segunda-feira, 31 de julho de 2017
MINHAS DUAS ESTRELAS (PERY RIBEIRO E ANA DUARTE)*
26 - Primeira noite
Primeira noite Com tanta crise em nossa vida — separação, colégio interno, abandono —, não tivemos direito às crises e descobertas naturais da adolescência. Assim, não vi surgir em mim nenhuma manifestação sexual que pudesse sentir como relevante. Além disso, o palavreado chulo que meu pai usava quando se referia à minha mãe, somado aos prognósticos horríveis que fazia a meu respeito, um ser sensível começando a vida, tudo isso cri-ou em mim um grande bloqueio às manifestações naturais do corpo. Atravessei toda a adolescência me sentindo contido e bloqueado. Ao completar 19 anos, voltei de São Paulo. E, embora com muita saudade de minha mãe, não fui morar em Jacarepaguá. Que-ria começar a trabalhar e preferi ficar com meu pai na Urca. Ia para a casa dela com muita frequência. Mas Jacarepaguá não era lugar para um rapazinho começando a conquistar sua liberdade, ainda mais sem carro. Era muito longe de tudo. Para se ter uma ideia, havia um único caminho para chegar lá. Era pela rua 24 de Maio, paralela à linha do trem, que atravessava os bairros do Engenho Novo, Méier, Cascadura e Campinho. E o pior: todo o caminho era de paralelepípedos. A gente ia pulando dentro dos ônibus. Lembro-me dos carros maravilhosos de minha mãe: um Pontiac, um Oldsmobile e um Jaguar conversível prata, lindo, ano 1950, com painel de madeira. Ficavam destruídos por esse caminho. Ah, adoraria ter hoje aquele Jaguar! Nessa época, existiam no Rio os bailes das sociedades. Os clubes carnavalescos faziam esses bailes o ano inteiro para os associados e, no Carnaval, desfilavam com muita alegria as alegorias e críticas à política do momento. Existiam os Fenianos, Tenentes do Diabo, Democráticos, Bola Preta. Minha mãe era sempre contratada para se apresentar em seus salões. Num desses shows, fui junto com ela. Quando acabou o show, ficamos bebericando alguma coisa na mesa. E, é claro, nesses bailes o que mais tinha era mulher. De repente, minha mãe me veio com esta pergunta: “Pery, meu filho, você já dormiu com uma mulher?”. “Eu?”, perguntei sem entender bem o que ela queria dizer. “É, você!” “Sinceramente, mãezinha, não!” “Então vai ser hoje que você vai dormir com mulher! Escolha uma dessas que estão aqui no Democráticos, me diga de qual gostou e me aponte.” Fiquei completamente sem jeito… Apesar de a intimidade com minha mãe ser total, o assunto mexia muito comigo. Ainda arrisquei: “Deixa isso pra lá, mãezinha, eu resolvo com o tempo!”. “Não, senhor, é hoje! Escolha!” Quem conheceu minha mãe sabe que, quando ela botava uma coisa na cabeça, não adiantava tentar enrolar. Assim, comecei a olhar em volta. Preciso explicar que as moças que frequentavam os bailes das sociedades eram do tipo liberado. Vasculhei o salão com atenção, os olhos excitadamente curiosos. Descobri umas duas ou três moças que poderiam me atrair. Mostrei-as para minha mãe, completamente sem jeito e muito as-sustado por ser daquela maneira minha primeira vez. Vi minha mãe chamar a que es-tava mais próxima, um mulherão de uns 24 anos — loura, os olhos muito bonitos e uma conversa macia. Ela atendeu encantada ao chamado. Sentou-se conosco, minha mãe perguntou o que ela queria beber, fomos apresentados. Depois de uns dez minutos de conversa, Dalva perguntou: “Você gostaria de sair com meu filho?”. A moça se assustou, mas não tanto. “Claro que sim, ele é uma gracinha!” Eu não sabia onde enfiar a cara. Fiquei vermelho, roxo, e fui descobrir naquela conversa quanto era tímido. Saímos, minha mãe nos deixou no apartamento da moça, em Copacabana, na rua Otaviano Hudson, e seguiu no Jaguar para Jacarepaguá. Foi minha primeira noite com uma mulher. Meu batismo de homem aos 19 anos. No dia seguinte, estava abençoando minha mãe pelo presente. Ela foi minha grande amiga. Ou melhor, “meu grande amigo”, como gostava de me dizer.
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