Lançados entre 1980 e 1984, eles chegam às lojas mostrando as diferentes facetas do artista, de admirador do folclore pernambucano a ‘hitmaker’ de reggaes. Os discos ‘Coração bobo’ e ‘Cavalo de pau’ voltam em versão avulsa; já ‘Cinco sentidos’, ‘Anjo avesso’ e ‘Mágico’ vêm na caixa ‘Três tons de Alceu Valença’
Por Silvio Essinger
RIO - Os fins dos anos 1970 não foram lá muito generosos com o pernambucano Alceu Valença. Seu último álbum, “Espelho cristalino”, tinha saído em 1977. Ele não parava de fazer shows, mas, disco novo que era bom, a gravadora ia adiando, adiando.
— Eu me sentia um exilado artístico, peguei uma fama terrível de maldito — conta ele, que então fez o espetáculo “Alceu Valença em noite de au revoir” e se mandou para a França, onde chegou a gravar um disco que não foi lançado.
Morto de saudades, o cantor logo voltou ao Brasil. E apresentou no Festival da TV Tupi a música “Coração bobo”, que foi desclassificada. Bode total. Na volta para o Rio, porém, sua empresária o esperava aos pulos: a canção tinha chamado a atenção do produtor Marco Mazzola, que estava montando o elenco da gravadora Ariola.
Com o LP “Coração bobo”, lançado em 1980, Alceu iniciaria a fase de ouro de sua carreira, de grandes sucessos e milhões de discos vendidos. Uma história que a Universal Music recupera agora com a reedição simultânea de “Coração bobo”, “Cinco sentidos” (1981), “Cavalo de pau” (1982), “Anjo avesso” (1983) e “Mágico” (1984). O segundo, o quarto e o quinto discos vêm na caixa “Três tons de Alceu Valença”. Já os outros voltam em versão avulsa.
— Eu fazia música como quem faz cinema. Cada um desses discos tem uma característica, um timbre diferente — relembra hoje Alceu, 66 anos, lá se vão mais de 30 desde o início da sua caminhada rumo às paradas de sucessos.
Num tempo em que artistas nordestinos como Zé Ramalho, Fagner e Elba Ramalho dominavam as rádios, o pernambucano chegou com “Coração bobo”, disco que promovia uma reconexão elétrica com a música de Luiz Gonzaga e de Jackson do Pandeiro, com acenos aos maracatus e às canções violeiras (como “Na primeira manhã”). O disco de estreia pela Ariola vendeu cerca de 450 mil cópias, credenciando Alceu para alçar para voos mais altos.
“Cinco sentidos” teve um resultado comercial inferior (150 mil cópias vendidas), um único sucesso (“Cabelo no pente”), mas representou a volta do artista às suas raízes artísticas. “Seixo miúdo”, que fecha o LP, é uma música que ele compôs em 1969 sob o impacto do pouso dos astronautas na Lua, quando estudava nos Estados Unidos.
— “Cinco sentidos” é um disco de revelações — define Alceu Valença.
LP de oito faixas rendeu problemas
Em 1982, “Cavalo de pau” viria como uma grande surpresa. Dois reggaes com sabor de manga rosa e umbu-cajá tomaram as rádios de assalto: “Tropicana” e “Como dois animais”. No fim do ano, o disco batia o milhão de cópias vendidas, e Alceu virava, enfim, a estrela que havia muito se anunciava. E pensar que aquele era tido como um disco-problema, já que fora entregue à gravadora com oito faixas, e não as tradicionais 12 a 14 que cabem em um LP.
— Aquela era uma obra completa, acrescentar outras faixas seria como botar bigode em uma pintura — considera Alceu. — Esse disco só saiu do jeito que deveria sair porque o Mazzola tinha um respeito total pelos artistas.
No álbum seguinte, “Anjo avesso”, o cantor deu mais uma guinada, rumo à riqueza musical e espiritual da cidade de Olinda. Frevo, xote, maracatu e as figuras das festas típicas da cidade disseram alô nesse disco, cujo grande sucesso foi “Anunciação” (“Tu vens, tu vens / eu já escuto os teus sinais”), música que acabou sendo identificada com a crescente campanha das Diretas.
— A anunciação era de outra coisa, mas se estava servindo ali, tudo bem — diz Alceu, que em seguida realizou um grande sonho, que foi gravar o LP “Mágico” na Holanda (logo ele, que, criança, ia ao rádio participar de concursos em que respondia a perguntas sobre a invasão holandesa de Pernambuco). — Eu era quase um intelectual mirim!
O hit de “Mágico” (LP que até hoje impressiona pela pressão sonora) foi “Solidão”, faixa que Alceu pediu à gravadora para tirar das rádios depois que um amigo, torturado na ditadura, disse que ficava deprimido ao ouvi-la.
— Eu pensava: será que estou fazendo mal às pessoas? Mas aí perguntei a mamãe o que ela achava e ele disse: “Acho bonita, é a trilha sonora para entender a solidão do mar!”
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