Por José Teles
Alice Caymmi reúne a seu favor dois itens fundamentais para uma cantora. Voz bonita, afinada e potente, e interpretações que imergem, vai fundo, na canção. Comentários redundantes para quem já a viu ao vivo, ou mesmo curtiu seu elogiado álbum Rainha dos Raios (Joia Moderna). Aquele disco é a base do DVD Rainha dos Raios ao Vivo (Universal Music). Um projeto que levou dois anos, desde o início até a chegada às lojas. É este também o show que Alice Caymmi trará ao Abril pro Rock 2016, como principal atração do sábado.
Em 2014, o diretor Paulo Borges, mais conhecido por suas incursões em trabalhos relacionados com moda (São Paulo Fashion Week) realizou o primeiro clipe de Sargaço Mar (Dorival Caymmi), faixa do disco de estreia da cantora, Alice Caymmi, de 2012. A captação das imagens do DVD foram feitas em dezembro daquele ano, no Teatro Itália, em São Paulo. Paulo Borges assina a direção geral e conceito do vídeo, com cenário high tech de Richard Luz. Um show com marcação rígida, como nos áureos tempos de Fauzi Arap dirigindo Bethânia nos palcos, sem espaços para as improvisações, e falas desnecessárias mas que aqui, em certos momentos, engessa a espontaneidade da cantora.
O cenário é bem construído, as canções se sucedem como se fossem clipes distintos. A sensual Alice Caymmi afasta-se do modelito Madonna seguido pelas cantoras pop geral. Em lugar de shortinhos, decotes ousados, caras e bocas, ela se veste, boa parte do show, com sobriedade, mesmo no clássico da disco music I Feel Love, erotizada na gravação original de Donna Summer. No entanto há cenas leves de nudez no vídeo, no clipe de Sargaço Mar, em projeções de modelos despidas, e gemidos simulando orgasmos, em Homem (Caetano Veloso).
A terceira geração dos Caymmi chegou com toda força. Alice soa como uma versão anos 2010 de Nana Caymmi, com voracidade estilística antropofágica, o que vier ela traça. Menos a ver com tropicalismo, mais a ver com a ausência de preconceitos da geração que cunhou a frase tudo junto e misturado. É MPB, é rock and roll? É tudo e mais alguma coisa. Da Maysa de Meu Mundo Caiu, ao Tono de Como Vês (Bruno di Lullo/Domenico Lancellotti).
Iansã (de 1972,Caetano Veloso/Gilberto), que abre o repertório, é impactante, com o vozeirão de Alice em contraponto ao riff da guitarra de Diogo Strauz, o maestro do espetáculo. Da orixá do candomblé para os Glimmer Twins do rock, Mick Jagger & Keith Richards, da cinquentenária Paint It Black, que merecia um gestual mais solto. A dupla Sullivan/Massadas é revisitada em Joga Fora (sucesso com Sandra de Sá em 1986), contrapondo-se a ironicamente dramática Bang Bang(Sonny Bono), do repertório de Nancy Sinatra (que voltou à tona a partir do filme Kill Bill, de Tarantino).
Princesa, do MC Marcinho encara um Homem, de Caetano Veloso, numa interpretação à parte de Alice, na melhor canção do disco Cê. O ecletismo vai além do desejável com a inclusão de Sou Rebelde (Soy Rebelde, Alejandre/Madalena, versão de Paulo Coelho), que em 1978, quando gravada por Lílian (da dupla com Leno), já soava como jovem guarda requentada. A música fica sobrando num repertório até então bem amarrado, ainda mais pelo figurino criado para a música, Alice encaixotada numa roupa de tela, possivelmente pensada como metáfora para uma prisão, ou sabe-se lá o quê,
São 18 canções, mais o making of, de uma cantora que já está com quatro anos de estrada, mas que apenas inicia uma viagem que promete ser tão longeva e bem sucedida, quanto dos parentes da família Caymmi, que conciliam em doses generosas, talento e qualidade herdados de Dorival.
Confira Alice Caymmi em Como Vês:
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