Por André Diniz
No momento em que a nossa República sofre com uma das maiores crises da sua história, nada mais oportuno do que revisitá-la sob a sonora lente da música popular. Como disse o crítico Antônio Candido, “a música popular brasileira é o pão nosso de cada dia.” A sua capacidade de captar o singular, o cotidiano, os costumes, expressando a diversidade e as contradições da sociedade, colocou-a em um campo de excelência de estudos da nossa realidade.
Mas, a própria música popular, conceito por si só complexo, sofreu transformações profundas nas últimas décadas. A outrora venturosa MPB (música popular brasileira), uma mistura de tradição (samba/choro) e modernidade (bossa nova/tropicalismo), sedimentada nas batalhas ideológicas dos anos 60, foi implodida pelas novas tecnologias e pelos novos ritmos. Ficou, como a República, velha para as jovens gerações.
A República nasceu de uma quartelada do Marechal Deodoro da Fonseca e seus soldados, em 1889. E claro que não deu tempo para costurar uma nova bandeira e escrever os compassos de um novo hino nacional. A bandeira seguiu a cartilha e as bases positivistas: ordem e progresso. O hino que parte dos republicanos cantava nas ruas era “A marselhesa”, do compositor e militar Rouget de Lisle. O som que embalou os revolucionários franceses era considerado por muitos a trilha sonora da nossa República.
Foi uma dança da Cidade Nova, reduto dos afrodescendentes no Rio de Janeiro, que sacudiria a marcial República. O maxixe, possivelmente o primeiro gênero urbano no Brasil, era considerado por parte da elite uma dança licenciosa, vulgar, do povo. Seria, para os mais antigos como eu, tipo a lambada de Beto Barbosa dos anos 80. Era colar o corpo, envergar a parceira com sua saia esvoaçante e rebolar até o chão. Sucesso de público, o maxixe deixou em maus lençóis o marechal Hermes da Fonseca, Ministro da Guerra, por volta de 1906.
O ministro alemão Von Reichau e sua delegação desembarcaram no Rio de Janeiro e foram visitar a fortaleza de Santa Cruz. A Banda do Exército recepcionou a comitiva executando marchas e dobrados. No meio da apresentação, o ministro pediu ao maestro que tocasse uma música tipicamente brasileira. A batuta do regente passou a comandar o maior sucesso do carnaval daquele ano, ouvido em bares, teatros, festas populares e clubes, o maxixe “Vem cá, mulata!”, de Arquimedes de Oliveira e Bastos Tigre:
Vem cá, mulata!
Não vou lá, não!
Sou democrata,
Sou democrata,
Sou democrata
De coração.
Hermes da Fonseca enrubesceu de raiva. Nem mesmo a alegria incontida do visitante alemão fez diminuir a ira do militar. Dias depois, baixava-se uma portaria proibindo as bandas militares de tocar maxixe. Mas, não seria uma canetada que impediria o vertiginoso processo de crescimento da música popular no gosto da sociedade. O advento da indústria fonográfica (1902), e da radiodifusão (1922), aposentaria o maxixe e faria da jocosa marchinha e do popular samba, os novos ritmos da República na capital federal.
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