Gravados nos anos 1970 e 1980, discos trazem duetos com Gonzaguinha, Milton Nascimento e Fagner, entre outros
Por Alef Pontes
Se, por um lado, a memorabilia de Seu Lua carece de atenção em sua terra natal, Exu, com o Parque Aza Branca correndo o risco de fechar as portas, por outro, parte da vasta discografia do mestre pernambucano volta a tocar desta vez nas plataformas digitais. Assim como fez com Jackson do Pandeiro, a Sony Music mandou para os serviços de streaming 15 álbuns de Luiz Gonzaga (1912-1989).
Lançados entre 1970 e 1988 em vinil, os discos revelam facetas pouco conhecidas do sanfoneiro. Sobretudo em duetos – com Fagner, Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Gonzaguinha, entre outros –, contando com a participação dos aclamados instrumentistas Sivuca, Altamiro Carrilho e Dominguinhos. São canções pouco conhecidas, pois a discografia que ainda ouvimos se restringe aos anos 1950 e 1960. O legado das décadas seguintes do Rei do Baião permanecia obscuro para as novas gerações, guaradado nos acervos dos selos RCA Victor e Camden.
O catálogo se inicia com o pouco conhecido Sertão 70, gravado dois anos depois de Gonzaga anunciar a aposentadoria. Em O canto jovem de Luiz Gonzaga, de 1971, ele faz homenagem a grandes nomes da cena musical brasileira. A volta da parceria com Humberto Teixeira marca presença com Bicho, eu vou voltar. “Bicho, com todo respeito/ Dá licença, eu vou voltar/ Ô desafio pai dégua/ Pra cabra macho enfrentar”, canta Lua, antes de reverenciar Caetano Veloso, Gilberto Gil, Capinam, Chico Buarque e Tom Jobim. Também apresenta um emocionante dueto com o filho Gonzaguinha em Asa Branca.
INSTRUMENTAL
São João quente, também de 1971, tem no lado A uma faixa instrumental. Inclui o clássico Xote das meninas, seguido por O coreto da pracinha, composição de Altamiro Carrilho, lenda do choro. Em Aquilo bom (1972), Lua grava o canto crítico e nacionalista de Gonzaguinha, a faixa From United States of Piauí. Com seus arranjos renovados, o LP aproxima o Rei do Baião da juventude universitária. Por sua vez, Dengo maior (1972) tem como destaque as participações de Sivuca e Glorinha Gadelha em Serena do mar e Nunca mais eu vi esperança.
A participação de artistas renomados em trabalhos de Luiz Gonzaga também é resgatada em A festa, de 1981. A celebração estava recheada de músicos e cantores tarimbados: Dominguinhos, Emilinha Borba, Gonzaguinha, Nelson Valença, José Marcolino e Milton Nascimento, que divide os vocais com Gonzagão em Luar do sertão.
Dois anos depois, o pernambucano Alceu Valença se encontrou com Luiz na faixa Plano piloto, do álbum 70 anos de sanfona e simpatia. Outro nome consagrado da música nordestina reviu canções emblemáticas do repertório de Lua em dois álbuns: Luiz Gonzaga & Fagner, de 1984, quando o cearense tinha 35 anos, e Gonzagão & Fagner 2 – ABC do sertão, lançado um ano antes da morte do sanfoneiro.
ARRASTA-PÉ
Iniciado pela bem-humorada pergunta “Sandoval, que chá é esse que tu bebe?”, Chá cutuba (1977) apresenta o belo arrasta-pé Onde tu tá neném, sucesso que Elba Ramalho regravou em Leão do Norte (1996). O disco também traz Chapéu de couro e gratidão, na qual Luiz Gonzaga agradece a Benito Di Paula, que o homenageou em 1975 com a música Sanfona branca.
Morto em 1979, Humberto Teixeira ganha homenagem em Doutor do Baião, gravada em 1987 (foto: Badaró Braga/O Cruzeiro/Arquivo EM - 13/9/56) |
Na época do lançamento de O canto jovem de Luiz Gonzaga (1971), Asa Branca havia se tornado hino de exilados pela ditadura militar. Aproximação com a nova safra da MPB, que brilhava nos festivais, o LP trouxe arranjos leves e canções daqueles autores: Procissão, de Gilberto Gil; Cirandeiro, de Capinam e Edu Lobo; Fica mal com Deus, de Geraldo Vandré; e No dia em que eu vim me embora, de Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Em De fiá pavi (1987), Gonzaga homenageou o parceiro de uma vida: Humberto Teixeira (1915-1979), com quem compôs em Asa Branca e Assum Preto. As saudades do velho amigo foram cantadas em Doutor do baião: “Onde tá meu grande irmão/ Onde é que tá/ Quanto tempo, que saudade/ Que você me dá/ Quanta falta está fazendo, irmão/ Ao nosso baião”.
Último disco do artista pela RCA, Aí tem Gonzagão (1988), comemorava seus 75 anos de vida e meio século de carreira. O disco traz duetos dele com Carmélia Alves (Vamos ajuntar os troços), Geraldo Azevedo (Táqui pa tu) e com o sobrinho Joquinha Gonzaga (Dá licença pra mais um). Tudo isso com o auxílio luxuoso das sanfonas de Chiquinho do Acordeon, Dominguinhos e Waldonis.
Rei do Baião ganha HQ
*Alexandre de Paula - Especial para o EM
Luiz Gonzaga por Celso Hartkopf (foto: Continental/Reprodução)
A infância e a juventude do Rei do Baião se transformaram em HQ. Disponível gratuitamente on-line, Luiz Gonzaga do Nascimento apresenta a trajetória do artista dos tempos de criança em Araripe, a 12 quilômetros de Exu (PE), à mudança para Fortaleza (CE).
O quadrinho é uma parceria do ilustrador Celso Hartkopf com a jornalista Débora Nascimento. “Débora elaborou o roteiro baseado em uma biografia de Gonzaga. Ela me passou o texto corrido e eu transformei em HQ. A produção durou cerca de dois meses”, conta Celso. O traço de Hartkopf se inspira na obra do italiano Sérgio Toppi, mestre europeu dos quadrinhos.
A inspiração veio de Vida do viajante: A saga de Luiz Gonzaga, livro de Dominique Dreyfus, jornalista e pesquisadora francesa especializada em cultura nordestina. A HQ retrata várias curiosidades sobre o Rei do Baião. Celso e Débora mostram, por exemplo, como surgiu o interesse dele pela sanfona. O pai, Januário, consertava acordeons. Aquilo fascinava o garoto Luiz, que entrava escondido na sala onde os instrumentos eram guardados.
Ainda pequeno, ele começou a tocar a sanfona do pai. Com 5 anos, já ensaiava os primeiros acordes. Brincava de animar as festas que inventava. Aos 7, o menino acompanhava a mãe, Santana, no trabalho na roça. Com o irmão Joca, de 9, ia para a lavoura, mas logo se viu que Luiz não tinha muita vocação para aquele serviço. Só queria saber de música. “Profissão de sanfoneiro não tem futuro”, dizia Santana.
DÍVIDA
Adolescente, Gonzaga foi trabalhar com o coronel Manuel Aires de Alencar, prefeito de Exu. Pediu ao patrão que lhe comprasse uma sanfona, cujo valor seria descontado do salário. Assim que saldou a dívida, o rapazinho deixou a lida, para descontentamento do chefe.
Celso Hartkopf conta por que o recorte da infância e juventude de Gonzaga foi escolhido: “O tom (da HQ) mescla as durezas da vida no sertão nordestino com a descontração e, de certa forma, a pegada épica que a história de Gonzaga traz”. Trata-se da história de um menino que fugiu de casa e voltou como o Rei do Baião. A HQ se encerra quando o músico deixa a família para tentar a vida em Fortaleza.
LUIZ GONZAGA DO NASCIMENTO
De Débora Nascimento e Celso Hartkopk
Revista Continental
Disponível gratuitamente em https://goo.gl/pwD5hf
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