Em plena discussão de uma nova Lei do Direito Autoral, falsário engana e leva R$ 130 mil de autores.
Por Jotabê Medeiros
A cerca de dois anos a reportagem do jornal O Globo mostrou uma falha gritante no sistema Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais). Em 2011, um de seus associados, Milton Coitinho dos Santos, registrou como de sua propriedade trilhas sonoras de filmes como O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte; Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade; Finis hominis (1971), de José Mojica Marins; Feliz Ano Velho (1987), de Roberto Gervitz; Pequeno Dicionário Amoroso (1997), de Sandra Werneck; e O Homem Que Desafiou o Diabo (2007), de Moacyr Góes.
Segundo informa, o jornal teve acesso a documentos que mostram uma das nove filiadas do Ecad, a União Brasileira dos Compositores (UBC), tendo de responder a questionamento do compositor Sérgio Ricardo, que estranhou que os direitos recolhidos pela sua obra para a trilha de Deus e o Diabo na Terra do Sol, filme de 1964, dirigido por Glauber Rocha, tivesse ido parar no bolso de Coitinho. Este chegou a receber cerca de R$ 130 mil por direitos alheios. Deus e o Diabo na Terra do Sol tem também música de Heitor Villa-Lobos.
A UBC descobriu a fraude em janeiro daquele ano. Desde então, não tem ideia do paradeiro de Coitinho - não foi mais encontrado no endereço que deu, em Minas Gerais. A entidade ajuizou uma ação criminal contra o ex-associado (ele foi excluído do quadro da UBC). "Foi coisa de bandido bem preparado. Mas isso não é dizer que é uma "ponta de iceberg"; é uma fraude, e fraude existe em cartão de crédito, no sistema financeiro, em todo lugar", diz Marisa Gandelman, presidente da UBC.
Marisa duvida que haja novos casos como esse. "Eu não acredito. Logo que há algo assim, aparece. O dono da obra diz: isso é meu. É assim quando ocorre duplicidade. O problema é quando tem um vazio, quando os autores não registraram sua obra. No caso das trilhas, os produtores é que deviam informar", ela pondera.
O Ecad distribuiu nota oficial ontem comentando o caso. "Os verdadeiros autores das trilhas de obras audiovisuais não serão lesados e receberão o direito autoral referente à execução de suas músicas assim que a catalogação for regularizada nas respectivas associações de música", disse a nota, assinada pela advogada Gloria Braga, superintendente do Ecad.
"Importante tornar público que já foram realizados ajustes de débito para todos os filmes denunciados. Os créditos aos verdadeiros autores do filme Romance serão feitos ainda no mês de abril. Em maio estão previstos outros dois ajustes para os filmes: Didi Quer Ser Criança e O Homem Que Desafiou o Diabo. O Ecad aguarda a regularização da ficha técnica dos demais filmes citados para acertar o pagamento de direitos autorais pendentes e retroativos". Segundo a nota do Ecad, Milton Coitinho dos Santos vinha sendo investigado desde 2009.
A diretora de Direitos Intelectuais do Ministério da Cultura, Márcia Barbosa, disse que o fato é "grave" e que não cabe ao governo atribuir responsabilidades individuais. Mas que o caso registra a necessidade de aperfeiçoamento da chamada gestão coletiva de direitos autorais, "que a gente sabe que não é perfeita".
"Está demonstrado cabalmente que existe deficiência estrutural nesse sistema. Uma das coisas que poderiam melhorar seria o registro da obra, para o autor poder ter mais controle, e também a unificação desses cadastros", afirmou. Ela ilustra com o exemplo da literatura e do incremento dos registros autorais na Fundação Biblioteca Nacional.
Segundo Márcia Barbosa, o fato de a fraude no Ecad ter vindo à tona agora, quando está se debatendo uma nova Lei do Direito Autoral, não é negativo. "Eu acho que o momento é até propício, ajuda muito no debate, na forma de melhorar", disse.
Em 2010, o Ecad distribuiu R$ 346,5 milhões para 87,5 mil titulares de direitos autorais, um crescimento de 9% em relação a 2009. Destas obras musicais, 77% foram nacionais e 23% estrangeiras.
ANATOMIA DO GOLPE
O início
Homem procura sede da UBC/MG dizendo-se autor, produtor e intérprete de trilhas audiovisuais.
A esperteza
Como direito de autor é declaratório, ele enviou à UBC série de cue sheets (fichas técnicas) reivindicando autoria de trilhas (que sabia não serem registradas).
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