sexta-feira, 20 de maio de 2016

DISCOS CLÁSSICOS PERNAMBUCANOS QUE VOCÊ NÃO VAI ENCONTRAR NAS PRATELEIRAS

Álbuns de artistas pernambucanos fora de catálogo nas lojas físicas ou online dificultam acesso à produção musical do estado


Por Luiza Maia


A escassez soa incômoda, mas representa regra, não exceção, quando o assunto são as obras musicais de artistas do estado.


Um dos principais percussionistas do mundo, Naná Vasconcelos, morto no dia 9 de março, aos 71 anos, deixou quase 30 discos como legado. O material repousa nas estantes de apreciadores e colecionadores, mas somente quatro deles podem ser encontrados com facilidade nas lojas de discos e livrarias pernambucanas. A escassez soa incômoda, mas representa regra, não exceção, quando o assunto são as obras musicais de artistas do estado.

Os relançamentos esbarram em desinteresse ou na extinção das gravadoras (quando os direitos são comprados por selos), falta de verba para reedições (no caso de independentes) e até na concorrência com as novidades do próprio artista, sempre valorizadas em detrimento de produções antigas. "Às vezes, eu fico até com vergonha, porque o cliente quer conhecer a obra completa do artista e não tem nada. Alguns pensam que eu não tenho por descaso meu, mas não é", desabafa Fábio Cabral, da Passa Disco, no Parnamirim, recanto da produção local.

No caso de Naná, estão nas prateleiras Café no bule (Sesc, 2015), o mais recente, em parceria com Zeca Baleiro e Paulo Lepetit, Sementeira (2010), Complete Codona (ECM Records, 2009), com Don Cherry e Collin Walcott e disponível apenas em versão importada, por nada módicos R$ 187, e Minha lôa (Tratore, 2002). Os dois projetos solo mais recentes, Quatro elementos (2013) e Sinfonia & batuques (2011), são distribuídos pela viúva do artista, Patrícia Vasconcelos, e não foram encontrados pela reportagem nas estantes.

A produção independente, muitas vezes fomentada por editais públicos como o Funcultura e com tiragem média de 2 mil exemplares, acaba por limitar a disponibilidade dos produtos. Entre os Patrimônios Vivos de Pernambuco, principal honraria concedida pelo governo para mestres da cultura popular, Lia de Itamaracá e os saudosos Mestre Salustiano (1945-2008), Selma do Coco (1935-2015) e João Silva (1935-2013) não têm um álbum sequer à venda. Lançado no ano passado, postumamente, o DVD Mestre de um brejo distante, do Mestre Camarão (1940-2015), já não tem exemplares. "Todos os discos de Mestre Salustiano estão esgotados no momento. Quando ele faleceu, tivemos que correr atrás de burocracias ligadas à obra dele. Quando estiver tudo certo, quero fazer uma coletânea com os quatros discos", conta Pedro Salustiano. O lançamento não tem data prevista e será independente.

Artistas mais novos também são atingidos pelos percalços do mercado fonográfico. Criada em 1996, com China nos vocais, a Sheik Tosado acabou em 2001 e sumiu dos registros fonográficos, inclusive em serviços de streaming. "Os direitos de Som de caráter urbano e de salão (1999) são da Trama. Nos anos 1990, geralmente eram das gravadoras. Tenho vontade de que saia em vinil, mas também não sei se isso vai ocorrer. O disco está no YouTube", indica ele, sobre o formato pelo qual não recebe direitos autorais.

Principal representante do manguebeat, Chico Science (1966-1997) lançou apenas dois discos em vida - Da lama ao caos (1994) e Afrociberdelia (1996) -, ambos disponíveis. Da Nação Zumbi pós-Chico, entretanto, apenas três podem ser comprados em lojas físicas, um deles em parceria com a Mundo Livre S/A, outro ícone do movimento manguebeat, nos anos 1990, e só no formato LP. "A gente não tem autonomia para lançar nenhum disco. O primeiro é da Warner, outros são de Deck. Não sei se há interesse das gravadoras. O CD, hoje em dia, é um cartão de visitas. Eu acho que a gente poderia lançar, mas não vale a pena pagar o licenciamento e os custos da fábrica", reflete o vocalista Fred Zeroquatro, da MLSA. O novo disco da banda, Manguebit, está em pré-venda.

Até Lenine e Alceu Valença, os conterrâneos vivos com maior projeção mercadológica, têm alguns títulos no escanteio. A estreia fonográfica do Leão do Norte, Baque solto (2013), em parceria com Lula Queiroga, ganhou até show comemorativo aos 20 anos de lançamento, mas não voltou às prateleiras. Da década de 1999, apenas Na pressão (1999) está à venda.

Para compensar a lacuna na extensa discografia de Alceu, a Universal resgatou cinco LPs lançados nos anos 1970 e 1980: Cinco sentidos (1981), Anjo avesso (1983) e Mágico (1984) integram a coletânea Três tons.Coração bobo (1981) e Cavalo de pau (1982) ganharam edições avulsas em CD. Apesar do título de Rei do Brega, Reginaldo Rossi pode ser ouvido em disco físico somente através do Cabaret do Rossi (Universal). Cabe aos principais representantes do forró em âmbito nacional a maior quantidade de títulos disponíveis. Luiz Gonzaga e Dominguinhos, com mais de uma dezena de álbuns à venda cada, são um verdadeiro - e alentador - ponto fora da curva.

Na web

Livres dos custos envolvidos na fabricação de CDs e vinis e reforçados pelo aumento da representatividade no mercado fonográfico, os serviços de streaming possibilitam o resgate de títulos esquecidos pelas gravadoras e a perpetuação de projetos sem apelo comercial para relançamentos. A oferta tende a aumentar com a ascensão das plataformas de audição online, como Deezer, Tidal, Apple Music e Spotify. Em 2015, pela primeira vez, o streaming foi o formato mais lucrativo no mercado norte-americano. O modelo correspondeu a 34,5% dos lucros, seguido por downloads digitais (34%), cópias físicas (28,8%) e sincronização (2,9%). Confira o que pode ser ouvido online:


Baião

Uma verdadeira e farta coleção de obras de Luiz Gonzaga está disponível nas plataformas de streaming. São quase 30 discos dele - desde Xamego, o primeiro LP, de 1961 -, além de homenagens ao Rei do Baião, como o projeto assinado por Zé Ramalho. Do herdeiro musical Dominguinhos (foto), também se contam mais de três dezenas de álbuns.


Patrimônios

Com razoável força de vontade, garimpa-se poucos resultados dos Patrimônios Vivos de Pernambuco, comoNo forró pé de serra, de João Silva, O violão brasileiro tocado pelo avesso, de Canhoto da Paraíba, Eu sou Lia e A rainha da ciranda, de Lia de Itamaracá. De Selma do Coco (foto) e Mestre Salustiano, só uma música, cada: Ô moreninha do dente de ouro e Olinda número um.


Mangue


Todos os discos da Nação Zumbi - lançados com ou sem Chico Science - são ofertados para streaming, assim como os da Mundo Livre S/A e dois de Mestre Ambrósio (foto, Terceiro samba e Fuá na casa de Cabral). Dos anos 1990, também é possível resgatar as extintas Cumadre Fulozinha, Jorge Cabeleira e o Dia em Que Seremos Todos Inúteis.

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