Compositora se sente uma operária de sua arte, incansável em sua jornada
Por Rubens Herbst
Para Ana, sobram talento, motivação e crença de que o suor vale a pena em nome da música
É fim de show e Ana Paula da Silva se despede da pequena plateia, não sem antes oferecer CDs seus cuidadosamente acomodados em uma cesta. Quando o último fã vai embora, ela ainda tem muito o que fazer – desplugar cabos, juntar partituras e suportes, guardar instrumentos nos cases, reunir equipamento de som e guardar tudo no porta-malas do carro.
Sem roadie, assistente ou empresário, Ana está acostumada a cuidar de cada detalhe de seu trabalho artístico, o que inclui “pegar no pesado” após as apresentações. Glamour não há, mas sobram talento, motivação e crença de que o suor vale a pena em nome da música. É assim há 20 anos, e, mais do que nunca, a cantora e compositora de Joinville se sente uma operária de sua arte, incansável em sua jornada, presa apenas ao soar de notas, melodias e palavras.
Curiosamente, a primeira paixão de Ana foi a dança, que ocupou sua vida até a adolescência. Música, porém, sempre habitou a casa, nos sambas entoados pelo pai e pelos irmãos, autodidatas como ela, que aprendeu os primeiros acordes aos 12 anos, tendo só as velhas revistinhas de partituras à frente. Afora alguns cursos e oficinas, a sala de aula foi a estrada.
— A coisa teórica é importante, mas ela não define a personalidade da sua arte. A minha experiência veio de tocar à noite em bares, participar de festivais, conhecer as pessoas e viajar, sair do meu quintal — enumera Ana, que começou a tocar profissionalmente aos 16 anos.
Depois de quatro anos, ela deixou a parceria com Juninho Salves e passou a acompanhar a si própria no violão, o que a lançou também no mundo das composições autorais. Tendo a música popular brasileira como referência máxima e permanente, Ana foi fazendo de cada disco uma impressão do momento pelo qual estava passando.
Quando em 2006 lançou Canto Negro e Por Causa do Samba, ela já morava havia dois anos na Áustria, para onde foi a convite do músico Alegre Corrêa. A recepção foi tão boa que Ana volta regularmente ao país, normalmente amparada por shows em outras terras europeias.
O ano de 2006 também marcou uma virada radical na vida de Ana: o nascimento da filha, Clara. Além da óbvia mudança na rotina e nos horizontes, a menina levou a mãe para novos caminhos musicais, como os arranjos do disco/livro Contos em Cantos (2009), ao lado do ator e escritor Humberto Soares.
Ainda em 2009, o Prêmio Pixinguinha permitiu a produção do disco Aos de Casa, um passaporte para o trabalho de Ana Paula ficar mais conhecido, algo convertido em turnês regulares.
Na Argentina, onde morou por um ano e fez mais de 40 shows, encantou-se pela independência e iniciativa dos colegas hermanos, o que a motivou a produzir o festivalAldeia de Todos os Cantos em Joinville, um intercâmbio entre músicos latinos que teve três edições entre 2013 e 2015.
— A arte independente possibilita ao público incentivar a música que ele gosta e ter um contato mais próximo com o artista — reflete Ana.
Liberdade criativa é, de fato, um tema caro à joinvilense. Ana nunca correu atrás de gravadora, por exemplo. Ela é seu próprio empresário, produtor e roadie. Da foto da capa do disco aos detalhes de cada turnê, tudo passa por seu crivo, e nada acontece sem que tenha total confiança naquilo que está fazendo.
— O meu canto é a minha própria asa — justifica, sem, no entanto, descartar a possibilidade de vir a contar com alguém que a ajude nas questões fora do âmbito puramente artístico.
— Tem muita seriedade no meu trabalho, tenho um respeito enorme pela música.
Tal deferência por sua arte chega a um ponto culminante com Raiz Forte, disco que sai agora, cinco anos após o Pé de Crioula e três após o songbook com suas composições organizado pela pianista Marisa Toledo, algo que lhe indicou a plenitude como autora.
É também o carimbo sonoro, à base de voz e violão, de um amadurecimento por estes 20 anos de carreira, sendo dez visitando regularmente a Europa, para onde voltará em maio.
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