sexta-feira, 12 de maio de 2017

CANÇÕES DE XICO


DE COMO ME TORNEI PARCEIRO DE UM GÊNIO DA MÚSICA


Num final de tarde de Janeiro de 2011 recebo um telefonema que, não estivesse identificado no visor do Celular, iria me parecer alguém por Dominguinhos se passando. Dias antes havia criticado duramente, em meu programa da Rádio Folha, o poder estatal pelo fato de tê-lo desconvidado, após anúncio de sua presença, para evento de lançamento da pedra fundamental do Museu de Gonzaga, no Recife. Não poderia ficar calado diante de tamanha omissão e injustiça. Meu posicionamento (até hoje não sei quem foi o inconfidente) chegou aos ouvidos do Mestre e aquela ligação era apenas para agradecer minha solidariedade naquele episódio. Como se precisasse agradecer um gesto originado do coração e motivado pela pretensão de corrigir a ingratidão que permeava aquela decisão. Dias depois, não sei se como forma de agradecimento, nova ligação de Dominguinhos, desta vez solicitando minha parceria em um forró que ele estava preparando para o disco novo de Elba Ramalho. Marcamos um encontro e, 18 de janeiro de 2011, passamos o dia quase todo conversando e ouvindo ele tocar e compor, tudo de improviso, coisa que só os mestres e os gênios sabem fazer. Como se não bastasse tamanha alegria, ao encontro também se fizeram presentes Xangai e Paulo Vanderlei, este, amigo comum e profundo conhecedor da obra do Mestre, aquele, cantador emérito com pleno reconhecimento público. Tudo gravado e filmado, claro. Ao invés de um forró, o Mestre me presenteou com 11 melodias, com a proposta de que eu colocasse letra naquelas músicas. Fiquei a ouvir aquelas melodias, todas tão lindas e profundas, feitas de improviso, de uma só tacada. E eu me sentindo incapaz de colocar letras à altura, temendo decepcionar quem me confiara aquelas preciosidades, como antes fizera com Chico Buarque, com Djavan, com Fausto Nilo, com Gil e com tantos outros Poetas de estirpe enorme. Guardava-as, olhava-as e tornava a guardá-las. Às vezes penso que era um gesto inconsciente de egoísmo, de querer guardar aquilo só pra mim, de não torná-las conhecidas ao mundo. Privar o povo de conhecer aquele universo musical tão rico seria um pecado, dos mais mortais. Outras vezes eu imaginava tratar-se de um brinquedo e eu, menino abobalhado, sem querer estragá-lo, preservava-o egoisticamente das outras pessoas. Aquelas músicas eram jóias preciosas que não podiam ser usadas no dia-a-dia, ou um vinho temperado pelo tempo, que não devia ser bebido de um gole só. Folhas e folhas de papal rabiscadas e rasgadas até encontrar o que, no meu juízo, pudesse estar aproximado, do ponto de vista qualitativo, do presente recebido. Depois que fiz as letras, desfeita a dúvida se mostraria ou não a ele próprio e às pessoas, veio a última e final indecisão: e agora, o que vou fazer? Depois dessa parceria exauriu-se o Poeta que havia em mim. Onde vou encontrar melodias tão bonitas, harmonias tão ricas para motivar-me a escrever letras? Acho que cheguei onde podia chegar. Obrigado, seu Domingos.

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