Jornalista era amigo do cantor, morto no último sábado, em Santa Cruz do Sul
Por Juarez Fonseca
Grafite de Belchior em San Gregorio de Polanco, no Uruguai
"Olha, eu gostaria de dizer coisas agradáveis às pessoas e de cantar o amor. Mas eu não sou mensageiro de coisas agradáveis."
Belchior me disse isso em uma entrevista de 1977. A notícia da morte dele me abateu não só porque o admirava como um grande artista da música e da palavra, talvez o mais intenso de sua geração. Me abateu principalmente porque éramos amigos. Quase sempre que vinha a Porto Alegre nos encontrávamos, em minha casa, em um bar ou no hotel, para longas conversas ao redor de uma garrafa de vinho. Falávamos sobre quase tudo, sua fala macia revelando um pensador do tipo renascentista, interessado por muitos temas. Mas tinha algumas predileções, como os beatniks e os poetas "malditos". Talvez sua última apresentação na cidade, acho em que 2005, tenha sido no projeto Ensaio Aberto, que coordenei no Santander Cultural: enquanto eu o entrevistava, ele ilustrava as respostas com música e poesia. Poucos sabem que era também artista plástico – guardo, autografado, um livro de desenhos de influência cubista, e um álbum de pinturas cujo único personagem é Carlos Drummond de Andrade; dezenas de retratos do poeta.
Seu "desaparecimento" em vida, há dez anos, acompanhado de uma mulher chamada Edna, representou um enigma para mim. Por que, por que, por que?, e eu não encontrava qualquer resposta. Na verdade, a única resposta plausível era que resolvera mesmo largar tudo, radicalmente, como Rimbaud, citado em uma de suas canções. Rimbaud foi ser traficante de armas na África, Belchior resolveu esconder-se entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai, abandonando a mãe, os filhos e a carreira para viver (ao lado de Edna) da caridade e de sair de hotéis pela porta dos fundos. Em algum momento pensei que pudesse me procurar, para pedir ajuda ou contar o que estava acontecendo. Cheguei a fazer campana nas imediações de um hotel da Rua Fernando Machado, onde estaria hospedado, mas nunca o avistei. Se o encontrasse, o certo é que não me contaria nada, como nada contou para os dois ou três jornalistas que por acaso tiveram tal oportunidade, mesmo fugaz, passando a impressão de que Edna o protegia ferozmente das maldades do mundo.
Não há nenhum indício de que durante estes 10 anos Belchior tenha registrado em escritos sua experiência. O enigma permanecerá. A não ser que Edna um dia resolva contar a história. O que parece pouco provável. Aos fãs, que nesse tempo guardavam a vã esperança de vê-lo ressurgir nos palcos, resta ouvir seus discos – principalmente a obra-prima Alucinação, de 1976.
Naquele ano, em outra entrevista, Belchior me disse: "A arte é mais importante quando levanta questões do que quando resolve. Por quê? Porque não é função da arte resolver, mas problematizar, questionar. Não compreendo arte verdadeira conformada. Como ela está no cerne da vida, questionando a vida, tem que ser um momento de rebeldia, tem que ser inconformada, tem que ser fora das convenções, violenta, tem que ser um produto altamente explosivo. A arte não pode ser um produto inócuo".
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