quinta-feira, 10 de março de 2016

OLORÓ!

Vítima de um câncer de pulmão, morre Naná Vasconcelos, ganhador de oito Grammys e considerado um dos maiores percussionistas do mundo

Por Bruno Negromonte




Em yorubá, oloró tem por significado festa. Contexto este que acredito fazer parte da chegada de Naná Vasconcelos hoje em outras pairagens. Não acredito que haja outra situação para receber um artista da grandeza de Naná. Feliz foi Gabriel, o pensador ao saber do falecimento deste músico irrepreensível: "Não vou estranhar se os trovões, os ventos e as chuvas passarem a soar bem melhor, em combinações inusitadas de ritmos, depois da chegada do mestre Naná Vasconcelos ao céu". Senhor de todos os ritmos neste planeta, Naná resolveu assumir as percussões celestiais não sem antes deixar como legado para os que aqui ficam uma carreira pontuada por amizades sonoras em todos os cantos do planeta desde que deu início a sua carreira ainda na década de 1960.

Mesmo rodando todos os cantos do planeta o músico pernambucano foi um dos mais fiéis seguidores da máxima de Liev Tolstói: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Nascido em Recife, Juvenal de Holanda Vasconcelos ganhou o apelido de Naná dado pela avó em reverência a Nanã, que no candomblé é a mãe dos orixá. Desde criança convivia com instrumentos em casa devido ao pai, que tocava violão e o introduziu no contexto musical no início da adolescência. Por volta dos doze anos Naná já atuava tocando bongô e maracas em grupos musicais. Um pouco mais velho chegou a tocar bateria em alguns cabarés e ser percussionista da banda municipal de sua terra natal. Logo em seguida, por volta de 1967, seguiu para o Rio de Janeiro objetivando seguir carreira artística. Na “cidade maravilhosa” gravou dois LPs com Milton Nascimento e, no ano seguinte, junto com Geraldo Azevedo, viajou para São Paulo para participar do Quarteto Livre, que acompanhou Geraldo Vandré no III Festival Internacional da Canção. De volta ao Rio de Janeiro, formou o Trio do Bagaço, com Nélson Angelo e Maurício Maestro, apresentando-se, com o grupo, no México, a convite de Luis Eça. Vem desse período a sua escolha pela percussão e, em especial, pelo berimbau.

Atuou na trilha sonora de “Pindorama”, filme de Arnaldo Jabor. Nessa época, conheceu Gato Barbieri, com quem viajou para Nova York (EUA) para a gravação de um disco. Nos Estados Unidos tem a oportunidade de mostrar todo o seu talento a partir da participação em diversos festivais de jazz, e atuar ao lado de alguns dos maiores nomes da música internacional da época. Cidadão do mundo, Naná apresentou-se em países como França, Suíça, Escócia, Polônia, Alemanha entre outros países do continente Europeu muitas vezes ao lado do Quarteto Iansã. Na África foi buscar inspirações através de pesquisas que resultaram em seu primeiro LP intitulado “Africadeus”. Ainda na Europa, compôs a trilha sonora de uma novela para a televisão francesa com temas brasileiros. Em Portugal gravou um disco no dialeto angolano quimbundo. 

Em 1972, retorna ao Brasil e apresentou, no Teatro Fonte da Saudade. Nessa apresentação, interpretou o repertório de seu disco “Africadeus” e uma bachiana de Villa-Lobos, regendo um coral e atuando como único músico do show. No ano seguinte, gravou seu segundo LP, “Amazonas”, lançado pela Philips, mesclando o ritmo brasileiro ao folclore africano. 

Em seus projetos soma-se parcerias com nomes como Egberto Gismonti (com quem trabalhou durante oito anos e gravou os discos “Dança das cabeças” e “Egberto Gismonti & Naná Vasconcelos & Walter Smetak”), Pat Metheny, Gilberto Gil, B.B. King e Paul Simon. Sua discografia é composta por títulos como “Fragmentos”, “Minha Loa”, “Dança das cabeças”, “Saudades”, “Isso vai dar repercussão” (em parceria com o não menos saudoso Itamar Assumpção), “Visions of Dawn” (Ao lado de Joyce e Mauricio Maestro), entre outros. Seu últimos trabalhos fonográficos foram os álbuns 4 elementos (solo) e Café no bule (parceria com Zeca Baleiro e Paulo Lepetit).


Ganhador de oito grammys, a simplicidade de Naná paradoxalmente o fez um gigante no exercício do seu ofício, um mestre que deixa como legado lições percussivas e aprendizados também como ser humano. Para mim, além de todos esses adjetivos a ele atribuídos ao longo do dia, soma-se o modo polido como ele sempre procurou tratar a todos, a simplicidade a o sorriso cativante que mesmo após o diagnóstico do câncer não o abandonou. Responsável durante 15 anos pela abertura oficial do carnaval de Pernambuco, e a frente de projetos como o “Voz nagô”, “língua mãe”, o “ABC musical” e o “Flor do Mangue”; Naná deixa hoje uma lacuna impreenchível na música global.

Ọdàbó, Naná! Adupé!

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