segunda-feira, 4 de setembro de 2017

PAUTA MUSICAL: MAURÍCIO EINHORN, O SOPRO QUE PERMANECE

Por Laura Macedo



Maurício (aliás, Moséis David) Einhorn nasceu no Rio de Janeiro a 29 de maio de 1932. Esse carioca nascido na Lapa e criado no Flamengo, praticamente trocou as fraldas pela gaita. Desde cedo começou a conviver com a harmônica de boca, pois aos cinco anos ganhou uma de seus pais, que também tocavam o instrumento, em casa, executando repertório de valsas vienenses, em especial as de Johann Strauss.

"Eles tocavam gaita comum, sem os sustenidos. Meu pai em especial tocava bem, e contornava os acidentes que sua gaita não possuía. Também aprendi a fazer isso, no tempo em que eu desconhecia a existência de um instrumento que tocava as pretas do piano, e com isso fui desenvolvendo minha musicalidade."

Suas lembranças musicais mais antigas são as músicas "Greensleeves", canção inglesa de autoria desconhecida, e a Ária da Quarta Corda, de J. S. Bach. Essa última é uma das minhas músicas preferidas. O grande violonista Paulinho Nogueira sempre dizia que era a dele também.

Tocando desde os seus cinco anos, considera-se um músico de ouvido.

"Estudei música, teoria, harmonia, com Eumir Deodato e Moacir Santos mas, na hora de passar da clave de sol para a clave de fá, fiquei desmotivado. Achei que tinha um muro que me impedia de assimilar ao mesmo tempo em que já sabia muito mais à frente daquilo que ia aprender."

Um dos métodos que o músico se recorda de ter utilizado foi "Solfejos Melódicos" (Ed. Casa Oliveira de Músicas), de Maria Luiza Priolli.

Einhorn aprendeu, também, com os discos que ouvia na infância: polcas e obras de J. Strauss e, posteriormente, Frank Sinatra, Doris Day, Andrews Sister e com as orquestras de Tommy Dorsey e Glenn Miller, que ouvia nos bailes de sua adolescência. "A música das orquestras era uma aula de harmonia para mim."

Ressalta, ainda, a importância dos músicos Luiz Eça, Erroll Garner, Hank Jones, Lennie Tristano, Kenny Barron, Thelonious Monk e Oscar Peterson, de Toots Thielemans e de Charlie Parker, além de toda a obra de F. Chopin.

O gaitista Maurício Einhorn estuda de cinco a seis horas todos os dias, incluindo fins de semana e feriados. Pratica respiração e escalas, tocando muito lentamente: "Tem que ter a disciplina de fazer direito primeiro."


Maurício Einhorn se diz doente por improvisar. "Improviso mesmo, não apronto nada, não ensaio, saio improvisando sempre. Uma dica para isso é encher a cabeça de informações que, às vezes, elas se juntam por elas próprias."

Maurício Einhorn iniciou-se profissionalmente como músico em 1947, no programa das Gaitas Hering, da Rádio Tupi. Antes disso, aos treze anos de idade, já se apresentava em programas da Rádio Nacional, inclusive no famoso Papel Carbono, de Renato Murce.

Realizou, em 1949, sua primeira participação profissional em estúdio, com o conjunto de harmônicas Brazilian Rascals, como solista do tema "Portate Bien", lançado pela gravadora Rio em 78 rpm. Ainda nesse ano, apresentou-se com Waldir Azevedo e seu Regional na Rádio Clube do Brasil, tocando chorinhos desse compositor.

Iniciou-se no jazz em 1954, apresentando-se na Rádio Mayrink Veiga e no bar do Hotel Plaza.

Foi também na década de 50, que tocou em um programa de jazz da Rádio Mayrink Veiga e conheceu diversos músicos ligados à bossa nova, entre eles Durval Ferreira, que se tornou um de seus mais constantes parceiros.

Na década de 1960, o músico destaca o convite que lhe foi feito para tocar no programa “O Fino” (TV Record, 1965 a 1967), de Elis Regina, com o Sambalanço Trio, formado por Cesar Camargo Mariano ao piano, Humberto Clayber ao contrabaixo e Airto Moreira na bateria.

Concorreu a vários festivais, como o III Festival Internacional da Canção, da TV Globo, em 1968, com “Negróide (parceria com Arnaldo Costa e Taiguara), do IV Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record (SP) com “Domingo de Manhã” (com Mário Telles).

Em 1972, a convite de Sérgio Mendes, mudou-se para os Estados Unidos, onde apresentou-se com os jazzistas Jim Hall, Ron Carter, Toots Thielemans, Nina Simone e David Sanborn.

Maurício Einhorn recorda-se de uma das vezes em que esteve com Sérgio Mendes e Tom Jobim, nos Estados Unidos: "Ficamos na casa do Sérgio da meia-noite às seis da manhã, ele ao piano, Tom na flauta em dó e eu na gaita. Realizei-me nessa noite."

De volta ao Brasil, formou um duo com o violonista Sebastião Tapajós e um trio com Arismar do Espírito Santo e Hélio Delmiro, e esteve, em shows e gravações, ao lado de Johnny Alf, Leny Andrade, Paulo Moura, Chico Buarque, Baden Powell, Elizeth Cardoso, Tom Jobim, João Donato e Eumir Deodato.

Só em 1975, grava seu primeiro disco solo, "The Oscar Winners", lançado pela Philips e reeditado dois anos depois sob o título de "A era de ouro do cinema".

Acompanhou, em shows e gravações, vários artistas e grupos brasileiros e internacionais, como Vitor Assis Brasil, Chico Buarque, Os Gatos, Abolição, Claudette Soares, Eumir Deodato, Os Cariocas, Gilberto Gil, Elis Regina, Nara Leão, Maysa, Raul Seixas, Maria Bethânia, Elba Ramalho, Zizi Possi, Elizabeth Cardoso, Luiz Melodia, Tito Madi, Pery Ribeiro, Carmen Costa, Olívia Hime, Lúcio Alves, Tom Jobim, Baden Powell, Edu Lobo, Hermeto Pascoal, Manfredo Fest, Paulo Moura, Sebastião Tapajós, Sérgio Mendes, Sivuca, Sarah Vaughan, Barney Kessel, Chuck Mangioni, Dom Burrows, Toots Thielemans, Joe Carter , Richard Kimball e inúmeros outros.

Teve participação marcante na Bossa Nova e só não atuou no famoso concerto da Bossa Nova no Carnegie Hall, em Nova York, porque coincidiu com a data do seu casamento.

O primeiro número apresentado por Sérgio Mendes e seu sexteto, no referido concerto, foi justamente “Batida Diferente”, de Maurício Einhorn e Durval Ferreira.

Tem de 400 a 450 composições, das quais 50 feitas mais recentemente e registradas num pequeno gravador. "Tenho escrito cerca de cinco músicas diariamente. Tudo o que toco de jazz inspira-me a compor."

Algumas de suas influências mais importantes como compositor vêm de Pixinguinha, Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues e Herivelto Martins, Cole Porter, George Gershwin, Richard Rodgers e Lorenz Hart, George Shearing, Nat King Cole e Erroll Garner.

Maurício Einhorn é professor de gaita há 40 anos, para alunos de qualquer nível de conhecimento e idade, em aulas particulares e oficinas

Ele tem a preocupação de motivar seus alunos, lembrando-os de que nada se aprende se não se tiver curiosidade, e de que, quanto mais rápido se toca, mais erros aparecem. "Como em tudo na vida, a gente ter que ser um bom juiz de si mesmo. Não chega a ser um método que descobri, é um resumo do que eu aprendi".

Maurício Einhorn considera-se "um romântico assumido" e gosta de tocar, para si mesmo, "As time goes by", de Herman Hupfeld, e "Carinhoso", de Pixinguinha e João de Barro.

Algumas de suas gravações prediletas fazem parte de um vídeo realizado pela TV Cultura em 1980, mas não lançado comercialmente, em que toca ao lado de Toots Thielemans:

"Naquela gravação, com um quinteto de Nelson Ayres, estou lépido, meio desinibido, meio tímido - mas também, ao lado do Charlie Parker da gaita, meu ídolo, ponha–se no meu lugar.

O gaitista belga Toots Thielemans, de quem Maurício é super fã, completou 87 anos no mês de abril passado, e foi uma das principais atrações de Festival Jazz & Blues, que ocorreu em Guaramiranga e em Fortaleza, no Ceará, em fevereiro deste ano.

Ele conta que conheceu o gaitista brasileiro Maurício Einhorn, que o apresentou a diversos nomes da música brasileira. O contato com a bossa nova principalmente foi decisivo para o gaitista belga produzir anos depois "The Brazil Project", que ganhou posteriormente um segundo volume.

Os discos que mais gosta de ouvir são os do grupo Os Cariocas; "Café Com Pão" (Lumiar Discos, CD/1997), de João Donato e Eloir de Moraes; "Aquele Som Dos Gatos" (Polygram, LP/1966, CD/1998), com destaque para "Bonita", de Tom Jobim, com arranjo de Eumir Deodato; e os de Paulo Moura, entre eles, "K-Ximblues" (Rob Digital, CD/2002).

Algumas de suas gravações preferidas são "Carinhoso", de Pixinguinha e João de Barro, tema da novela homônima da TV Globo interpretado por Márcio Montarroyos, e "Fascinação", versão de Armando Louzada para tema de F. D. Marchetti e M. de Feraudy, na voz de Carlos Galhardo.

Perguntado a respeito das faixas de que gostaria de ter participado, o instrumentista responde: "Prefiro dizer de qual gravação agradeço por ter participado: "De repente", de autoria de Sílvio Cesar, gravação de Elizeth Cardoso em "O Inverno Do Meu Tempo" (Som Livre, LP/1979)."

Maurício Einhorn não cita composições de outros autores que gostaria de ter feito, "mas adoro, tenho uma inveja boa, de 'Garota de Ipanema', de Tom Jobim e Vinicius de Morais. Na minha opinião, Tom destilou a música americana e a transformou, com uma sabedoria única".


Simples, afável, modesto e companheiro, Mauricio Einhorn, que completou 77 anos mês passado, é desses artistas considerado como patrimônio da cultura musical brasileira.

Com muita técnica e sensibilidade ele conquistou o respeito, no âmbito interno e externo, tornando-se querido em todo mundo.

"Batida Diferente", de Maurício Einhorn e Durval Ferreira # Mauricio Einhorn e Gabriel Grossi)




"Pedacinhos do Céu", de Waldir Azevedo com Maurício Einhorn, Arismar do Espírito Santo e Roberto Sion.





**********

Fontes:

- Nova História da Música Popular Brasileira. (Fascículos publicados quinzenalmente, pela Abril Cultural, 1978.

- Músicos do Brasil: Uma Enciclopédia Instrumental. (http://musicosdobrasil.com.br).

- “Chega de Saudade – A história e as histórias da Bossa Nova”, de Ruy Castro – São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

- Dicionário Houaiss Ilustrado – Música Popular Brasileira. Ricardo Cravo Albin – criação e supervisão geral – Rio de Janeiro: Ed. Paracatu, 2006.

0 comentários:

LinkWithin