Em dissertação, pesquisador mostra que o compositor goiano sofria com a censura no período por causa de suas suas letras contra o preconceito e o moralismo
Por Breno Pessoa
Odair José teve cerca de 40 letras vetadas em suas versões originais por causa das críticas às elites e por falar de relacionamentos "pouco convenientes"
Quando pensamos em artistas brasileiros que foram perseguidos pela ditadura, rapidamente surgem os nomes de Chico Buarque, Gonzaguinha, Taiguara e outros. Menos lembrados, músicos populares como Odair José acabaram sofrendo censura não por questões políticas, mas morais, que interferiram igualmente na produção musical dos anos 1970. Passado o período de repressão criativa, o cantor e compositor romântico enxerga retorno ao conservadorismo no país, tema presente no recém-lançado Gatos e ratos (Independente, 10 faixas, R$ 25).
Musical mostra que o Odair José extrapola os clichês associados à cafonice Se, durante quase toda a carreira, Odair José teve a obra reduzida ao que se convencionou chamar de brega, rótulo que ele descarta, o músico tem enveredado cada vez mais pelo rock, como no mais recente trabalho. As incursões pelo gênero, no entanto, não são novidade, já que em 1977 lançou o álbum que é considerado a primeira ópera-rock nacional, O filho de José e Maria. Em Gatos e ratos, o artista mais uma vez retorna ao som mais cru e básico, guiado pela guitarra, baixo, bateria. Nas letras, ataques ao preconceito, às elites moralistas e, até mesmo, aos impostos pagos pela população.
Odair foi um dos artistas mais perseguidos nos anos 1970, por conta da Lei da Censura na ditadura. A extensiva atenção que os censores dedicavam às letras dele foi analisada pelo pesquisador Ivan Lima, na dissertação de mestrado em história “Ame, assuma e consuma: Canções, censura e crônicas sociais no Brasil de Odair José (1972-1979)”. “O que me chamou a atenção foi o número de reincidências. Ele foi muito censurado”.
Estima-se que pelo menos 40 letras foram vetadas em sua versão original. Na maioria dos casos, a participação de advogados das gravadoras e modificações nas canções garantiam liberação posterior. Mas algumas sanções foram mais severas, explica Lima. “Vou tirar você desse lugar (1972), por exemplo, saiu apenas em compacto”, diz o historiador, explicando que, embora tenha passado despercebida pelos censores inicialmente, a música acabou não entrando no disco seguinte do autor, como seria o esperado, já que a faixa foi grande sucesso na época. Algo parecido ocorreu com O filho de José e Maria, que acabou sendo recolhido pela gravadora e levando o músico a ser demitido.
“Através das letras desse artista, estabelecemos uma análise do país em um momento de repressão moral e política e de radicalização também no meio artístico”, analisa Lima na dissertação. “Aspectos do cotidiano popular, das relações amorosas, polêmicas sociais, transgressões morais e censura foram características essenciais dessa obra”, aponta.
HISTÓRIAS DE PROIBIÇÃO
Algumas das canções
» A primeira noite
A perseguição levou o músico a objetar várias das proibições impostas, ao ponto do músico procurar,
em 1974, o general Golbery Couto e Silva, chefe de gabinete civil de Geisel, para discutir sobre a situação. Sem sucesso nas negociações, Odair José mudou a letra de A primeira noite, vetada também por ser considerada de moral duvidosa para os jovens. A faixa acabou sendo modificada, inclusive
no título, que virou Noite de desejo.
» Amantes
Outro caso foi a música Amantes, que teve o veto justificado no documento por conta da “Ligação Amorosa Irregular e comentários pouco convenientes”. Para Lima, “essas argumentações evidenciam a censura ao que fosse moralmente condenável. O casamento como instituição é atribuído como algo que não podia ser arranhado”. O pesquisador lembra também que o divórcio ainda não era legalmente instituído em 1974.
» Em qualquer lugar
Nem sempre as mudanças no conteúdo ou negociações com o DCDP garantiam aprovação de letras inicialmente vetadas. Em qualquer lugar é um dos exemplos: a letra foi analisada por 12 diferentes censores em quatro processos distintos e, em 15 de junho de 1973, o parecer definitivo do órgão proibiu a gravação.
O problema alegado era conteúdo, considerado imoral, sugerindo a prática sexual em qualquer ambiente
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