sábado, 7 de maio de 2016

PETISCOS DA MUSICARIA

SÉRIE “O CHORO” – PARTE I


O choro do Quintal ao Municipal: uma visita informal


Tenho vivido um momento especial com essa aventura de voltar a estudar aos 60 anos. Optei por uma extensão do jornalismo, que era onde já havia pisado e continuo pisando.

Não fosse inerente vontade profissional, que não se cala com a aposentadoria formal, seria pela necessidade de levar para sala de aula novos dizeres, novos fazeres, outras tarefas e tantos encontros.

Em geral, com professores de minha geração e, na plateia, colegas da faixa dos 23 aos 36 anos, uns saindo da graduação, outros buscando novos caminhos dentro de suas profissões – temos graduados em Letras, em Gastronomia, em Multimídia.

Houve ‘um certo rapaz Rodrigo’, formado em Matemática, que desistiu na terceira aula. Nunca entendi o motivo. Considero a matemática uma das áreas mais sensíveis e fascinantes do conhecimento humano. Talvez, nós o tenhamos decepcionado. Foi isso!

Pois bem, numa dessas tarefas, resolvi entrar de forma sistematizada na história do Choro e, orientado por vários especialistas, cheguei ao livro que todos consideram a melhor fonte e a mais cuidadosa referência escrita acerca do Choro no Brasil até agora.

É pela imensa felicidade que tive ao me enfronhar no tema que desejo passar um pouco do que aprendi aos caros amigos.

A obra chama-se de “Choro do Quintal ao Municipal”, de Henrique Leal Cazes. Nascido em 02 de fevereiro de 1959, no Rio de Janeiro, é cavaquinhista, arranjador e compositor brasileiro, filho do violonista Marcel Cazes. Seu irmão é o percussionista Beto Cazes.

Uma vez posto que Henrique é de família musical, naturalmente deve-se informar que é autodidata, iniciando-se aos sete anos na prática do violão.

Com o tempo, expandiu seus interesses para outros instrumentos de cordas como o cavaquinho, o banjo, a viola caipira, o bandolim e violão tenor.

Sua carreira musical começou em 1976 com o ‘Grupo Coisas Nossas’, dedicado à divulgação da obra de Noel Rosa. A partir de 1980, participou com seu irmão, Beto, do renomado conjunto ‘Camerata Carioca’, de que faziam parte o bandolinista Joel Nascimento e o pianista e compositor Radamés Gnatalli.

Em 2004, tornou-se apresentador de rádio, lançando o programa “Nacional Choro Clube”, na Rádio Nacional AM, do Rio de Janeiro, entrevistando e apresentado alguns dos mais importantes músicos do choro e do samba.

Antes, Henrique Cazes, escreveu seu livro “Choro do Quintal ao Municipal”, que, aos olhos deste articulista, é a bibliografia número 1 do choro brasileiro.

Delicado (1951), de Valdir Azevedo:



Aqui, para mim, uma observação definitiva de Cazes: “o grupo Os Novos Baianos trouxe de volta o interesse por instrumentos como o cavaquinho, o violão de sete cordas e o violão tenor. A associação de um grupo de imagem tão contra cultural com valores tradicionais da música brasileira era algo impensável e teve efeito muito positivo de atrair para aquele instrumental, aquele tipo de música, jovens como o autor que vos escreve”.

Essa declaração corrobora tudo o que digo e defendo sobre a importância do excepcional grupo baiano em relação ao resgate do que há de mais tradicional e precioso em nossa música, com uma modernidade em tempo e harmonia com a nova época.

É possível afirmar que não é farta a bibliografia sobre o choro nas livrarias e bibliotecas brasileiras. Não chegou a 30 o número de obras sobre o gênero, mesmo incluindo-se aí livros, ensaios e brochuras que falem apenas tangencialmente sobre o foco de nossa lente.

Temos José Ramos Tinhorão, com seu excelente “História Social da Música Popular Brasileira” e de André Diniz, com alguns dos principais personagens fundadores do choro, em livros como “Joaquim Callado: O Pai do Choro”; “O Rio musical de “Anacleto de Medeiros: “a vida, a obra e o tempo de um mestre do Choro”; e “Chiquinha Gonzaga: uma História de Vida”. Sérgio Cabral e Haroldo Costa são outros nomes de boa investigação sobre o tema.

Quem talvez tenha mais publicações sobre o assunto seja mesmo o vetusto José Ramos Tinhorão, que conheci pessoalmente em festival de música regional, no Rio Grande do Sul, o “Acorde Brasileiro”, em 1985.

Porém é de André Diniz, que escreveu o “Almanaque do Choro: A História do Chorinho, O Que Ouvir, O Que Ler, Onde Curtir” o trabalho que mais se ombreia com o livro que decidi ler amiúde e apresentar como a minha melhor referência para noviços e doutores que queiram saber ou simplesmente relembrar nomes e passagens da história do choro.

Abro minha revisita ao livro, a leitura amiúde, como se a tivesse fazendo pela primeira vez, para procurar pedagogicamente servir ao leitor como balizador dos principais atrativos e conhecimentos práticos que Cazes traz em sua obra.

Lamentos (Pixinguinha/Vinícius de Moraes), instrumental com Yamandu Costa e Dominguinhos:


Em seu primeiro capítulo diz: “A mistura de estilos e sotaques que levou ao nascimento do Choro ocorreu de forma similar em diferentes países. A partir dos mesmos elemento – danças europeias (principalmente a polca) somadas ao sotaque musical do colonizador e à influência negra – foram surgindo gêneros que são a base da música popular brasileira”.

“Assim – segue nosso autor – se observarmos o maxixe brasileiro, a beguine, da Martinica, o danzón de Santiago de Cuba e o ragtime norte-americano, vemos que todos são adaptações da polca”. E continua: “A diferença de resultados se deve ao sotaque inerente à música de cada colonizador (português, espanhol, francês e inglês) e, em alguns casos, a uma maior influência religiosa. A região da África de onde vinham os escravos também influiu, pois foram trazidas diferentes tradições musicais por negros de tribos distintas”.

Desde o nascimento da música popular no Rio e no mundo, percorrendo os principais nomes do gênero, como, entre outros, nos capítulos “Antonio Callado, a flauta e a música dos chorões”; “Anacleto de Medeiros, os chorões e as bandas”; “Chiquinha & Nazareth”; “o violão brasileiro”; “o surgimento de Pixinguinha”; “Carinhoso e Lamentos, revolução no Choro”; “o rádio e a fixação do formato ‘Regional’”; “Garoto, o choro de São Paulo”; “Jacob, o Choro levado a sério”; “Brasileiro, o Choro faz sucesso”; “Canhoto da Paraíba e o Choro Nordestino”; “Oficinas e Livros, o Choro vai à escola”; e “Choro por toda a Parte”.

Fiz uma seleção do que considero os mais expressivos tópicos do livro de Cazes, mas todos os 29 capítulos tem sua razão e necessidade de ser.

“Choro, do Quintal ao Municipal” pontifica que “devemos creditar nossos pioneiros, músicos como Joaquim Callado, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros e Chiquinha Gonzaga, entre outros, como os que exerceram forte liderança, cada qual em um front, estabelecendo um alto padrão de composição que dura até hoje”.

Lembra que Carlos Gomes e Villa-Lobos viram em Anacleto e Nazareth a expressão de nossa identidade musical.

A geração de Pixinguinha, Candinho e Bonfiglio de Oliveira deu forma ao Choro, fazendo com que esse termo significasse também um gênero de música. E o mais interessante é que, mesmo depois de um estilista genial como Pixinguinha, o Choro não parou de experimentar”.

“Radamés Gnattali e Garoto – sustenta o autor – trouxeram informações do jazz e do clássico. Severino Araújo traduziu a ‘big band’, enquanto K-Ximbinho e Paulo Moura aprofundaram o namoro entre o Choro e o Jazz. A musicalidade chorística – segue – espalhou-se, levada pelas ondas do rádio e por meio de grandes solistas, dos quais realçamos Zé Menezes e Altamiro Carrilho.

“Roda de Choro” – ‘Chorinho para Você’, de Severino Araújo, Sesc-Paulista – 2010 – Entre os seis componentes destaques para Luizinho 7 Cordas e Milton Mori, no cavaquinho:

Nos momentos mais difíceis, após a morte de lideranças como Jacob do Bandolim (1969) e de Pixinguinha (1973), o Choro encontrou meios de reagir, atraindo novas gerações. “A minha – explica Cazes – que entrou na roda em meados da década de 1970, investiu na codificação e na transmissão organizada do conhecimento relativo ao assunto e o Choro foi à escola”.

Importante ressaltar que cada vez mais jovens começam a tocar Choro no Brasil, além de exemplos de bons intérpretes estrangeiros, como o bandolinista japonês Oh Akioka e a clarinetista israelense Anat Cohen.

Aprendemos que – “na primeira década do século XXI, pudemos observar o brilho de uma nova geração, capitaneada por Hamilton de Holanda e Yamandu Costa, virtuoses que procuram equilibrar tradição e experimentação”.

“Fazendo um balanço global – continua – ouvindo o repertório de uma roda de Choro de hoje em dia, chego à conclusão de que nos desenvolvemos em um modelo acumulativo.

Cada nova proposta que chega não descarta, necessariamente, alguma prática do passado. Por vezes, a grande novidade que um solista apresenta é o balanço de uma polca ‘amolecida’ do século XIX”.

Semana que vem tem mais choros e personagens…

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