terça-feira, 26 de setembro de 2017

CAIO PRADO EM CHAMAS

Por Monica Ramalho



Pode anotar: "Incendeia" vai entrar pra história da música brasileira contemporânea. Caio Prado, a voz, o verso e a reflexão por trás da coleção de músicas que bota o corpo, sensual (e político) para dançar (e pensar), está em plena combustão. Depois de estrear com "Variável Eloquente", em 2015, denso, limpo, aquecido no âmago, "Incendeia" tem tudo pra ser o trabalho que vai multiplicar os ouvidos que curtem o som de Caio. Como um fogo que se alastra.

"Pra capa quero o meu corpo representando um coquetel molotov!", exclama o cantor e compositor carioca, que já posou nu para a capa da primeira bolacha. O fogo vem como elemento xamânico, de transformação, de potência. Caio diz que está vivendo esse momento. Por exemplo, tirou a ansiedade do seu trabalho artístico. "Tenho passado essa ideia de caminho natural pros amigos, que ficam muito na expectativa de me ver acontecer pro grande público".

Tempo, tempo, tempo, tempo. Aos 26 anos, Caio se dedica a três trabalhos autorais. A turnê do álbum de estreia chegará ao fim na próxima Festa Literária de Paraty (Flip), ainda em julho. Veio dele a faixa "Não Recomendado", a origem de outro projeto, homônimo, que está rodando o país e é atemporal, desenvolvido em trio com Diego Moraese Daniel Chaudon. Notícia fresquinha: "Não Recomendado" foi gravada por Johnny Hooker, Liniker e Almério para tocar no Rock in Rio, em setembro - quando, provavelmente, já teremos "Incendeia". 

"Preciso aceitar que muita gente se sente representada por mim. Isso me traz uma tranquilidade de estar no lugar certo e uma emergência também, de fazer um trabalho foda. As pessoas estão esperando alguma coisa que saia da bolha, que extrapole", solta, sem deixar de ressaltar as dificuldades de ser um artista independente. "A gente fica à mercê de muita coisa e, sobretudo, a gente tem que sobreviver". Representado por um escritório em São Paulo, para onde vai toda semana, ele só se ocupa de música. Não é sorte. É muito trabalho.

"É proibido estacionar na merda", o primeiro single de "Incendeia" a ser lançado, começa com frases do violão despretensioso de Webster Santos, envereda por uma arranjo da pesada feito coletivamente e "vira uma coisa louca", nas palavras do cantor e compositor, com a entrada dos outros dois músicos também baianos: o tecladista Mikael Mutti e o baterista Tito Oliveira. Marcelus Leonis, o senhor dos metais, preenche essa e outras faixas com trompa, flauta e trompete, por exemplo. Todos foram arregimentados pelo produtor Alê Siqueira.

Caio está deslumbrado com o talento de Alê. "Falei pra ele que precisava sair da mente, da metafísica e trazer as coisas pro corpo. Voltamos às matrizes africanas, ao canto griot, ao toque de berimbau, ao som clássico dos anos 60 e 70. Ouvi muito Curtis Mayfield, até pensei em gravar algo dele, e James Blake, uma das minhas referências de vida". O charme, o funk e o rap que ele ouvia na infância em Realengo também estão sulcados lá.

O novo álbum subverte a persona cantautora do primeiro trabalho. Abre com distorções na voz, desafinada de propósito, até encontrar o beat que atravessa a bolacha, sofre uma quebra com "Mera", grita com "Personagem entojado", avança até "Nossa sorte", a mais MPB, com participação especial da cantora e compositora Maria Gadú, amiga há muitos anos, e termina na regravação de um ijexá de Caetano Veloso, "Zera a Reza", como bônus track. 

"Caetano é a minha maior referência musical. Pela maneira como compõe, ora essencial, pensando no ser humano, ora falando direto com as massas. Queria fazer uma música que fosse um pouco como 'Tieta', aquela que todo mundo canta e acompanha com o corpo! E o que é essa letra? As pessoas podem dançar com um texto que inspire reflexões", provoca. 

"Incendeia" será trabalhado até o final de 2018, com vários lançamentos virtuais - de clipes, músicas, versos e sabe lá mais o que ele vai inventar. E shows, muitos shows. Caio Prado tem tudo para, finalmente, explodir. O fósforo já foi riscado.

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