quinta-feira, 5 de outubro de 2017

CHICO CÉSAR REFORÇA POSIÇÃO NA LINHA DE FRENTE DA MPB COM O DVD "ESTADO DE POESIA"

Tom de protesto político marcou espetáculo gravado ao vivo em Recife no ano passado




Com uma pegada que cruza um espírito de Bob Dylan com o repente nordestino, a música Reis do Agronegócio, de Chico César, é talvez a mais explícita canção de protesto feita no Brasil desde Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores(Geraldo Vandré, 1968) e Apesar de Você (Chico Buarque, 1970). 

Não se tornará um hino, como aquelas, pois os tempos são outros e porque é muito mais densa e política. Libelo contra o uso de agrotóxicos nos alimentos e a destruição de florestas para a criação de gado, ataca diretamente a bancada ruralista no Congresso, formada por "criminosos e nefastos", e defende os pequenos produtores. "Pobre tem é que comer com venenos", diz, ao fim da música, acrescentando: "Eu me alegraria se vocês morressem! Abaixo o capitalismo". Ao que o público responde: "Fora Temer! Fora Temer!".

Estou falando de um trecho do DVD Estado de Poesia – Ao Vivo, gravado um ano atrás no Teatro Boa Vista, de Recife, ao fim da temporada de promoção do álbum de inéditas Estado de Poesia, lançado por Chico César em 2015, oito anos depois do anterior. Entre um e outro, ele deixou para trás 25 anos de vida em São Paulo, retornando a sua terra para ser presidente da Fundação Cultural de João Pessoa (2009 – 2010) e secretário de Estado da Cultura da Paraíba (2011 – 2014). 

Focado nessas tarefas, a música ficou mais ou menos de lado. Mais ou menos, pois o disco da volta trouxe um jorro de criatividade, sendo destacado por vários críticos entre os melhores do ano. O DVD tem ainda mais potência: além das canções daquele álbum, inclui citações de alguns clássicos da música brasileira e uma inédita, Autopistas.

Pop, elétrica, também inspirada em Dylan, Autopistas é uma canção de estrada e encontro/desencontro, um dos temas prediletos do compositor, cujos versos se alimentam cada vez mais de fina elaboração poética. Para mim, Chico é o mais completo cantautor da geração surgida nos anos 1990. O repertório de Estado de Poesia comprova isso com grande maturidade. O disco todo tem alto nível, mas são exemplos da potência artística do compositor músicas, digamos, românticas, como Atravessa-me (a letra fala em uma mulher "com cheiro de banho no cabelo ainda molhado"), ao lado de músicas comportamentais, como o frevo Alberto(dedicada a Santos Dumont e à questão gay numa sociedade repressiva) e políticas (como o reggae Negão, sobre o racismo). Nas canções mais lentas, as melodias têm ares de folclore.

Construída à semelhança dos sambas de Adoniran Barbosa, No Sumaré fala sobre as praças "higienizadas" das cidades após a expulsão dos moradores de rua: "Hoje só resta a praça vazia/ Onde na noite fria/ O cachorro do rico faz o seu pipi". Com reggae, xote, frevo, samba, forró, embalados por convidados como o cantor baiano Lazzo Matumbi, uma banda paraibana de alta combustão, a percussão colorida de Simone Sou, o acordeão do moldavo Oleg Fateev e o desempenho energético de Chico, o show eletriza o público. Entre os clássicos mencionados acima, como citações dentro das músicas de Chico, aparecem Zazueira (Ben Jor), Besta é Tu (Novos Baianos), Juazeiro (Luiz Gonzaga) e a própria Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores, no mesmo bloco final ao lado de Mama África, primeiro sucesso do compositor, em 1995. Os extras do DVD incluem a parte do show só com ele ao violão, bastidores e o clipe de Autopistas.

Lançado simultaneamente, o CD tem três faixas a menos.

ESTADO DE POESIA - AO VIVO
De Chico César
Urban Jungle/ Canal Brasil/ Deck Disc
DVD em média R$ 38, CD em média R$ 25.
Disponível nas plataformas digitais.


Fonte: ZH

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