segunda-feira, 10 de julho de 2017

MINHAS DUAS ESTRELAS (PERY RIBEIRO E ANA DUARTE)*




23 - José Messias, amigo e confidente

Muitos pensaram que o relacionamento com Lurdes tivesse feito com que meu pai mudasse radicalmente o jeito de lidar com as mulheres ou com o casamento. Não foi bem assim, como conta José Messias. Um dos grandes amigos de meu pai, ele acompanhou de perto todo o processo após a separação de minha mãe e o início do segundo casamento. Era um rapazinho recém -chegado de Bom Jardim, Minas Gerais, poeta e compositor, louco para entrar no mundo artístico. Foi apresentado ao meu pai por Raul Sampaio e Noemi Cavalcanti. Imediatamente, Herivelto adotou Messias e fez dele o seu secretário. Acompanhava meu pai aonde quer que fosse, carregando sua pasta. Fazer trabalhos na rua, buscar Bily e eu em Itaguaí, acompanhar meu pai em sua boêmia eram algumas funções que determinaram o batismo de Messias no meio artístico. Messias não tinha salário e morava na casa de meu pai, no quarto de empregada. Muito magrinho, suas roupas eram as do Herivelto, modificadas para ele. Não preciso explicar com que ansiedade e dedicação ele acompanhava meu pai. Era fã, amigo, confidente, conselheiro. Na verdade, durante um período longo de nossa vida, foi um membro da família. Sabia de tudo, ouvia tudo e participava de tudo. Era uma pessoa querida por todos em casa. Aliás, nas duas casas. Minha mãe também gostava dele e era grata pelo carinho que tinha conosco. Assim, no início da vida de meu pai com Lurdes, Messias estava sempre por perto. Papos na praça Tiradentes, visitas ao Sindicato, à SBACEM (Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música) ou à casa de David Nasser, nos shows com a escola de samba ou com o Trio de Ouro, lá estava Messias. Nessas andanças, meu pai conheceu uma moça muito bonita, que morava num barraco no Porto de Maria Angu. Era filha de um amigo dele, o Joca. Já morando com Lurdes em Santa Teresa e no começo de uma vida a dois que ainda requer-ia alguns ajustes, mesmo assim Herivelto ainda teve coração para oferecer à mocinha. O único confidente possível dessa história era Messias, companheiro de todas as horas. Ele tentava de todas as maneiras convencer meu pai a não seguir adiante. Afinal, após tantos anos esperando que ele se separasse da minha mãe, Lurdes contava com a de-terminação dele ao iniciar uma nova vida. Não havia mais tempo para brincadeiras. Era complicado, era difícil, eles se encontravam às escondidas, mas Herivelto continuava o romance. Até que um dia a moça, chorando, se agarrou a meu pai e anunciou que estava grávida. Os dois começaram a discutir o problema e, é claro, o pavor tomou conta dele. O tempo passando, as semanas eram vividas com uma angústia terrível. A sombra de uma gravidez poderia complicar todo o seu esquema de vida, que já era complicado. E se os jornais soubessem… Com a notícia martelando a cabeça, acabou fazendo um samba para a moça junto com Messias. Era bonito, e meu pai, sem conseguir esquecer o assunto, ficava com Messias em casa brincando com o violão e tocando o samba. Até que Lurdes, escutando a toda hora aquelas notas, perguntou: “Fez música nova, Herivelto?”. Herivelto, meio ressabiado, respondeu que sim. Mas, espertamente (tinha um raciocínio muito rápido!), emendou dizendo que era uma parceria com Messias, nascida de um romance proibido dele, a moça estava grávida… enfim, toda a história, só que com o personagem trocado. Messias, encabulado, confirmou tudo. Mostrando-se solidária, Lurdes pediu para ouvir o samba e eles cantaram:

Tu foste louca
Eu enlouqueci
A carne é fraca
Eu enfraqueci
Agora é tarde
Erramos
O que vamos fazer
Entrega a Deus
Só ele pode resolver


Lurdes, sem desconfiar de nada, aplaudiu, dizendo que a música era muito bonita. Até que chegou o dia de meu pai se encontrar com a moça. Novamente aos prantos, ela se abraçou a ele e, muito triste, disse que foi alarme falso, que era somente um atraso na menstruação, não havia gravidez. Meu pai a abraçou, “chorando” também a perda do filho. Mas chorava de alívio. Que presente dos céus! Livre do drama que pairava sobre sua cabeça, Herivelto cantou a música que fizera pensando nela. A moça ficou toda envaidecida, chorou de emoção. Ao deixá-la, foi se encontrar com Messias, que o esperava ansioso e preocupado. Herivelto contou então o que acabara de acontecer. O amigo respirou aliviado e, num momento de nervosa inspiração, disse para meu pai: “Herivelto, abortamos um samba!”.


* * *


Meu pai tinha um estilo muito ditatorial com as pessoas que o cercavam e um desmedido egocentrismo. Não dava espaço para ninguém sobressair ao lado dele. O próprio Otelo sofreu de perto esse comportamento. E vendo sempre José Messias, um jovem cheio de sonhos e vontade de conquistar a vida, acompanhando Herivelto por toda parte, Otelo fez questão de adverti-lo: “Messias, ouça o meu conselho. Se quiser vencer na vida, saia de perto do Herivelto”. Messias escutou o conselho — mudou a rota de sua vida e passou a caminhar sozinho. Tornou-se um importante diretor e apresentador de TV, além de braço direito de Flávio Cavalcanti por quase vinte anos, e apresentava com sucesso um programa diário na Rádio Nacional do Rio. 



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