sexta-feira, 26 de maio de 2017

DALVA DE OLIVEIRA: 100 ANOS DA INTÉRPRETE DA ALMA PASSIONAL BRASILEIRA

Cantora protagonizou a mais célebre polêmica conjugal da MPB



Dalva de Oliveira, aqueles olhos verdes


A cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo, a 173km da capital do Estado, está em festa desde terça-feira, 3 de maio. Celebra a rio­clarense mais famosa, Vicentina de Paula Oliveira, falecida em 1972, e que completaria 100 anos hoje. Com o nome artístico de Dalva de Oliveira, ela foi uma das principais estrelas da Era do Rádio, marcante pela voz extraordinária e pela biografia dramática, digna dos mais passionais dos boleros mexicanos, que ela tanto gravou, assim como tangos, sambas-­canção, marchinhas carnavalescas.

Casada com o compositor e cantor Herivelto Martins, os dois protagonizaram a mais famosa lavagem de roupa suja em público de que se tem notícia na música popular brasileira. Mas, ao contrário de outros casais que se separaram quebrando louças, derrubando estantes e prateleiras, Dalva e Herivelto pontuaram o quebra-­quebra com deliciosas, e mútuas, agressões musicais, responsáveis por centenas de milhares de 78 rotações vendidos. Um litígio conjugal que com direito a torcida organizada.

E louve-­se o talento do marido (cujo centenário foi festejado em 2012). Enquanto ele sozinho (algumas vezes com parceiros) fustigava Dalva de Oliveira, ela, que não compunha, contra­-atacava com petardos escritos por autores do naipe de Ataulfo Alves, Nelson Cavaquinho, Humberto Teixeira, Marino Pinto.


VOCAÇÃO

Quando o marceneiro Mário de Oliveira soube que a mulher, a portuguesa Alice, engravidara, escolheu de imediato o nome do filho: Vicente. Boêmio inveterado, clarinetista, ele queria um filho homem para acompanhá­lo nas noitadas. Mas veio uma filha, Vicentina. Aliás, o casal só teria filhas, mas a predileta era a primogênita a quem ele ensinou os princípios básicos da vida boêmia, incluindo apreciar uma boa cachaça.

Vicentina mostrou pendores artísticos desde criança, teve aulas de canto quando viviam em São Paulo e, quando a família se estabeleceu no Rio, arriscou­-se a enfrentar o temível Ary Barroso, inscrevendo­-se no seu concorrido programa Calouros em Desfile, na Rádio Tupy. Não se saiu bem. Ary Barroso, considerado o grande compositor brasileiro, sua Aquarela do Brasil tocava até nos Estados Unidos, não perdoava. Aproximou­-se da moça magrinha, de olhos verdes, cabelos crespos, e disparou: "Minha senhora, quer um conselho? Volte imediatamente pro tanque, de onde nunca deveria ter saído. Vá lavar roupa, a senhora jamais deveria abrir a boca pra cantar".

Ao contrário de outras calouras que humilhou e responderam à altura, como faria Elza Soares poucos anos depois, Dalva de Oliveira saiu chorando da rádio. Jamais imaginariam, Ary ou Dalva, que, em 1953, ela já famosa, o compositor lhe mandaria um pedido de desculpas, com uma composição impagável, Folha Morta.

Aos 18 anos, num teatro mambembe no Rio, conheceu o palhaço Zé Catimba, um magrinho de olhos azuis, que também cantava. Com Príncipe Pretinho formava a dupla Preto & Branco. Que seria transformada no Trio de Ouro. Passaram a morar juntos num cabeça-­de-­porco, um velho casarão onde se alugavam quartos.

Em 1937, tiveram o primeiro filho, Pery, que adotaria o sobrenome Ribeiro e chegaria também à fama no final dos anos 50 (morreu em 2012). O estouro com o Trio de Ouro (sem Príncipe Pretinho e com Nilo Chagas) aconteceu com Ave Maria do Morro, de Herivelto Martins, na qual Dalva de Oliveira, experimentou sua coleção de trinados que seria sua marca registrada, os célebres "laralari".




O ABAJUR LILÁS

"Donos de personalidade fortíssima, eram o que poderíamos chamar de dois vulcões. As brigas, pouco a pouco, se tornavam mais frequentes. Com mais dinheiro entrando, meu pai começou a buscar outras mulheres. De frequentes, as brigas passaram a violentas. Não foram poucas as vezes em que, ao voltar do colégio, ficava sabendo que minha mãe estava no pronto­-socorro ­ meu pai batera nela. Ou, então, procurava meu pai e diziam que ele estava no hospital minha mãe arrebentara a cabeça dele com um cinzeiro de bronze".

O entrevero conjugal foi contado por Pery Ribeiro, na autobiografia Minhas Duas Estrelas ­ Uma Vida com meus Pais Herivelto Martins e Dalva de Oliveira (escrito com Ana Duarte).

"Tudo acabado entre nós/Já não há mais nada/Tudo acabado entre nós/Hoje de madrugada/Você partiu e eu fiquei/Você chorou e eu chorei/Se você volta outra vez/Eu não sei", os versos de Tudo Acabado, de J. Piedade e Oswaldo Martins, lançado por Dalva de Oliveira no começo de 1950, iniciou o embate musical. Depois de viver entre tapas e beijos, cada vez mais tapas do que beijos, com traições de parte a parte. Dalva e Herivelto finalmente se separaram.

Não adiantava o casal aparecer na imprensa, fingindo felicidade, deixando-­se fotografar com os filhos Pery e Ubiratan. Dalva forçou a contenda gravando Que Será?, de Marino Pinto e Mário Rossi, um clássico do kitsch: “Que será/Da minha vida sem o teu amor/Da minha boca sem os beijos teus/Da minha alma sem o teu calor/Que será/Da luz difusa ao abajur lilás/Se nunca mais vier a iluminar/Outras noites iguais". A briga espalhava-­se para as amizades, já que Marino Pinto era parceiro de Herivelto Martins.

Com colaboração do jornalista e letrista David Nasser, Herivelto bateu forte: Eu deixei o meu caminho certo/E a culpada foi ela/Transformava o lar na minha ausência/Em qualquer coisa abaixo da decência". Desde a célebre polêmica de Noel Rosa com Wilson Baptista, nos anos 30, nunca um desentendimento gerou tanta música boa. Se não foi agradável para a vida pessoal dos dois, para a vida profissional, não poderiam ter maior publicidade.

O país inteiro acompanhava a reação dos desafetos como se fosse uma novela. Passada a tempestade, Dalva de Oliveira firmou-­se com uma das maiores estrelas da música brasileira. No entanto seu maior sucesso sairia de outras fontes. Em 1955, o álbum Dalva de Oliveira com Roberto Inglez e sua Orquestra fechava o repertório com um baião, um dos primeiros que Humberto Teixeira compôs depois da separação litigiosa, mas nunca assumida, com Luiz Gonzaga.

Depois de recusado por outros intérpretes, o baião Kalu foi gravado por Dalva de Oliveira, e se tornou um dos maiores sucesso da história do gênero, não apenas no Brasil. O disco foi gravado em Londres (o maestro Roberto Inglez era escocês) e foi um dos mais vendidos do ano. Kalu fez carreira internacional


BANDEIRA BRANCA

A bossa nova tirou de linha os artistas do rádio. De repente, o brasileiro já não curtia mais a passionalidade. As rainhas do rádio foram destronadas. Ângela Maria, Emilinha, Marlene, Dalva de Oliveira passariam alguns anos sem vez. Dalva voltaria a fazer sucesso exatamente no ano em que a Tropicália eclodiria, em 1967, com a marcha­-rancho Máscara Negra (Zé Keti/Pereira Matos). Fecharia a carreira de sucessos com a emblemática Bandeira Branca (Max Nunes e Laércio Alves). Morreu, em consequência de um câncer no esôfago, com 55 anos.


Fonte: JC Online

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