segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

MINHAS DUAS ESTRELAS (PERY RIBEIRO E ANA DUARTE)*




44 - Sítio de Bananal

Meu pai tinha verdadeira paixão pelo sítio de Bananal, no interior de São Paulo, bem perto de Barra Mansa. Foi comprado depois que ele se separou de minha mãe. Antes, a propriedade pertencera a uma tia de Messias, a dona Nair. O terreno da entrada do sítio pertencia a Messias. Preocupado com a falta de patrimônio de meu pai, insistiu muito com ele para comprar. Herivelto só concordou depois que o amigo cedeu a parte dele também . Ganhou em troca do seu pedaço de terra, ele conta, um carro velho que estava parado em casa. É um lugar maravilhoso, ao pé da Serra da Bocaina, com um clima fresco, muito mato e duas nascentes dentro do terreno. Uma delas meu pai represou, formando uma deliciosa piscina de água corrente. A região é povoada de construções coloniais, incluindo a sede, ainda erguida por escravos. Quando crianças, adorávamos ir para lá com meu pai. Toda aquela liberdade nos fascinava. O bom humor que tomava conta dele também nos alegrava. Meu pai calçava umas botas e se metia no mato. Curtia muito reunir toda a família, os amigos da música e o pessoal mais chegado que frequentava o centro espírita. Com o tempo, passou a ser muito querido pelo povo de Bananal, porque propiciava um aconteci-mento anual que a Igreja patrocinava e o prefeito tirava uma casquinha. Usando seu prestígio, ele convidava alguns artistas e armava uma grande festa. Colocava todo mundo dormindo em seu sítio e à noite iam fazer o show num palanque armado no centro da cidade. Marlene, Jerry Adriani, Virgínia Lane, Grande Otelo, Carmélia Alves, Wanderley Cardoso, Ribamar, José Messias, Bené Nunes, Milton Gonçalves, Emilinha Borba foram alguns artistas que aceitaram o convite de meu pai. Eu também participei. Muitos músicos compareciam em troca de cachê simbólico para apenas tomar parte da grande festa que meu pai fazia no sítio. Essa era a verdadeira razão do encontro. Em certas ocasiões, era emocionante ver artistas sem tanta evidência aceitarem o convite e, no palco, exibirem todo o talento que um dia os consagrou. Saíam aclamados pelo público. Com o passar do tempo, o sítio virou a grande terapia de meu pai. Com a solidão da Urca se acentuando, ele escapava para o mato, colocava as botas e subia e descia o terreno, sem cansar. Passava dias maravilhosos. De volta para casa, se a gente perguntasse como estava se sentindo, respondia: “Não sei, ando muito cansado. Minhas pernas doem, minhas costas doem, minha mão tá incomodando quando toco o violão!”. Era só ele resolver voltar para o sítio, e pronto. Nada mais doía. Aquele refúgio foi sua grande válvula para a sobrevivência nos últimos anos. O mais engraçado é que muitas vezes ficava sozinho mesmo, apenas com o caseiro. É claro que os amigos de Bananal o visitavam. Um deles, chamado Roberto, era considerado por meu pai como um dos amigos mais fiéis que teve em toda a vida e tornou-se íntimo dele, virando até confidente de seus problemas. Meu pai estava sempre procurando reunir a família em Bananal. No Carnaval, o sítio ficava completamente lotado; chegava a ter quarenta pessoas hospedadas. Como sempre, ele gostava de bancar sozinho todas essas festas. Mas, com o achatamento que a classe média brasileira passou a sofrer, a partir de meados dos anos 80, seu nível de renda também ficou abalado. Não podia mais arcar sozinho com todo esse esquema. Nós, os filhos mais velhos, e Lurdes tentamos explicar que era natural todos contribuírem e que devíamos organizar uma caixinha para os passeios no sítio. No entanto, ele não aceitava, não era o jeito de ele levar a vida. Aos poucos, as reuniões no sítio foram escasseando. Alguns folgados “perdiam” o interesse no passeio ao saber que de-viam contribuir. E meu pai se sentia constrangido de convidar alguém sem estar pagando.


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