Banda Samuca e a selva está lançando o segundo disco
(foto: José de Holanda/Divulgação)
Tem salsa, reggae, cumbia, pegada africana, jazz e guarânia. A diversidade marca a banda paulista Samuca e A Selva. Apesar de estar em atividade há apenas quatro anos, o grupo mostra maturidade artística, o que fica evidente em seu segundo disco, Tudo que move é sagrado, parceria entre os selos YBMusic e Dubas.
Pegando emprestado o verso de Amor de índio (Beto Guedes e Ronaldo Bastos), o álbum presta homenagem a Bastos, um dos expoentes do Clube da Esquina. Depois do lançamento do trabalho de estreia, Madurar – indicado ao 28º Prêmio da Música Brasileira na categoria grupo/canção popular –, a banda liderada pelo cantor e compositor Samuel Samuca sentiu confiança para este novo passo. “O primeiro trabalho nos deu certa confiança, a gente sentiu que era a hora de partir para o segundo. Maurício Tagliari, um dos sócios da YBMusic, veio com a ideia de fazer um tributo ao Ronaldo Bastos, já que ele completaria 70 anos em 2018”, lembra.
O intuito era dar nova cara ao repertório do compositor fluminense, imprimindo certa ousadia às canções. Em princípio, a sugestão assustou Samuca. “Até bambeei na hora. Fui pra casa e comecei a refletir. Sempre fui fã do trabalho dele, do Milton Nascimento, do pessoal do Clube. Ronaldo Bastos é o autor que quero ser quando crescer. Ao mesmo tempo em que tem uma obra ultrapoética, é autor de hits”, comenta.
Depois de muito pensar, o vocalista e o coletivo – formado por Guilherme Nakata (bateria), Fábio José (percussão), Allan Spirandelli (guitarra e violão), Lucas Coimbra (teclados e acordeom), Léo Malagrino (contrabaixo), Victor Fão (trombone), Felippe Pipeta (trompete), Kiko Bonato (sax-tenor) e Bio Bonato (barítono e flauta transversal) – aceitaram a proposta. “Não dá para negar um convite desses. O cavalo passou na nossa porta e a gente teve que subir”, diz Samuel Samuca.
NOVIDADE
Maurício Tagliari, que assina a produção e a direção musical do disco, conta que o objetivo jamais foi gravar homenagem “chapa branca”. Daí o desejo de convidar a nova geração de artistas. “Temos todo o respeito pelos parceiros e velhos amigos do Ronaldo, mas a gente queria justamente a turma nova. Foi um divertido quebra-cabeças definir quem ia cantar tal faixa”, diz.
Entre os convidados especiais estão Criolo, Luedji Luna, Filipe Catto, Liniker, Siba, a moçambicana Lenna Bahule, a colombiana Victoria Saavedra e a uruguaia Alfonsina. Chegar ao repertório final de 12 faixas, num universo de cerca de 300 canções, representou um desafio. Ao mesmo tempo em que queria trazer os clássicos do “Ronaldo Bastos Clube da Esquina”, como Fé cega, faca amolada, O trem azul e Cais, o projeto pretendia abordar o lado mais pop do compositor, como Um certo alguém, Chuva de prata e Suerte, versão em espanhol criada por Samuca para a parceria de Bastos com Celso Fonseca, hit de Gal Costa.
“Sem contar o lado B, as músicas que não se tornaram tão conhecidas, mas nem por isso menos importantes. A gente queria apresentar o lado plural, diverso e atemporal do Ronaldo Bastos. Já produzi muito disco na vida, mas esse me deu um certo orgulho. Não é todo dia que a gente tem matéria-prima como essa nas mãos. E ainda celebramos um letrista”, afirma Maurício Tagliari. Em 2019, ele vai lançar seu primeiro disco autoral, que trará parceria justamente com Ronaldo Bastos.
TORCIDA
O homenageado não participou do projeto, mas soube que ele ocorreria. “Torci muito para dar certo e avisei que não ia dar pitaco. Escutei as primeiras mixagens pouco antes do lançamento e foi o suficiente para saber que se tratava de um trabalho feito tanto com seriedade quanto irreverência. Fui almoçar com eles e logo de cara rolou uma sintonia fina. Independentemente da idade cronológica, a juventude é o que me move”, ressalta Ronaldo.
O compositor diz que não consegue eleger a faixa preferida. “Gostei muito de todas, sinceramente. Curto muito o disco como uma coisa só. A banda tem frescor e arrebenta nos arranjos. Eles conseguiram fazer tudo soar atual. Por outro lado, Samuca brilha com seu carisma tanto no estúdio quanto no palco. Aliás, recomendo muito ver uma apresentação da banda. Gostei demais de todas as participações, inclusive das internacionais, que não conhecia. Sou muito grato por ser abraçado por esta nova geração da música brasileira, como velhinho roqueiro que sou. Tudo que move é sagrado”, comemora.
Ronaldo Bastos aprovou a homenagem (foto: Rodrigo Ferdinand/divulgação)
O coletivo caprichou em todos os aspectos, explica Samuel Samuca. Tanto nos arranjos, na produção quanto na qualidade do áudio e na parte gráfica. Por isso, a homenagem não se faz presente apenas na sonoridade. A capa traz intervenções sobre uma foto de Ronaldo Bastos tirada em Búzios no “século passado”, como brincou o fundador do Clube da Esquina, nascido em Niterói.
“Ronaldo está de braços abertos, num campo de várzea. A gente usou essa imagem e colocou vários elementos gráficos que têm a ver com o nosso trabalho e com o dele. No encarte, temos fotos nossas num campo de futebol no ABC Paulista retratando o mesmo espírito daquela fotografia do Ronaldo. As imagens representam o que nós e o homenageado pregamos: o respeito à diversidade, à vida e à simplicidade”, afirma o vocalista.
Ronaldo Bastos concorda. “Tem tudo aí: liberdade, juventude, espaço, alegria de viver. Meu amigo Peninha (Ronaldo Gorini), da Nuvem Cigana (coletivo artístico), registrou este cara hippie aqui defendendo o gol de uma bola que não existe, e ainda com o detalhe surrealista da vaca no primeiro plano, alheia ao que estava acontecendo. A escolha foi acertada, pois combina muito bem com o espírito da banda. Renato Breder, o designer gráfico, fez um belíssimo trabalho juntando essa foto a outras da banda no zine que encarta o CD na versão física do álbum. Psicodelia e música”, opina.
APCA
Samuca revela que não poderia estar mais satisfeito e realizado com o projeto, que, inclusive, entrou na lista dos 50 melhores discos do ano selecionados pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). E melhor: com a aprovação do sócio-fundador do Clube da Esquina.
“A gente brinca que o álbum traz versões do avesso. Mas, modéstia à parte, elas ficaram muito bacanas. Ronaldo Bastos se emocionou, disse que o disco não poderia ser considerado um simples tributo. Para ele, Tudo que move é sagrado tem a nossa aura, a nossa energia, e é uma continuidade explícita do que fizemos em Madurar”, diz Samuca. “Enfim, o Ronaldo está presente, mas é um disco nosso. Ouvir isso só atesta que estamos no caminho certo, mesmo com uma carreira tão curta.”
A turnê de Samuca e A Selva começa no início de 2019. “Minas não vai faltar. Pode ter certeza”, promete Samuel.