segunda-feira, 4 de abril de 2016

MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA

Disco primordial na discografia daqueles que são apaixonados pela música popular brasileira, "Os afro sambas" completa cinquenta anos

Por Luiz Américo Lisboa Junior 


Baden e Vinicius - Os Afro Sambas (1966)

No início dos anos sessenta Vinicius de Moraes foi presenteado pelo baiano Carlos Coqueijo Costa com um exemplar do LP Sambas de Roda e Candomblés da Bahia, disco esse que impressionou profundamente o poeta descortinando para ele uma vertente da música popular que ele ainda não havia descoberto. Vinicius então mostra o disco a Baden Powell seu parceiro mais constante na ocasião e este também se encanta. Em 1962 Baden visita a Bahia para apresentar um show com Silvia Teles no Country Club, familiariza-se com artistas e intelectuais baianos, demonstra seu interesse pelas tradições afro baianas e acaba sendo apresentado ao capoeirista Canjiquinha que o leva a terreiros, rodas de capoeira e o mais importante interpreta para ele os cânticos e sons do candomblé. Baden fica fascinado, não propriamente pelo sentido místico do que vira, mas sim pela beleza das harmonias do que ouvira. 

Ao se reencontrar com Vinicius compõe o samba Berimbau e resolvem iniciar uma série de canções sobre a cultura afro brasileira. Nessa época Baden Powell estava estudando canto gregoriano com o maestro Moacyr Santos e percebeu que eles tinham semelhança com os cânticos afros que havia ouvido na Bahia e inspirando-se nessas duas influencias resolve então compor uma série de temas mesclando-os com a batida do samba, o resultado é esplendido e de grande beleza melódica, surgindo assim uma nova modalidade musical, os afro sambas no dizer de Vinicius de Moraes e que seria uma característica inconfundível na obra musical de Baden. 

Passados os momentos de estudo e assimilação da temática os dois parceiros estavam prontos para iniciar a realização das canções e assim surge “Canto de Ossanha”, “Canto de Xangô”, “Bocoché”, “Canto de Iemanjá”, “Tempo de amor”, “Canto do caboclo Pedra Preta”, “Tristeza e solidão” e “Lamento de Exu”. Findo o trabalho partiram então para a gravação das músicas num LP intitulado de Os Afros Sambas, produzido por Roberto Quartin dono da etiqueta Forma e com arranjos de Guerra Peixe. Disco antológico ele passa a história da música brasileira como sendo o primeiro trabalho em que se misturam instrumentos típicos do candomblé, atabaques, bongô, agogô e afoxé com outros da música tradicional como flauta, violão, sax, bateria e contrabaixo. Gravado nos dias 3, 4, 5 e 6 de janeiro de 1966, o disco conta com a participação do Quarteto em Cy e com um coro misto formado por amadores ligados por amizade aos autores, aliás como bem definiu Vinicius, um “coro da amizade” pois a intenção apesar dos arranjos elaborados, era dar um tratamento simples, despojado e espontâneo a gravação. Nesse coro estão presentes Eliana Sabino, filha do escritor Fernando Sabino, Bety Faria, iniciando sua carreira artística no teatro e na dança, Tereza Drumond, namorada de Baden, Nelita, então esposa de Vinicius, Dr. César Augusto Parga Proença, psiquiatra e o medico Otto Gonçalves Filho.

Apesar de já estar definitivamente inserido como um dos mais importantes discos da música popular brasileira, o comentário de Vinicius de Moraes na contra capa do LP é mais elucidativo do que qualquer outra observação que se queira dar ao trabalho: “Essas antenas que Baden tem ligadas para a Bahia e, em última instância para a África, permitiram-lhe realizar um novo sincretismo: carioquizar dentro do espírito do samba moderno, o candomblé afro brasileiro dando-lhe ao mesmo tempo uma dimensão mais universal (...) nunca os temas negros de candomblé tinham sido tratados com tanta beleza, profundidade e riqueza rítmica (...) é esta sem dúvida a nova música brasileira e a última resposta que da o Brasil, esmagadora à mediocridade musical em que se atola o mundo. E não digo na vaidade de ser letrista dos mesmos; digo-o em consideração a sua extraordinária qualidade artística, à misteriosa trama que os envolve: um tal encantamento em alguns que não há como sucumbir à sua sedução, partir em direção ao seu patético apelo”. 

Palavras proféticas as do poeta, pois, parece-nos cada vez mais distante e difícil produzirmos obras tão magníficas em função da “mediocridade musical em que se atola o mundo”. 

Músicas: 
01- Canto de Ossanha 
02- Canto de Xangô 
03- Bocoché 
04- Canto de Iemanjá 
05- Tempo de amor 
06- Canto do caboclo 
07- Tristeza e solidão 
08- Lamento de Exu 

Músicas e letras da autoria de Baden e Vinícius 


Ficha Técnica
Produção e direção artística: 
Roberto Quartin e Wadi Gebara
Técnico de gravação: Ademar Rocha
Contracapa: Vinicius de Moraes
Fotos: Pedro de Moraes
Capa: Goebel Weyne
Arranjos e regência: Maestro Guerra Peixe
Vocais: Vinicius de Moraes, Quarteto em Cy e Coro Misto
Sax tenor: Pedro Luiz de Assis
Sax barítono: Aurino Ferreira
Flauta: Nicolino Cópia
Violão: Baden Powell
Contrabaixo: Jorge Marinho
Bateria: Reisinho
Atabaque: Alfredo Bessa
Atabaque pequeno: Nelson Luiz
Bongô: Alexandre Silva Martins
Pandeiro: Gilson de Freitas
Agogô: Mineirinho
Afoxé: Adyr Jose Raimundo

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