amar alguém do jeito que eu quiser

Ah... Eu continuo o mesmo sonhador
Que ainda acredita em paz e amor
Falo de harmonia e de caridade
Sabedoria e sensibilidade
É só assim que o mundo vai mudar

Encontrar a luz no frio da escuridão
E acender a vela, o fogo da paixão
Falo de justiça, falo de igualdade
De paz e amor pra toda a humanidade
E um novo tempo pra recomeçar.


Fonte: Estado de Minas

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