Por Joaquim Macedo Junior
Manezinho Araújo, muitos já ouviram falar, mas poucos sabem quem é: gênio da embolada e pintor de mão cheia
Manezinho Araújo é daqueles artistas que muitos já ouviram falar, mas poucos conhecem o homem de verdade.
Considerado o “Rei da Embolada”, nasceu em setembro de 1910, no Cabo de Santo Agostinho-PE e morreu em maio de 1993, em São Paulo.
Segundo o arquivo da Fundaj – Fundação Joaquim Nabuco – Manezinho, ainda adolescente, conheceu Minona Carneiro, um grande cantador de emboladas que foi seu professor e incentivador.
No início dos anos 1930, Manezinho foi para o Rio de Janeiro, onde chegou a passar fome e, para sobreviver, cantava em cabarés. Por sorte, conheceu alguns músicos e começou a se apresentar em programas de rádio, como cantador de emboladas.
Hospitaleiro, o compositor teve a ideia de montar um restaurante – o “Cabeça Chata” – cujos quitutes eram elaborados por sua esposa Alaíde – a dona Lalá.
Seu restaurante chegou a ser frequentado por inúmeras personalidades nacionais e internacionais, como Edit Piaf, Yul Brinner, Carmen Miranda, Villa-Lobos, Cacilda Becker e Raquel de Queiroz.
Dos anos 30 até a década de 1950, Manezinho gravou mais de 50 discos 78 rpms e 4 LPs. Suas canções foram gravadas por vários cantores brasileiros. Manezinho trabalhou nas rádios Tupi, Guanabara e Mayrink Veiga. Em São Paulo, na Record.
Ainda de acordo com a Fundaj, pode-se afirmar que o interesse dos sulistas pela música popular nordestina se deve a Manezinho Araújo, que participou de vários filmes nacionais, bem como de 22 cinejornais da Atlântida. Em 1945, gravou o calango “Dezessete e Setecentos”, de Luiz Gonzaga de Miguel Lima.
– A embolada é uma das formas mais originais das músicas do folclore do Nordeste. De maneira humorística, o embolador discorre sobre pessoas e fatos, contando vantagens, como se fosse um cronista. Alguns consideram que a embolada tem sua origem na literatura de Cordel.
Polivalente, Manezinho veio a se tornar um dos artistas mais conceitos do Brasil passando a se dedicar, no início dos anos 1960 à pintura. Começou com aquarela e guache, sem orientação alguma e culminou pintando com tinta a óleo.
Em estilo primitivo puro, Manezinho passava para as telas cenas da infância, da juventude e da maturidade, retratando as raízes do Nordeste.
Além de estar presente em museus brasileiros, tem duas telas expostas no Museu Calouste Gulberdian, em Lisboa, Portugal.
“Feira de Caruaru”, Manezinho Araújo, 1971
Escolhi para ilustrar o som de Manezinho Araújo a saborosa e trava-línguas embolada “Para Onde Vai Valente”, gravada pelo autor em 1938:
Pra onde vai, valente?
Vou pra linha de frente,
Tava na venda
C’a pistola e um cravinote
0 muleque deu um pinote
Me chamou mode brigá.
Pego no meu punhá
Enfio a faca, o sangue pula
Moleque você não bula
Com Mané do Arraiá.
Veio um sordado
C’um boné arrevirado
Com dois oio abuticado
Que só cachorro do má.
Botou-me a mão
Home disse, você tá preso
E eu fiquei c’um braço teso
Na cara lhe quis passá.
Pra variá
Eu sou caboco bom na briga
Mas só gosto da intriga
Quando encontro especiá.
Dedo do Cão
Moleque bom no gatilho
Se coçou, eu vi o brilho
Atirou pra me pegá.
Ele me atira,
Eu me baixo e a bala passa
E fico achando graça
Do baque que a bala dá.
Pra onde vai valente?
Vou pra linha de frente.
Sara ponteia bate o bumbo e o ganzá,
repique sino da aldeia meio-dia vai reza,
Muié se ajoelha pede a Nossa Senhora, que home não vá se embora
Se não vai dificulta.
Mas é que a vida ta ficando muito cara
Home agora é coisa rara, não se pode assim acha.
Só bumbum, a mulher e a cachaça num instante agente acha não carece procura.
Pra onde vai valente?
Vou pra linha de frente.
Olha o danado, miserável Zé de Lima
Todos choram numa prima pra mode me conquista
Segunda, terça, quarta, quinta, sexta e sábado.
Tu aqui bala cansado na pancada do gansa.
Aí o danado miserável Zé de Lima
Todos choram em uma prima pra mode me conquista
Lá vem o fama topicuru zamirim,
Boca de siri, e boca de jataí-aripuá.
E nessa noite meu cachorro acuou um bicho,
Mas eu levo de capricho minha pistola mata.
Manezinho quando canta, muito abala, mas não cai
Mulé qué acha marido filho desconhece o pai.
Mininim fica chorando se cala não chora mais.
Manezinho quando canta sim eu fico muito a légua
Ando feito cabra cega
Ma um pouquinho sei cantá.
Tem uma macaca que tava comendo milho
Trouxe aqui mamãe num viu
Me chamou de especiá eu pra cantá.
Comigo não quero sopa
Pra cantá não mudo a roupa, nem bolado sou burrinho
Pra cantado
Fica cansado numa embola nunca peguei numa viola
Na frente do Manezinho.
Pra onde vai valente?
Vou pra linha de frente.
Segunda, terça, quarta, quinta, sexta e sábado.
Tu aqui bala cansado na pancada do ganzá.
Eu tenho uma prima que é danada na corneta,
mas que lá na clarineta é danada pra toca.
Jogou uma fita diz pego cinegrafista,
invento fazer pedido, di escapá comigo lá,
E diga que me empurra carrinho de boi
e o sapo fazendo boi na lagoa do pila
Eu li desemba em riba do automóvi de chapa 49 danado pra tabicá
Pra onde vai valente?
Observação: a letra é gravada com versos diferentes por Manezinho, o autor, e Marlene, intérprete que também gradou “Prá Onde Vai Valente, 1974.
Espero que tenham gostado. Vou à terra do pão de queijo e volto já. Saudações a todos os leitores.
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