Por Joaquim Macedo Júnior
Amélia Brandão Nery (“Tia Amélia”) compositora, pianista, uma das referências de nossa música popular
Da crônica A Bênção, Ti’Amélia: “uma ressurreição de Chiquinha Gonzaga, com bossas novas”. – Vinícius de Moraes – 1953
“Assim, quando se ouve o som atual de Tia Amélia, pode-se dizer que é toda a história do piano popular brasileiro que soa em sua interpretação”. – José Ramos Tinhorão – 1980
Não costumo abrir textos com epígrafes. Dão a impressão de que estou carimbando, chancelando antecipadamente, uma tese, por conta da fama destes autores de apotegmas. Sim, parece uma sentença prévia para que o artigo não seja avaliado, posto que, diante das frases concisas e laudatórias a determinado personagem, torna-se o texto, por assim dizer, inquestionável.
Com as epígrafes, o articulista jogaria ou, ao menos dividiria a responsabilidade de discordâncias ou críticas com os frasistas escolhidos à minudência para a ocasião.
Não é este o caso, embora já tenha recorrido à prática em outras crônicas. Agora é para usar duas figuras conhecidas para facilitar ou pescar o interesse do leitor de primeiras linhas a vir comigo nessa empreitada: conhecer Amélia Brandão Nery, “tia Amélia”, pianista, compositora e música da maior expressão nacional, sendo, no entanto, praticamente uma desconhecida entre os não iniciados. Falo rapidamente dos dois nomes que assinam as epígrafes para dizer que não são unanimidade – perdoem-me a jocosidade – nem para mim mesmo.
De Vinícius de Moraes é redundante falar. Grande poeta, que popularizou-se ao dividir parceiras em canções com inúmeros compositores, deixando-nos obras como Garota de Ipanema, Chega de Saudade e Samba da Bênção, entre centenas. Gosto mais do letrista que do poeta.
Quanto ao vetusto José Ramos Tinhorão, esta figura de difícil trato, esculhamba quase tudo que vê e ouve. Aos 87 anos, no entanto, não raro fundamentou suas teses com arrazoados convincentes e por mais que tenha ferido artistas com a crueza de suas palavras e definições – atritos e implicâncias com Tom Jobim, Paulinho da Viola, Cartola – é reconhecidamente um dos maiores pesquisadores e críticos da Música Popular Brasileira.
Com isso, penso, me distancio da fama dos autores da abertura, evitando a alforria prévia, continuando porém a usar suas referências.
Casa onde residiu Amélia Brandão, na Rua Duque de Caxias, em frente a Pça Santos Dumont, próximo aos Correios de Jaboatão Centro |
Amélia Brandão ficou conhecida do grande público por breve tempo, por meio da canção “Minha Tia”, de Roberto e Erasmo Carlos, gravada em 1976. De acordo com a letra, a pianista teria influenciado muito o cantor Roberto Carlos, em seu início de carreira.
Mas, vamos começar a falar diretamente da vida e obra de Amélia Brandão Nery. Seu nome surgiu por brincadeira. Estávamos eu e meu irmão, Zeca Macedo, relacionando grandes músicos instrumentistas de Pernambuco, cada um em sua área. Era quase um ‘quiz’: surgiram Novelli, Robertinho do Recife, Paulo Rafael, Dominguinhos, Camarão, Naná Vasconcelos, Antonio Nóbrega, Spock, Jacaré, Heraldo do Monte, Antonio Meneses, Luperce Miranda, João Pernambuco e por aí foi até chegarmos ao piano. O primeiro a ser lembrado foi o premiadíssimo maestro Marlos Nobre, depois Cussy de Almeida (que os potiguares nos emprestaram), professor de nossa mãe, Dagô, no Conservatório Pernambucano de Música e, por fim, o garoto Victor Araújo, também com vários prêmios internacionais na bagagem.
Quando íamos dando por encerrado a divertida enquete, Zeca surge com “tia Amélia”, de quem, juro, nunca tinha ouvido falar. Ao buscar as primeiras informações, senti-me envergonhado. Como jornalista, no entanto, mantive a linha e disse: “pois bem, conheço não. Quem seria?”. Antes de ouvir a frase infame: “VOCÊ não conhece fulana?” Uma das vantagens da minha profissão é poder perguntar pela simples prática do ofício, sem constrangimentos.
Pois bem, estou há 10 dias lendo e ouvindo tudo o que tenho à disposição referente a tia Amélia.
Nascida em Jaboatão-PE (hoje, Jaboatão dos Guararapes), em 25 de maio de 1897, morreu em Goiânia-GO, no dia 18 de outubro de 1983.
Pianista e compositora, começou a carreira como pianista erudita, mas passou a dedicar-se sobretudo à música brasileira, particularmente ao choro, sendo muitas vezes comparada à sua predecessora Chiquinha Gonzaga (Rio, 1847-1935), de quem chegou a ser contemporânea.
Amélia nasceu em família de músicos. O pai era violonista, clarinetista e regente da banda da cidade, enquanto a mãe tocava piano. Aos 4 anos, Amélia já tocava piano de ouvido; aos 6, iniciou aulas de música; e, aos 12 anos, compôs a valsa “Gratidão”.
Enquanto lemos sua biografia, podemos começar a entender melhor “tia Amélia”, com o maxixe ‘Bordões ao Luar’, de 1959:
Seu desejo era ser artista, mas o pai e, depois o marido, tentaram impedir que seguisse carreira. Mesmo assim, Amélia fazia pesquisas sobre o folclore brasileiro, que serviriam, mais tarde, de tema para suas composições.
Casou-se aos 17 anos com um rico fazendeiro, escolhido pelo pai. Deixou o engenho Jardim, em Moreno, município pernambucano vizinho a Jaboatão, onde foi morar, na fazenda do sogro, que morreu dois anos depois do casamento do filho.
Atolado em dívidas, o engenho teve de ser vendido, bem como a fazenda. Após a perda dos bens, o marido de Amélia não resistiu e morreu, vítima de colapso, deixando-a viúva aos 25 anos, com quatro filhos para criar. Chegou a vender o próprio piano para auxiliar nas despesas da família.
Amélia Brandão, em 1938 |
Em 1929, foi ao Rio de Janeiro para esclarecer uma questão de direitos autorais (ah! os velhos direitos autorais, encrenca desde sempre!), relacionados com gravação de uma composição sua, sem autorização na Odeon (Isso me lembra Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco; Irmãos Valença e Lamartine Babo e assim por diante).
Na capital federal, contratada para se apresentar em um concerto no antigo Teatro Lírico, obteve enorme sucesso. Trabalhou em diversas emissoras de rádio e tocou piano com Ernesto Nazareth.
Na Odeon, além de ter recebido seus direitos autorais, foi convidada para a gravação de um disco.
Marcha pernambucana, de Amélia Brandão Nery, de 1932, cantada por sua filha, Silene Brandão Nery (Silene de Andrade), na época com 17 anos. Arte de capa: Heitor dos Prazeres:
Em 1933, a convite do Itamaraty, Amélia fez uma excursão pelas Américas, com sua filha, a cantora Silene de Andrade. Em Washington, EUA, chegou a jantar com presidente Franklin Roosevelt e esteve com celebridades como Greta Garbo e Shirley Temple. Representava o Brasil, a pedido de Getúlio Vargas.
Sua carreira seguiu com grande sucesso de público e de crítica. Fez sua última gravação em 1980, aos 83 anos, pelo selo Marcus Pereira. Faleceu em Goiânia-GO, aos 86 anos de idade.
Semana que vem tem mais música e obra de “tia Amélia”.
Fontes:
Site ‘Famosos que Partiram’ – Tia Amélia;
2. DE MORAES, Vinícius. Samba Falado (crônicas musicais). Miguel Jost, Sérgio Cohn e Simone Campos (Org.). Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008;
3. Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira;
4.Amélia Brandão por Semira Adler Vainsencher; 5. Portal Luiz Nassif
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