terça-feira, 8 de agosto de 2017

QUEM FOI INALDO VILARIN?

Autor de canções como "Eu e o meu coração" (gravada por nomes como João Gilberto e Maysa) e o hino do pior time do mundo, Inaldo Vilarin é mais um na triste estatística de um país sem memória

Por Bruno Negromonte




Sendo ela a capacidade humana de reter fatos e experiências do passado, tornando-se possível retransmiti-las às novas gerações, a definição prática e teórica do termo memória parece não condizer com a realidade brasileira. Apesar de existir distintas definições para o termo, nenhuma se encaixa na realidade de boa parte das políticas voltadas para a culturais existentes em nosso país. Antes de mais nada é preciso levar em consideração a existência de dois tipos distintos de memória: a individual e uma outra denominada de coletiva, no entanto, faz-se desnecessário estender-se profundamente na abordagem das duas. A primeira é aquela guardada por um indivíduo onde consta as suas próprias vivências e experiências acumuladas ao longo da vida; já a segunda é aquela formada pelos fatos e aspectos julgados de modo relevantes e que são guardados como memória oficial da sociedade mais ampla. Está neste segundo panorama o X da questão, uma vez que pelo visto, o irrefutável e infeliz contexto a qual nossa memória cultural está condenada há décadas. O que mais entristece é o fato de que não se vislumbra um melhor contexto a breve a curto ou longo prazo. O que acaba sendo algo extremamente prejudicial, pois o processo de construção cultural brasileiro é inegavelmente um dos mais miscigenados e ricos do planeta. Negar a existência de um legado cultural é ferir a identidade de toda uma nação, o que inegavelmente acaba por se tornar um crime de lesa pátria, uma vez que em tempos de troca no mundo globalizado no qual vivemos acaba por fazer dessa falta de compromisso algo incomensuravelmente triste. Vale lembrar aos nossos responsáveis maiores (nossos governantes), que a identidade de uma nação está diretamente ligada à cultura de seu povo.



"Eu e meu coração", composição de Inaldo Vilarin e Arnaldo Botelho


O cenário cultural pernambucano infelizmente é condizente com a mesma realidade nacional apesar da vasta história relacionada as distintas artes existentes no Estado. Quer um exemplo simples? Basta chegar a um grupo de jovens e questioná-los, por exemplo, quem foi Hermilo Borba Filho e Valdemar de Oliveira (ícones do teatro pernambucano) ou nomes como Tia Amélia ou Jaime Griz, nomes associados à música produzida no Estado. Não será de impressionar se daqui a algum tempo nomes como Nelson Ferreira e Capiba tornarem-se meros desconhecidos para a nova geração. Outro nome renegado a este condenável contexto é o do compositor Inaldo Vilarin Querino. Nascido em Limoeiro (cidade localizada a pouco menos de 80 km da capital pernambucana), Inaldo ainda na infância foi percussionista da banda de música de sua cidade natal, comandada então, pelo compositor Levino Ferreira. Por volta dos 14 anos de idade, já então na capital pernambucana, iniciou-se no violão, fundando ao lado de outros rapazes da época, como Luiz BandeiraDjalma TorresErnani Reis, os conjuntos Os Garotos da Melodia e os Garotos da Lua) (vem dessa época sua aproximação com João Gilberto, quando este em substituição ao vocalista e compositor Jonas Silva, foi crooner do conjunto vocal). Ao longo da década de 1940 entrou para o cast da Rádio Clube de Pernambuco, onde fundou o conjunto Ases do Ritmo, com o qual popularizou seu estilo de intérprete e sua música. A partir daí teve composições nos mais distintos gêneros como é o caso do samba "Não quero bolero" e da guarânia "Saudade" (ambas com Genival Macedo); o choro "Temperado"; o bolero "Só resta saudade" (em parceria com o Maestro Duda). Dentre os parceiros existentes, destaque para Aldemar Paiva e Bráulio de Castro que com o músico compôs primeiramente "O samba está na rua", seguida por "Meninice", o samba "Maria Luisa" (gravada por Cyro Monteiro), "Amanhã é outro dia", "Perdi" e "Eu gosto assim" (música deixada por Vilarin e terminada por Bráulio).

Dessa parceria vieram outras afinidades musicais e pessoais, aproximando ainda mais o casal Fátima e  Bráulio de Castro do autor do hino do Íbis Sport Club, time que ganhou popularidade com o epíteto de "pior time do mundo". É válido o registro de que Vilarin também é considerado por muitos (com sua música tipicamente urbana e harmonias sofisticadas) como um dos principais precursores do movimento musical brasileiro mais conceituado ao redor do planeta: a Bossa Nova devido a composição de "Eu e o meu coração" (feita em parceria com Antônio Botelho) e gravada por Dóris Monteiro em 1955 sob o arranjo do ainda desconhecido Tom Jobim. Tal canção além de dar disco de ouro para a intérprete (marco registrado em reportagem da revista "A cigarra" em 1956) acabou o credenciando de modo relevante entres os autores da época justamente por trazer em sua estrutura harmônica aquilo que pouco tempo depois ganharia o nome de Bossa Nova. Na história da Bossa Nova, Johnny Alf é citado como o precursor do movimento, com a gravação em 1953 da música "Rapaz de Bem" sendo citado posteriormente como canção do gênero a música "Foi a Noite", de Antonio Carlos Jobim e Newton Mendonça. Muitos esquecem que lá, em 1955, estava Inaldo VilarinEsse feito o fez ser gravado tanto por cantores locais quanto outros de expressão nacional (entre eles nomes como Maysa, Luiz Bandeira, João Gilberto e a cantora Elza Soares que, em 1957, gravou "Convite ao Samba"). 

Falecido em 1992, Inaldo Vilarin tem um rico acervo onde constam ainda muitas canções inéditas que, cedida pela viúva do compositor, estão hoje em posse deste casal amigo que busca junto aos órgãos competentes a viabilização e a reparação, em parte, desse crasso erro tão comum àqueles que contribuíram de algum modo para formar a nossa identidade cultural. Obstante a falta de patrocínio por parte do seu estado natal para participar em 1967 do Fórum de Música em Nova York representando o Brasil ao lado de nomes como Tom Jobim, Roberto Menescal, Vinicius de Moraes, Baden Powell e Capiba. Agora o mesmo torrão insiste em rejeitar um projeto baseado no legado do compositor sob o argumento que Inaldo Vilarin é compositor de samba e o gênero não faz parte da cultura pernambucana. O que acaba engendrando aquilo que grande parte da mídia e dos poderes públicos pernambucanos divulgam: Pernambuco é apenas a terra do frevo, e Recife a sua capital. 

Procuração outorgando Bráulio de Castro sobre as
composições da dupla em São Paulo 
Desse modo, na incessante luta para transpor aquilo que o professor norte-americano John Rawls classificaria como véu da ignorância (pois de fato existe uma espécie de barreira contra o uso de interesses parciais na determinação dos princípios da justiça), Bráulio e Fátima de Castro lutam para que o nome de Inaldo não amargue o limbo do esquecimento. No entanto, para modificar essa triste realidade, faz-se necessário mais que o compromisso com a história da música pernambucana como tem atestado o casal, uma vez soma-se inúmeras tentativas para viabilizar um projeto fonográfico afim de prestar uma justa homenagem a este relevante autor em forma de disco. A ideia é registrar um tributo onde constará canções inéditas e regravações a partir das vozes de cantores da nova geração assim como também cantores contemporâneos do homenageado a exemplo de Expedito Baracho (que falecido recentemente não teve tempo de participar desta pretensa homenagem). No entanto, para que este e tantos outros projetos a favor da história cultural do nosso país possa vir a existir, faz-se necessário suplantar os entraves burocráticos existentes que, somados à própria falta de compromisso, acaba por negar às novas gerações a possibilidade de conhecimento de nomes que deixaram as suas respectivas contribuições para a nossa cultura, que já conta com um retrospecto desvantajoso nos últimos anos (basta levarmos em consideração que sob o pretexto de contenção de despesas, o Ministério da Cultura terá este ano um orçamento menor em relação a 2014). Desse modo acaba-se tornando-se "fácil" usar das mais distintas e absurdas alegações o sonho de apresentar nomes como o de Vilarin para as novas gerações. Para que se mude esse contexto, faz-se necessário uma reestruturação para além do burocrático. É preciso uma mudança que abarque a intelectualidade daqueles que respondem pela cultura. É preciso que, em detrimento a interesses pessoais, seja deixado de lado a prática meramente panis et circenses em pró de um compromisso maior com aqueles que de fato contribuíram de modo relevante com a sua cultura. A discrição tão em voga enquanto Vilarin esteve vivo não pode tornar-se sinônimo de esquecimento. É preciso, acima de tudo, valorização e reconhecimento, práticas pouco comuns com quem faz cultura em um país que por vezes chega a dar margem para questionamentos como este que batiza esta matéria.

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