sábado, 10 de junho de 2017

MOSTEIRO, SÍTIO E CASAS DE FAMÍLIA: VISITE LUGARES ONDE BELCHIOR MOROU EM SANTA CRUZ DO SUL - PARTE 02

Por Juliana Bublitz


Pequenos agricultores e MST intermediaram ida a Santa Cruz

O médico Aquiles e a dentista Gloria receberam o casal na Ecovila KaraguatáFoto: Carlos Macedo / Agencia RBS

A chegada de Belchior e Edna a Santa Cruz do Sul, na derradeira etapa da vida do cantor, só foi possível graças à rede de contatos do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e do Movimento dos Sem Terra (MST), com o qual Edna tinha proximidade. Havia, também, admiração mútua entre o cantor e os militantes das causas sociais.

Sentados ao redor da mesa, no centro da sala, em março de 2013, três integrantes do MPA começaram a conversa pedindo sigilo ao médico Aquiles Gusson, 53 anos, e à dentista Gloria Miranda Caceres, 51. Proprietários da Ecovila Karaguatá, comunidade alternativa em Linha Ficht, a 10 quilômetros do mosteiro, os dois até se assustaram.

— Não estávamos entendendo no início. Aí eles perguntaram se poderíamos hospedar Belchior e a mulher, com a condição de manter segredo. Aceitamos porque a nossa proposta é alojar quem quiser viver de forma comunitária — recorda Gloria.

Na Páscoa de 2013, os visitantes chegaram à propriedade de 42 hectares, onde há pomares e lavouras de uso coletivo. Carregavam duas malas e vinham de carro do norte do Estado, trazidos por amigos. Desde 2009, pelo menos, eles já haviam passado por inúmeras outras cidades gaúchas, como Santa Vitória do Palmar, São Lourenço do Sul, Guaíba e Porto Alegre. Na Ecovila, a permanência acabou durando menos do que esperavam — apenas três semanas. Nos primeiros dias, o isolamento se mostrou impossível.

— Recebemos muita gente aqui, principalmente para meditar. Às vezes temos 20, 25 pessoas. Toda vez que chegava alguém, era uma correria. Edna entrava em pânico. Ficava uma situação muito estranha — conta Gloria.

Quando os dias eram de calmaria, a tensão baixava. Uma tarde, a dentista ouviu sons vindos do banheiro. Minutos depois, Belchior saiu de lá sorrindo. Cabelo e bigode estavam negros como breu. Edna havia retocado a tintura, e ele estava radiante.

Outro dia, a produtora cultural apareceu na sala anunciando:

— Atenção, vejam essa obra de arte!

Na sequência, Belchior entrou na sala risonho, desfilando como se fosse um modelo na passarela. Exibia uma calça jeans multicolorida, pintada à mão. A criação era da dupla, que também se dividia na cozinha. Ela fazia bolo de chocolate. Ele ajudava a lavar a louça e a pilar a cúrcuma (açafrão-da-terra).

Para a frustração de Aquiles, Belchior nunca pegou no violão, apesar de haver instrumentos por todos os lados na casa.

— Meu filho toca, eu toco, mas não teve jeito. A Edna dizia que, quando ele estava compondo, não tocava — relembra Aquiles.

Certa vez, Edna disse a Gloria que daria um curso por três dias e que eles voltariam em breve. Foi essa a última vez que os viu.

— Saíram levando as malas e nem deram tchau. Para o MPA, Edna contou que juízes tinham vindo atrás deles, mas isso nunca aconteceu — diz Gloria.

Durante toda a estadia, o casal nunca ajudou nas despesas. A única contribuição financeira, segundo Aquiles, vinha do MPA.

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