quarta-feira, 27 de setembro de 2017

AUTOR DE GRANDES SAMBAS, BAIANO LANÇA DISCO COM 13 FAIXAS INÉDITAS

Será o segundo álbum do compositor em 35 anos de carreira. O primeiro foi em 2000, chamado "Tem Samba no Mar"


Por Monique Lôbo




O que mais um compositor pode desejar depois de ter uma música sua gravada pela cantora Clara Nunes (1943-1983)? Nada, você diria. “Absolutamente nada”, reforça o baiano, de Nazaré das Farinhas, Roque Ferreira, 68 anos, um dos maiores compositores de samba do país. “Ela era uma pessoa apaixonante. Imagine minha alegria quando ela gravou minha música. Sou feliz até hoje por isso”, conta. 

De 1979, quando Clara interpretou Apenas um Adeus no LP Esperança, para cá, já se foram mais de 400 composições no currículo do músico. Muitas delas, interpretadas por artistas como Zeca Pagodinho, Maria Bethânia, Martinho da Vila, Alcione, Beth Carvalho, Zélia Duncan, Mariene de Castro e Roberta Sá.

Depois de mais de 35 anos de carreira, o compositor dispensou interlocutores e gravou 13 faixas em seu mais novo álbum, intitulado Terreiros, que será lançado hoje, às 19h, na Casa do Benin. O projeto foi desenvolvido através da Lei de Incentivo à Cultura, por meio de edital da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb). “É bom poder cantar, ser ouvido, ver que as pessoas gostam de te ouvir”, diz Roque.

É a segunda vez que ele fica à frente dos vocais. A primeira foi em 2000, quando lançou o disco Tem Samba no Mar. O intervalo de 15 anos entre um trabalho e outro não esconde a resistência do músico em se aceitar como cantor. “Não sou cantor. Meu objetivo sempre foi compor músicas para as pessoas gravarem. Nunca tive essa pretensão de cantar. Mas apareceu a oportunidade e fiz”, revela. 


Reverência

Tudo culpa do multi-instrumentista e arranjador Julio Caldas. “Ele fez tudo, teve a inciativa em reunir tudo, inscreveu em edital... O disco só está aí por causa dele”, confessa Roque. Tudo começou com algumas demos que os dois produziram juntos cinco anos antes. “Volta e meia eu ouvia essas canções e resolvi inscrever o projeto no edital da Funceb. Achei que seria uma boa oportunidade de produzir esse disco. Roque topou e a gente fez a inscrição”, revela Julio, que assina a direção, produção e os arranjos das músicas. 

Com um trabalho vasto, foi preciso compilar algumas músicas em pout-pourris. São três ao todo, com músicas como Folha Miúda, Sabina do Amor Divino, Boi Guzeira, Sete Candeeiros, Obatalá e Alafin do Olô. Fora os medleys, tem canções como Iansã, Roda Baiana, Caxixi, Imboladeira, Vou Correr Mar e Amor Imperial. “Se contarmos com os pout-porris, tem mais de 20 músicas nesse disco”, aponta o compositor. 

Referências ao candomblé estão presentes em todo o disco, começando pelo nome. A clara homenagem é parte da admiração que ele tem pela cultura africana. E, mesmo sendo agnóstico, vê na religião um dos símbolos mais bonitos do povo que veio da África. “Sou admirador da cultura negra que envolve o candomblé, o samba e a capoeira. Acho muito bonito o candomblé, as festas, as circunstâncias que envolvem a religião são maravilhosas”, afirma. 

Em Doce, a décima faixa do álbum, Roque presta outra homenagem. Dessa vez, ao também baiano Dorival Caymmi (1914-2008). Os versos descrevem: Toda palavra linda/ Que a Bahia tem/ De santo, comida e amor/ Foi o canto de Caymmi que embelezou. “Ele, pra mim, é o grande gênio da música brasileira. Se a Bahia passar dois séculos de joelhos para Caymmi não paga o que ele fez por nós”, brinca.

Pesquisador inveterado, ou “rato de sebo”, como prefere, Roque Ferreira mergulha na história da cultura popular para montar seu acervo de composições. “Em minhas músicas eu aproveito para passar informações para as essoas”, explica. Nesse projeto, o encarte traz, além das letras das músicas, um glossário com termos em iorubá. “Eu gostaria que as pessoas aprendessem essas palavras para compreender melhor a mensagem. Meu intuito é sempre divulgar a cultura negra”, conta. 

Seguindo nesse ritmo, o compositor partiu para as páginas de um livro que prepara para lançar ainda em maio. A publicação, com título Terreiro de Samba Chula, deu origem ao disco. “Viajei para o recôncavo pesquisando. É um trabalho que tenho muito amor, em que está sintetizada toda a história do samba de roda da Bahia”, adianta.

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