Por Paulo César Feital
Lá vem ele...
Já ouço ao longe Os acordes estridentes Do seu apito dolente Nos trilhos do descampado
Sugando os seios da serra Já surge do vão da terra O trem dos desamparados.
Lá vem ele... Carregado de tristezas, Cheinho de desespero,
Se aproxima da estação,
Da vila da opressão,
Meu trenzinho brasileiro.
Vem parando,
Lamentando,
Grita, chora, chora e grita
Chora e grita, grita, chora, chora,
chor... cho...ch...ch...
Na estação não tem ninguém,
Ninguém espera quem vem,
Quem vem não tem mais ninguém,
Nem pai, nem mãe, nem parente.
E o viajante pressente
Que o Brasil, infelizmente,
É o exílio do passado
Onde quem faz a história
Não merece estar presente.
São dois vagões que formam a composição.
Na frente, em letras borradas pelo sangue das canções,
Se lê no primeiro carro,
Todo sujo pelo barro:
"Vagão das Desilusões".
Nele viajam calados,
Com os olhos injetados
Do choro da solidão:
Pixinguinha, Orestes, Noel,
João da Baiana, Donga e Sinhô,
Patápio, Custódio e Nazareth,
Francisco, Orlando e Ary,
Lamartine e Ataulpho,
Wilson, Geraldo e Ismael,
Antonio Maria e Dolores,
Ciro, Zéquinha e Dalva,
Lupicinio, Nelson, Cartola, Vinicius,
Clara e Ellis, Zé ketti ,
Mauro Duarte e Dominguinhos
Monsueto, Wilson e Candeia,
João Nogueira e Jamelão,
Rafael , Paulo Moura e Jair
Pery, Emílio, Belchior, Tapajos
Sivuca e tantos outros...
E sentada lá no fim,
Num velho banco de couro,
Chiquinha com a rosa morta Do cordão "Rosa de Ouro"
E o trem range sofrimento, Num soluço lento, lento, Destilando na fumaça
A memória de uma raça
No vagão do esquecimento.
Que povo é esse, meu Deus,
Que detesta ser chamado
De colônia e filial,
Mas que brinca o carnaval
Balançado pelo funk e hip hop
E nas horas de aflição
Já te chama na oração
De "my brother,de "my God"?
Que povo é esse,meu Deus?
O segundo carro é o mais deprimente.
Gente que até muito pouco tempo
Fazia parte desse mundo muito louco,
Dando um pouco de alento
A índios, negros, caboclos,
Que no planeta da gente
São chamados de pingentes
Chora , grita , grita, chora,
Grita, chora, chora, grita,
chor...cho...ch..ch...
Que povo é esse , meu Deus,
Que detesta ser chamado
De colônia e filial
Mas que brinca o carnaval
Balançado pelo funk e hip hop
E nas horas de aflição
Já te chama na oração
De "my brother",de "my God"?
Que povo é esse , meu Deus?
Mas quem esquece não é o povo,é a"nata".
Gente que nunca viu a beleza das cascatas,
A jaçanã pelo mangue,
O tiê num vôo-sangue
Avermelhando essas matas,
Ou um mulato no sapê
Cantando as suas bravatas.
No último vagão ouvem-se gritos.
É o "Carro dos Alaridos",
O "Vagão dos Oprimidos".
Parece sardinha em lata,
É gente feito sucata,
Mortos-vivos e feridos.
É o "Carro dos Aguerridos"!
É tanta gente morena,
Um cheiro de alfazema
Misturado com suor,
Fragrância que eu sei de cor
Pelo vício dos sentidos.
É o "Carro dos Abandonados",
Dos párias, dos maus fadados,
Da miséria e caridade.
É o "Vagão da Humanidade"!
É gente que por mais que eles tentem,
A ternura jamais arrefece!
É o povo, gente. É o povo,
E o povo jamais esquece!
Chora,grita , grita , chora
Grita , chora,
Se levanta e chor...cho.. ch...
E lá no final dos trilhos,
Correndo atrás do vagão,
Chegando assim tão sozinhos,
Gritando: -“Esperem, tinha uma pedra no caminho
No caminho tinha uma pedra”,
Em alta voz e bom som,
Os últimos dos esquecidos:
Antonio Carlos Jobim,
Poeta Carlos Drumond.
Chora, grita, grita, chora,
Chor... Ch..Ch...
Vai maestro, leva o povo
Maquinista Villa Lobos,
Vai e não volta mais,
Leva esse negro pé-de-cana,
Esse mulato tão louco,
Esse povo meio gira,
Vai cantando as Bachianas...
Vai rangendo as Bachianas...
Lamentando as Bachianas...
Meu trenzinho caipira!!
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