sábado, 24 de junho de 2017

MOSTEIRO, SÍTIO E CASAS DE FAMÍLIA: VISITE LUGARES ONDE BELCHIOR MOROU EM SANTA CRUZ DO SUL - PARTE 04

Por Juliana Bublitz


O sonho de construir uma torre de livros

Marina Trindade, filha de casal que abrigou Belchior, e uma das lembranças guardadas pela família: o chapéu do cantor Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS


Com o tempo, Dogival teve de procurar outros lugares para abrigar Belchior, porque a relação do radialista com Edna se desgastava. Antes de passar pelo santuário das monjas beneditinas, o músico e a companheira foram acolhidos pelo professor de Filosofia da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) Ubiratan Trindade, 56 anos, e pela dona da Casa das Cucas Waechter, Ingrid Trindade, 52. Por devoção ao ídolo, ambos aceitaram a missão.

Quando a filha do casal, Marina, 22, veio de Porto Alegre, Bira e Ingrid tiveram de contar o segredo. Ela foi recebida por Belchior com um longo abraço.

— Marina, que bom que finalmente vou te conhecer. Vamos conversar? — disse o astro para a estudante boquiaberta.



Foram três meses de convivência, sendo que parte do período transcorreu no sítio da família em Murta, no interior de Passa Sete, a cerca de cem quilômetros de Santa Cruz. Lá, em dezembro de 2013, a família se reuniu com os convidados e mais um casal, o professor de Sociologia da Unisc Caco Baptista, 58, e a professora de Educação Infantil Marisa Oliveira, 50. À noite, na sala, depois de comer salmão ao molho de maracujá, o grupo botou para tocar o vinil Alucinação. "Belchior, tu tens noção do que significa esse momento para nós, que somos teus fãs?", perguntou Marisa, que horas antes tinha visto o ídolo colher cebolas roxas na horta.

— Lembro que ele riu e bebeu um gole de vinho. Foi muito marcante — emociona-se a professora.

No outro dia, durante uma caminhada, Belchior apontou para o gramado e disse:

— Meu sonho é construir uma torre de livros aqui e ficar para sempre.

Ali, anônimo, ele circulava na área externa, algo que nunca fazia em Santa Cruz. Imitava o som dos passarinhos, colhia verduras, ouvia um radinho de pilha e até cogitava gravar um clipe. Nem mesmo o agricultor Francisco Cremonese, o Chico, 59 anos, vizinho que volta e meia aparecia para ver se estava tudo bem, sabia quem era.

— Um dia entreguei uma carpa capim para os dois. Se soubesse, tinha pedido autógrafo — brinca.

Segundo os anfitriões, os visitantes nunca pagaram por nada e viviam com pouco. Ganharam roupas do irmão de Bira, comerciante em Sobradinho. De Ingrid, recebiam marmita todos os dias. Belchior, que adorava cuca de uva, não fazia qualquer exigência.

— Era muito simples, gentil e extremamente inteligente. Parece que abriu mão das coisas materiais. Nunca vamos esquecer dele — diz Bira.

A família guarda com carinho algumas lembranças, como um de seus pijamas, autógrafos em LPs, um bilhete para Marina. A universitária chorou muito com a morte do músico. Foi por influência dele que ingressou no curso de História da Arte, na UFRGS:

— Ele sugeriu que eu fizesse meu trabalho de conclusão sobre cantores que pintam e disse que aceitaria participar. Infelizmente, não foi possível.

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