segunda-feira, 4 de setembro de 2017

MINHAS DUAS ESTRELAS (PERY RIBEIRO E ANA DUARTE)*




31 - Bloqueado pelas lembranças

A atitude de meu pai, sempre inclinado a ditar as regras e jamais respeitá-las, levou-o a não observar que eu tinha crescido e o tempo já havia me dado o direito de decidir meu caminho. Tanto assim que, com a carreira caminhando bem, resolvi casar com uma moça por quem me apaixonei, a Cleide Galizio. Quando dei a notícia a ele, seu único comentário foi: “Meu pai sempre me disse que casar não é casaca”. O casamento seria na Igreja Santa Teresinha, em São Paulo, onde eu morava. Convidei todos os parentes do Rio e, é claro, minha mãe me prestigiou. Foi acompanhada da minha tia Lila. Estava feliz, gostava de Cleide, e comemorou em grande estilo, num alegre pileque. Meu pai, no entanto, não compareceu e não mandou sequer telegrama ou presente. Não se preocupou em saber se eu estava triste por não tê-lo comigo. Isso me deixou arrasado. Principalmente depois de vê-lo, anos mais tarde, nos casamentos de Bily e de Yaçanã. Ao trazer Cleide ao Rio para conhecê-lo, senti nele indiferença e desprezo. Lurdes e o pessoal da Urca bem que poderiam ter me ajudado, estimulando sua receptividade. Mas não fizeram nada. No dia do casamento, lembro que me sentia péssimo. Não estava feliz como gostaria ou como pensava que ficaria. Era uma aflição, um desconforto, um nervosismo esquisito. As marcas do passado estavam falando mais alto. Casamento para mim era sinônimo de dor, pancada, fracasso. Depois de tanta coisa vivida com meus pais, o com - promisso soava muito pesado. O medo era enorme. Estava numa confusão total. Em - bora gostasse de Cleide e tivesse realmente a intenção de casar, havia um peso, alguma coisa escura no meu pensamento. Saí de casa vestido para a celebração. No caminho, ia pensando se era isso mesmo que queria. O que sentia não era dúvida em re-lação a Cleide, mas uma certeza absurda de que aquele ato, mesmo que fosse com outra pessoa ou em outro momento, não seria bom para mim . Era tudo muito aflitivo. Quando cheguei à igreja, completamente lotada, uma multidão me aguardava. Fãs, amigos, reportagens, flashes, luzes. Uma confusão. Em minha agonia, eu me atrasara e Cleide já estava no altar. Caminhei até ela. No meio do caminho, ao ver Hebe Camargo, na época grande amiga, não consegui mais me controlar. Abracei-me a ela e comecei a chorar copiosamente. Assustada, tentando disfarçar o que acontecia, Hebe me levou até a sacristia junto com alguns amigos nossos. Eu continuava a chorar desesperada-mente, soluçava muito, sem conseguir explicar o que se passava dentro de mim . Tentava, em pensamento, pedir a Hebe que me tirasse dali. Queria sair correndo, queria um buraco para me enfiar, queria sumir. Lembro-me até hoje de como molhei a parte superior do vestido de Hebe, sempre tão bonita e elegante, com minhas lágrimas. Fiz o mesmo com outra grande amiga, a cantora Leny Eversong, minha madrinha de casamento. O apresentador de TV Murilo Leite, amigo e padrinho de casamento, também ajudou a segurar minha barra. Aos poucos, os conselhos e o empenho de Hebe e dos amigos mais chegados em me acalmar fizeram efeito. Fui me recompondo até que me levaram ao altar, onde Cleide me es-perava. E lá passei por uma experiência, no mínimo, estranha. Cleide é uma mulher muito bonita e, claro, como toda noiva, havia caprichado na apresentação. Eu sabia que devia estar especialmente linda naquele dia. Sabia, mas não conseguia ver isso. Ao contrário, quando olhei, não era ela. Via, nitidamente, uma cara horrível, um rosto que não tinha nada a ver com o da mulher que escolhi. Era uma figura disforme, monstruosa. Entrei em pânico e recomecei a chorar. Tentei fugir daquela visão, mas só sabia chorar. Não conseguia explicar o que se passava na minha cabeça. Os amigos entraram em ação, me acalmando novamente. O padre pôde começar seu trabalho. Por fim, nos casamos. Mas a realidade é que deveria ter saído correndo dali. Ficamos casados apenas um ano. Não foi culpa de Cleide. De ninguém, aliás. Apenas ao resolver me casar, aos 26 anos, não imaginara o dragão que acordaria dentro de mim. Muito menos a intensidade de suas labaredas. O que vivi e sofri com meus pais e seus relacionamentos amorosos causou um estrago profundo em minha cabeça. Não sabia que estava despreparado para enfrentar um casamento, apesar de estar amando. Tentei explicar tudo isso para Cleide — até hoje não sei se ela percebeu o meu drama na hora de casar —, mas não consegui me fazer entender. Quem sabe hoje, passados tantos anos, ela entenda melhor e consiga me desculpar.



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