quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

RUY CASTRO CONTA A HISTÓRIA PASSIONAL DO BRASIL DO SAMBA-CANÇÃO

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A história da vida noturna carioca até a chegada da bossa nova

Por José Teles


Grande Otelo, Linda Batista, Herivelto Martins e Ari Barroso, no tempo do samba-canção
foto : reprodução do livro


"A carne era sempre de primeira ­ pontas de filé­mignon picadas ­ temperada com cebolinha, louro, sálvia, segurelha, alecrim e manjericão, além dos convencionais sal, pimenta, tomates machucados e manteiga. O segredo estava no tempo de refogar este ou aquele ingrediente o na ordem em que se acrescentassem os temperos. O resultado era servido numa rústica travessa de barro, com arroz, agrião picado, farinha de mesa e um ovo poché por cima". Receita do picadinho do Meia-­Noite, casa, obviamente, noturna, receita do Barão de Stuckart, austríaco que marcou época na boêmia carioca. O picadinho do Meia­-Noite provou­se eficiente para recuperar fregueses debilitados por doses excessivas de uísque.

Dali espalhou­-se pela noite carioca, e foi a comidinha das boates que proliferaram na então Capital da Republica, a partir de um 30 de abril de 1946. "Considerando que a tradição moral, jurídica e religiosa do povo brasileiro é contraria à exploração dos jogos de azar, disse o locutor, lendo o texto oficial, fica decretado o fechamento dos cassinos em todo o território nacional". O anúncio da proibição do jogo, decretado pelo presidente Gaspar Dutra levaria, indiretamente, a proliferação dos samba­canção, que já existia desde os anos 30, Atribuía-­se a decisão presidencial à insistência diária de sua mulher, a professora Carmela Dutra, conhecida como Dona Santinha, que, no leito, procurava persuadir o marido a fechar os cassinos, influenciada pelas pregações que escutava dos padres.

Verdade ou não, a proibição do jogo, não faria o carioca permanecer em casa à noite. A ação pôs em evidencia um estilo musical que se abrigava nos novos espaços que foram surgindo na cidade: "Tais espaços eram as boates de Copacabana. Seus frequentadores, os novos donos do glamour, da intriga e do poder. E a música, o samba­canção".

Esta fascinante fase da vida cultural do Rio é contada, com riquezas de detalhes, e um texto primoroso, por Ruy Castro em A Noite do Meu Bem ­ A História e as Histórias do Samba-­Canção (Companhia das Letras, 510 páginas, incluindo o índice remissivo, R$). O samba­canção é a música de fundo para o autor contar a história da noite carioca, então uma das mais exuberantes do planeta, e de um Brasil que, em determinados momentos lembra muito o atual, só com o cenário transferido para Brasília, sem charme, e com uma lamentável trilha sonora. Em 1954, o País vivia uma crise política que comunga de diversas semelhanças com a atual. A oposição fazia alarde contra a corrupção no governo do gaúcho Getúlio Vargas, o ex­ditador eleito democraticamente em 1950.

A crise recrudesceu quando se constatou que no atentado contra o líder da UDN, inimigo declarado de Vargas, o Carlos Lacerda, em morreu o major Rubem Vaz, as manchas de sangue ia dar no Palácio do Catete, mais precisamente sujava as mãos de Gregório Fortunato, homem de confiança do presidente, conhecido como o Anjo Negro. Começou a se aventar a saída do presidente que, ele próprio, comentara com o aliado Oswaldo Aranha, que por debaixo do palácio do Catete havia um mar de lama. Quando tudo se encaminhava para a deposição do presidente eleito democraticamente, ele se antecipou aos seus opositores e matou-­se com um tiro no peito.

Antônio Maria, Rubem Braga e um amigo, o boêmio João Ribeiro Dantas, Dantinhas, jantavam um picadinho no Vogue, a mais chique boate do Rio, quando souberam que Vargas iria ser depostos pelo militares, que se dirigiram ao Catete para lhe dar um ultimato. Foram no carro de Maria de Copacabana ao Catete, em 15 minutos, afirma Ruy Castro. As tropas cercavam o palácio. Antônio Maria e Rubem Braga voltaram à Vogue. Dantinhas ficou por lá, deu uma carteirada, com um documento de um órgão já extinto, e adentrou o palácio. Conseguiu chegar ao gabinete do chefe da Casa Militar da presidência: "Achou uma poltrona no canto mais escuro da sala, sentou­-se e ficou esperando nem ele sabia o quê. Dormiu ali mesmo na poltrona, e foi despertado já de manhã, por um corre­corre no andar de cima ­ às 8h43 ouvira­se um tiro". O boêmio Dantinhas entrou de penetra na história.Tão brasileiro quanto a reviravolta que se deu depois do suicídio de Getúlio. De vilão, ele passou a herói nacional. O povo que, na véspera era a favor de sua saída, foi às ruas contra os que o atacavam. Assine o Estadão All Digital + Impresso todos os diasSiga @Estadao no Twitter

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