Ainda a tempo, o Musicaria Brasil presta uma singela homenagem a este importante compositor do cenário musical pernambucano.
Por Abílio Neto
Quem examina a obra de Bráulio de Castro é forçado a reconhecer que está diante de um grande criador. O homem compõe em praticamente todos os ritmos do que se chama música nordestina, mas o que ele faz mesmo e bem, é criar música brasileira. Sou contra o uso desse rótulo "música regional" que inventaram porque a MPB abrigou todos os ritmos no seu vasto manto.
Como ele não tem um perfil daqueles que a prefeitura do Recife enquadra no seu carnaval multicultural, suas músicas e seus intérpretes ficam de fora da festa oficial momesca da Mauricéia. Mas o esquecimento geral da sua obra não se limita apenas aos palcos oficiais porque se dá também no Galo da Madrugada, nas prévias dos blocos e nas ruas do Recife e Olinda, o que é lamentável.
Esse pernambucano de Bom Jardim, conterrâneo de Levino Ferreira, nascido em 18/08/42, cujo nome completo é Bráulio José Gomes de Castro, tem registrada na sua vasta obra, inúmeros frevos (de bloco e frevo-canção) da melhor qualidade musical. Tanto ele quanto o alagoano Jorge Costa chegaram a ser confundidos na década de setenta com compositores ligados ao samba paulista porque residiam em São Paulo.
O seu último álbum de frevo produzido, chamado Pernambucaneando, traz um punhado de excelentes músicas e intérpretes consagrados, alguns solenemente ignorados no tal carnaval multicultural, gente da categoria de um Walmir Chagas ou Bubuska, dignos representantes da cultura pernambucana, porém uniculturais para os donos da festança pública.
A música Pernambucaneando, que foi gravada por Walmir Chagas, deveria até fazer parte desses pacotes caríssimos de divulgação que a prefeitura do Recife junto com o governo de Pernambuco promovem em outros estados porque nenhuma outra sintetiza tão bem o que é o carnaval daqui.
Um homem que na juventude era freqüentador do Pátio do Terço do bairro de São José do Recife, não iria se limitar somente a compor frevos porque foi lá que bebeu na fonte do samba de roda de Pernambuco (tão bom quanto o da Bahia) e também do maracatu vindo dos seguidores de Dona Santa. Daí que, quando se mudou para São Paulo no fim dos anos sessenta, levou na sua bagagem a influência legítima do que era produzido de melhor na música em terras pernambucanas. Os mais de vinte anos que permaneceu na capital paulista foram essenciais para conhecer grandes nomes da música brasileira e com eles desenvolver edificantes parcerias. É bom frisar que o avô paterno de Bráulio foi fundador da Banda de Música Grêmio Lítero Musical Bonjardinense e tocava tuba, bombardino e trompa.
A carreira oficial de Bráulio como artista começaria em 1964 quando gravou pelo Selo Verdi o frevo "Além de mim". Por essa mesma época, Cyro Monteiro gravou o samba "Maria Luiza", de Bráulio e Inaldo Vilarim, outro nome consagrado da música pernambucana, mas quase esquecido.
Bráulio de Castro também tem no seu curriculum musical a participação em diversos festivais: "Festival da Rede Globo", classificando em 3º lugar a música "Cem anos de Monteiro Lobato - Antes Que Acabem As Flores", canção defendida pelo cantor Noite Ilustrada; "Festival da Record", com a música "Recado de Adoniran para Arnesto", interpretada por Fátima de Castro e Demônios da Garoa; e o "Festival Canta Nordeste", classificando em 5º lugar a música "Boi da Alegria", cantada por Ed Carlos.
Em outros festivais do Recife como "Frevança", ganhou o 1º lugar com a música "Maracatu Quilombo" que foi interpretada pela cantora Matilde.
Em cinco edições do "Festival Recifrevo" conseguiu boas colocações: 1º lugar com "Bloco para Getúlio Cavalcanti", com o Coral Recifrevo e 4º lugar com esse coral, desta vez com a música "Moysés, o Menino da Sombrinha" e ainda com o mesmo coral, "Tire a Jangada da Frente".
Em parceria com Fátima de Castro, classificou também no "Recifrevo" a composição de sua autoria intitulada "Descompassado" e ainda no mesmo festival, "Faísca", composta em parceria com Dimas Sedícias e gravada por Nonô Germano.
Dentre suas mais de 330 composições gravadas, boa parte em parcerias, destacam-se "Desafio", com gravações de Alcione e também de Luiz Américo; "Porta é Pra Bater", com Jair Rodrigues; "Bendito Seja", interpretada por Benito de Paula; e quatro sucessos na voz de Genival Lacerda: "O Rádio", "O Disco", "Rock do jegue" e "O gravador".
Outros intérpretes também fizeram sucesso com suas composições, como Wilson Simonal com "Trinta Dinheiros", Nerino Silva com "Tá Vendo", Fafá de Belém com "Meu Bombom", Maria Alcina com "O Aperto", Nando Cordel com "Meu Bombom" (parceria com Bráulio), Alcymar Monteiro, Petrúcio Amorim e Adelmário Coelho com "Feitiço de Mulher", Cristina Amaral e Flávio José com "Eu Sou o Forró", parceria de Bráulio com Petrúcio Amorim, Noite Ilustrada com “Aplauso do Povo”, “Profecia” e “Assombrações do Recife Antigo, Os Demônios da Garoa com “Violão e Viola” e “Véio Mestre”, Germano Mathias com “Por Motivo de Força Maior”, Jackson Antunes com “Vai Devagar, Conceição” e a dupla Guilherme e Gustavo com “Mulher de Amigo Meu”.
Seus sambas "Herói Sou Eu" e "A Malandragem Entrou em Greve" são antológicos e alcançaram muito sucesso na interpretação do conjunto Originais do Samba. Bráulio é o compositor que mais fez músicas em homenagem ao seu time do coração, o Santa Cruz do Recife, dono de uma das maiores torcidas do país. Ele é reverenciado também por isso.
Sobre sua paixão pelo Santa Cruz, vejam o que escreveu Gerrá da Zabumba no blog do Santinha:
“Bráulio é uma figura inquieta. Compõe a todo vapor. Faz música o tempo todo. Os seus amigos já sabem, ligação de Bráulio vai ter uma nova música cantarolada ao telefone. E se o mote for o Santa Cruz, ele compõe brincando, tomando uma na esquina. Foi assim com o hino da Troça Minha Cobra. Estávamos numa calçada em Jardim Atlântico, eu, Alessandra, Chiló e Bráulio, jogando conversa fora e bebericando umas cervejas. Entre um papo e outro comentamos sobre a criação da troça. Bastaram alguns minutos e o hino estava feito. Certa vez, perguntei a ele sobre o disco O Veneno da Cobra Coral. De onde veio a ideia, a inspiração, enfim, como nasceu o Cd. ‘Eu tinha feito dois sambas: Veneza Brasileira, quando ainda residia em São Paulo (foi gravado por Nerino Silva) e O Veneno da Cobra Coral. No inicio da década de dois mil, surgiu a idéia de fazer um CD para o Mais Querido. Chamei Walmir Chagas para fazer a produção musical e pedi algumas músicas para os colegas compositores, que deram o silêncio como resposta. Me arretei e fiz mais oito, coloquei o frevo/hino O Mais Querido, de Mestre Capiba, O Papa Taças, dos Irmãos Valença, e mais uma de Leôncio Rodrigues/ Fernando Neves. Ainda incluí a marcha rancho Papai Tricolor, de Fátima de Castro, e fizemos esse disco’. Para quem não sabe, há muito tempo este Cd está esgotado. Em 2006 houve a tentativa de fazer uma nova tiragem, mas os custos, principalmente com direitos autorais, inviabilizaram a história.”
“A Malandragem Entrou em Greve”, samba debochado de Bráulio com Jorge Belizário, foi feito de encomenda para o cantor pernambucano Bezerra da Silva que seria o intérprete ideal para essa música, já que a irreverência deste samba é a cara do Bezerra, mas infelizmente aconteceu um acidente de percurso e a música foi gravada pelo grupo Os Originais do Samba, um conjunto muito bom que no entanto fez uma interpretação aquém do esperado.
Mas a irreverência do Bráulio se estende a outras músicas: Casa de Corno, Mulher de Amigo Meu, Nêga Tanajura, Zé Vigia, A Mulher do Corno Rico e a do Corno Pobre, Rock do Jegue, Forró Gay, Por Motivo de Força Maior, Vai Devagar Conceição, Vou Virar Calunga, Se Liga Ioiô, Relaxa e Goza, Blocalhau, Guaiamum Treloso, O Pinto da Madrugada, Festa na Válzea, O Cachorro que Lambeu o Seu, Bacia D’água, A Turma da Cirrose, Chifre à Portuguesa, Andando de Coletivo, Frango da Madrugada, Nóis Sofre Mais Nóis Goza, Briga de Barriga, Bola na Rede X Roda de Fogo, Penha-Lapa, Purucutruco, Voltando pra Favela e muitas outras.
Bráulio de Castro tem mais de 50 sambas inéditos, músicas de qualidade indiscutível que ainda não despertaram o interesse dos mais novos grupos de samba do Recife e de outras plagas, talvez pelo desconhecimento do valor dessas obras. São páginas que precisam ser gravadas porque enriquecem o mundo do samba.
Afora isso, produziu maracatus fabulosos como Pátio do Terço e Rainha do Morro, o primeiro gravado por Walmir Chagas e o segundo por Gerlane Lops. Aliás, Walmir Chagas como ele mesmo ou como o Véio Mangaba, é um dos maiores intérpretes da obra de Bráulio de Castro. Bubuska é outro que deu um show na gravação de Fogão, que era só um frevo de rua, mas que ganhou uma letra perfeita de Bráulio.
Todos os ritmos se encontram na obra de Bráulio de Castro: samba, forró, maracatu, frevo-canção, coco, embolada e até música para o pastoril profano. Eu, particularmente, sou um apaixonado pela alegria dos seus frevos e pela simplicidade e beleza dos seus sambas. É a personalidade do mundo da música que escolhi para ser meu patrono na Academia Passa Disco da Música Nordestina. A modéstia dele é uma coisa impressionante: “eu não sou m... nenhuma, só nasci com esse dom de milhares de nordestinos que é compor. Como dizia o velho Lua (Luiz Gonzaga): o Nordeste é um juazeiro carregadinho de compositores”.
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