terça-feira, 11 de junho de 2013

PROJETO CCOMA - ENTREVISTA EXCLUSIVA

Indicado como um dos melhores álbuns de música eletrônica brasileiro deste ano e forte concorrente ao maior prêmio da música brasileira, 'Peregrino' prova que jazz e música eletrônica, na medida certa, é algo promissor.

Por Bruno Negromonte




A receita é a seguinte: coloque uma boa dose de jazz, acrescente música eletrônica na medida certa sem esquecer de pitadas regulares das diversas culturas existentes ao redor do planeta... ah! não deixe de lembrar também de acrescentar a melhor e mais tradicional música brasileira a gosto. Pronto! aí está uma receita que vem dando certo desde 2004, quando foi criada e foi batizada de Projeto CCOMA. Os responsáveis por essa exitosa experiência sonora são os músicos Roberto Scopel e Swami Sagara que juntaram  influências distintas para elaborar uma sonoridade precisa e condizente com aquilo que se propunham como podemos conhecer aqui mesmo em nosso espaço ao longo do mês passado partir da pauta ATRELADO A SOFISTICAÇÃO, O PROJETO CCOMA TRAZ UM MISTO DE OUSADIA E VANGUARDISMO.

Acho que uma das curiosidades quando abordam vocês é saber como foi que um cruzou na vida do outro. Como se deu este encontro de vocês?

Swami Sagara - A cidade em que moramos não é muito grande (Caxias do Sul – 500 mil hab.), em geral, os músicos se conhecem. Eu e meu colega Roberto Scopel já éramos amigos lá no começo dos 90. O CCOMA começou comigo e com nosso parceiro o DJ Moishe (que é o co-produtor do CD Peregrino), quando nos encontramos pra batucar e ligar as maquininhas eletrônicas, isso há mais ou menos 8 anos. O Roberto foi em nosso primeiro show para dar uma canja e nunca mais saiu. O Moishe, hoje, vive em Londres e é DJ.

E a ideia do projeto foi algo que surgiu em parceria ou um de vocês já germinava essa proposta de algum modo e a essa formação era o que faltava para florescer?

SS - A gente começou tocando e improvisando em cima de música de outras pessoas: Dzihan & Kamien, BajoFondo, Bonobo, Ramiro Mussoto, muita coisa de minimal... A gente colocava esses sons e improvisava percussões e trompete. Um tempo depois vieram as primeiras composições e experimentações. Acho que foi natural mesmo. Até que um dia encontramos nosso próprio caminho.


A música feita por vocês é a junção de diversas sonoridades, uma miscelânea que vai de Miles Davis aos afro-sambas de Baden e Vinícius, agregando valores de várias culturas. Dentro desse caldeirão gostaria de saber: quais as influências mais arraigadas na sonoridade de vocês?

SS - Seguramente Miles é uma influência do Roberto. Ele escuta muita música brasileira... Márcio Montarroyos, Moacir Santos... Eu como percussionista sou encantado pela música do Nordeste do Brasil – Gonzaga, Sivuca, mas gosto de Salsa, de música tradicional Indiana e Árabe, de música eletrônica da Alemanha, Moonbootica, GusGus, Sebastien Tellier, Trentemoeller, Isao Tomitta e tantos mais.


A música instrumental brasileira apesar da boa receptividade da crítica não possui o espaço merecido nos grandes meios de comunicação e isso consequentemente gera uma série de estorvos. Quais as dificuldades mais frequente que vocês se deparam nesse caminho que vocês optaram por seguir?
SS - Uma coisa que seria uma dificuldade, nós conseguimos transformar em diferencial. Muita gente confunde música produzida eletronicamente com um DJ que simplesmente toca músicas. Por exemplo, no ano passado estreamos o show do CD Peregrino na MIMO, que é um dos principais festivais de música instrumental do Brasil. No mesmo palco que tocamos estava Maria João e Mário Laginha no dia seguinte. A gente conseguiu transformar a dificuldade das pessoas em nos classificarem como um diferencial. Quase que uma nova categoria. Porque os poucos grupos que fazem música com máquinas no Brasil, em geral, fazem isso em clubs, pras pessoas dançarem. E, no show do Peregrino, as pessoas até podem dançar, mas nossa música em geral é para ser assistida. Por isso, quando possível, usamos projeções de vídeos construídos pela gente mesmo.


O filme “Profissão: Músico” que vocês participaram traz um pouco dessas ideias abordadas na pergunta anterior a partir da visão de profissionais na América Latina e Europa. Desses depoimentos e experiências qual foi a lição mais significativa que vocês apreenderam?

SS - Naná Vasconcelos disse: “- Pisem nas raízes!”. Fizemos isso e fomos indicados ao Prêmio da Música Brasileira pela segunda vez.




Como tem sido a receptividade do “Peregrino” por onde vocês tem passado?

SS - Excelente. Nós sempre temos receio de como as pessoas vão entender nossa ideia. Mas depois de ter tocado “Xangô é Rei” numa igreja de 400 anos em Olinda, e ter recebido os abraços dos padres e freira de lá, temos certeza que os ouvidos e mentes estão abertos à nossa música. Acabamos de fazer dois shows em eventos bem distintos. Tocamos num festival de rock em Montevidéu e num festival de jazz em Belo Horizonte, públicos bem diferentes, e nos dois locais recebemos aplausos. Acho que o fato de nos apropriarmos da linguagem eletrônica, mas ao mesmo tempo, tocarmos instrumentos de verdade como o Trompete, o Derbak, o Hang drum e a Zurna, acho que isso acaba despertando a curiosidade das pessoas.


Festivais como a Mostra Internacional de Música de Olinda (MIMO) evidencia que a oferta de boa música cativa um público de modo bastante intenso, porém o que se vê nos grandes canais midiáticos na maioria das vezes é a desvalorização da música de qualidade. Na opinião de vocês qual o principal motivo para essa dualidade existir?

SS - Bom, a MIMO existe há 10 anos. Eles formaram o público deles. Tenho certeza de que na primeira MIMO não havia tanta gente. Eles fizeram um trabalho de doutrina. Doutrina mesmo! Como a espírita! Salvaram muitas almas!


No Brasil, desde o governo militar é bonito ser desinteressado. É bonito ficar de fora, não se envolver, não comprar brigas! Penso que a idiotização da população começou lá. Dá pra escrever um livro sobre o assunto.

SS - As pessoas confundem música de entretenimento com música artística. Quando a TV coloca uma cena de novela que acontece na Turquia e coloca um rock estilo anos 80 como trilha, ela contribui muito com a tal idiotização. Acho que vai precisar muito mais que uma Olimpíada e uma Copa do Mundo para salvar este país. Temos exibido o documentário “Profissão: Músico” em escolas de ensino médio, e a realidade é muito triste. Outro dia ouvi um aluno me dizer: “- Gosto não se discute!”. Talvez ele tenha uma parcela de razão. Mas me soou uma herança do governo militar. Um resquício. Eu respondi à ele: “- Estamos em uma sala de aula. Se aqui não é lugar pra se discutir as coisas, onde será?”.


Como se deu essa participação especial do Di Melo? A faixa foi composta já idealizando essa parceria?

SS - Conhecemo o Di Melo em Garanhuns no Festival de Inverno. Era a estreia do filme dele. E nos encantamos com essa figura que estava cristalizada no limbo do começo dos 70. E aquele disco dele é mágico!! Ficamos amigos, e a parceria foi ideia do diretor do filme o Alan Oliveira.


Como vocês receberam a notícia de mais uma indicação ao maior prêmio da música brasileira?

SS - Foi uma refrescada na alma. Hoje, o músico precisa desses prêmios para ter mais visibilidade para seu trabalho, e conseqüentemente tocar mais. Tivemos alguns percalços neste começo de ano, mas a indicação nos faz acreditar que encontramos nosso caminho, nosso jeito de fazer as coisas. E não falo só da música em si, mas do jeito de administrar nossas carreiras, de levar a profissão de músico como outra qualquer.


Quais as expectativas para o restante deste ano de 2013 com essa inesperada indicação para o 24º Prêmio da Música Brasileira?

SS - Fazer mais shows, e poder tocar em festivais, que é quando conseguimos conhecer mais pessoas e outros músicos! Trabalho novo só para 2014.

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