Lançamento de discos de intérpretes mostra a força sempre renovada do trabalho das cantoras na música popular brasileira.
Por Ailton Magioli
Responsáveis pela renovação constante da música popular, as cantoras não perdem o trono no Brasil. Tudo começou, como recorda o crítico e musicólogo Zuza Homem de Mello, ainda nos anos 1970, com a ascensão de Simone, Joanna e Marina Lima, entre tantas outras que se juntaram a Maria Bethânia, Gal Costa, Clara Nunes. “Daí para a frente, estranho passou a ser a falta de cantores”, acrescenta Zuza, atribuindo o fenômeno à falta de concorrência masculina no setor, que predominava na célebre era de ouro do rádio, na década de 1940.
Socorro Lira, Karina Zeviani, Patricia Bastos, Kátia B. e Ilma Brescia são algumas das que estão lançando discos. Mas a lista aumenta a cada dia. E, de acordo com o preparador vocal Felipe Abreu, ganha força com o advento de reality shows como The voice, American idol e tantos outros que têm versão também por aqui. “Esses programas acabam fomentando a vontade das pessoas em mostrar seus trabalhos”, acredita Felipe.
Ainda que cada vez mais elas assumam a porção autoral – vide Adriana Calcanhotto, Marisa Monte e Zélia Duncan –, os compositores acabam sendo personagens importantes na carreira das moças. Que o diga Roque Ferreira, comemorando o fato de ter começado com o pé direito, ao ter Apenas um adeus gravada por Clara Nunes, em 1979, no disco Esperança. “As cantoras foram muito importantes para mim, embora meus maiores sucessos sejam na voz de Zeca Pagodinho (Samba pras moças, seguida de Água da minha sede, da parceria com Dudu Nobre)”, recorda o compositor baiano.
Nos últimos anos, além de Maria Bethânia, que gravou três faixas em Tua, quatro em Encanteria e mais três em Oásis de Bethânia, Roque teve a sua música registrada em discos por Alcione, Beth Carvalho, Mariene de Castro e Tereza Cristina. Depois de Roberta Sá (Quando o canto é reza, gravado junto do Trio Madeira Brasil), atualmente Clécia Queiroz dedica um disco integralmente à música do autor baiano.
“Tenho como fundamento o talento de cada uma”, garante Roque Ferreira, que, mesmo tendo apostado em Alcione para gravar Samba pras moças, acabou tendo a canção registrada por Zeca Pagodinho, diante da recusa da Marrom, que não teria se identificado com ela.
“Nesse caso me enganei”, reconhece o compositor, que diz ter ficado “sentido” com o não de Alcione. Resultado: 'Samba pras moças' acabou ficando na gaveta por quatro anos, até que um produtor ligou pedindo inéditas a Roque Ferreira, fazendo da música o primeiro grande sucesso do autor baiano, na década de 1980.
Entre as intérpretes, a única a se tornar parceira de Roque foi Tereza Cristina (Cordão de ouro). “Depois de gravar Roberto Carlos para mim ela não é mais sambista!”, protesta Roque Ferreira, um dos legítimos representantes do samba de roda baiano.
Técnica e emoção
Pelo estúdio de Felipe Abreu, no Rio, já passaram intérpretes como Adriana Calcanhotto e Roberta Sá, além da própria irmã, Fernanda Abreu. Por trabalhar muito raramente com roqueiros, a maioria dos alunos do preparador vocal é do sexo feminino. “Elas realmente são em número maior”, constata ele, lembrando ter havido certo equilíbrio entre cantores e cantoras no país apenas até os anos 1970.
“As coisas começaram a mudar com os festivais, que possibilitaram maior visibilidade aos cantores-compositores”, recorda o preparador vocal, salientando o fato de, a partir de então, a interpretação ser mais valorizada do que a técnica ou o timbre.
Para Felipe, representantes da década de 1940 que estouraram na década de 1970, como Elis Regina, Gal Costa, Maria Bethânia e Clara Nunes, continuam sendo referências para as novas gerações. “Ainda que Marisa Monte, cuja estética tem a ver com a de Gal Costa, hoje seja uma referência para as mais jovens. Assim como Cássia Eller”, acrescenta o preparador. Atualmente, ele percebe uma busca mais profunda de suas alunas em relação a repertório. “Elas fogem à mesmice, além de correr atrás do lado B dos compositores e de material inédito”, constata.
Na opinião do preparador carioca, hoje também há o conceito de que autoral não é necessariamente o trabalho de composições próprias, mas de um repertório que traduza o trabalho da intérprete. “É uma vertente mais pessoal, para fugir do cover. Essa é uma constante das jovens com as quais trabalho, que estão em busca de algo mais singularizado, mais personalizado”, explica Felipe Abreu. Para ele, na última década, o fenômeno do teatro musical fez com que as cantoras brasileiras procurassem por uma formação de atriz e vice-versa.
Vale lembrar que há, ainda, o caso das famosas “cantrizes”, que, no caso específico de Zezé Motta e Tânia Alves, sofreram forte preconceito do mercado. Felipe fez a preparação de Soraia Ravenle, a estrela dos musicais Sassaricando e Um violinista no telhado, atriz e cantora de alto nível, como prova no primeiro disco solo, Arco do tempo, integralmente dedicado às composições de Paulo César Pinheiro. Soraia é irmã daquela que hoje é considerada uma das intérpretes brasileiras mais bem preparadas, tecnicamente: Itamara Koorax.
RECEITA DE SUCESSO
(Por Felipe Abreu)
• Buscar um traço pessoal e singular
• Ter timbre próprio
• Pesquisar repertório para trabalho consistente
• Investir tempo e dinheiro até o retorno financeiro
• Buscar um ótimo produtor e bons músicos
• Preocupar-se com apresentação cênica
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