sábado, 23 de julho de 2016

GETÚLIO CÔRTES É AUTOR DE 13 SUCESSOS DO REI, MAS ESTÁ ESQUECIDO

É o único com duas músicas num mesmo álbum de Roberto Carlos


Por José Teles


"Construí um barraco no quintal da minha casa, em Madureira. Ficava lá, fazendo minhas coisas, e tinha um gato que não parava de me perturbar. Eu tacava pedra nele, ameaçava matar, e nada. O bicho lá, me olhando. Terminei me inspirando nele para fazer uma música. Não pensei que fosse gravar porque gato preto dá azar. Renato, dos Blue Caps, ouviu e disse que ia gravar. Naquele tempo o conjunto tinha ainda Erasmo Carlos como crooner. A música serviria mais como enchimento de linguiça do disco do conjunto. Roberto soube que eu era compositor e me pediu uma música e fiz Noite de terror, que está no disco dele de 1965. Depois de gravar mais músicas minhas, ele me disse que ia gravar o Negro gato do jeito dele. Neste mesmo disco, de 1966, gravou também O gênio. Fui o único compositor com duas músicas num disco de Roberto", orgulha­-se o carioca Getúlio Côrtes, personagem importante e pouco lembrado da Jovem Guarda.

Aos 77 anos, Getúlio mora em Botafogo e vive dos direitos autorais de suas composições (que não lhe rendem tanto, garante) e de eventuais shows. Quando era morador de Madureira, Zona Norte do Rio, como a maioria da turma da Jovem Guarda, Getúlio começou, em 1962, com um conjunto de rock, que não foi muito longe, os Wonderful Boys, . Tocava um repertório de sucessos do rock americano. "Nesta época, conheci Ed Wilson. Ele soube que eu estava na música e pediu que passasse na casa dele na Piedade, perto de onde eu morava. Eles começavam o grupo ­ Ed, Renato e Paulo Cesar, que são irmãos ­ e me convidaram para ser o roadie, naquele tempo se chamava contra­regra, o cara que fazia tudo, carregava o equipamento. O pior do trabalho era levar o baixo de Paulo César, que era enorme e pesado", conta Getúlio, por telefone.

Como Renato e seus Blue Caps gravavam na CBS, ele passou a frequentar a gravadora, que tinha no elenco quase todas grandes estrelas do iê ­iê ­iê: "Conheci o pessoal quando a coisa ainda estava engatinhando, ninguém sabia no que ia dar. Quando pensaram no programa Jovem Guarda, queriam Celly Campelo com Roberto e Erasmo, ela não aceitou porque achou que ia levar eles dois nas costas. Os nomes naquele tempo eram Sergio Murilo, Tony Campello. A gente fazia tudo mais pela empolgação, eu mesmo ganhava muito pouco. Ninguém fala, mas na Jovem Guarda tinha discriminação com preto. Participei do programa como ajudante de Carlos Manga, que dirigia o Jovem Guarda, por indicação de Roberto". Filho da polícia militar, Getúlio Côrtes é irmão de Gerson King Combo, um dos pioneiros da black music no Brasil. Depois do Negro Gato, o bem-­humorado carioca, passou a fazer músicas com histórias engraçadas, contraponto às canções românticas, o grosso do repertório do iê iê iê: "Eu lia muito revista em quadrinhos, vinha daí as influências das minhas músicas. Lia muito histórias de horror, e foi daí que tirei o Frankenstein, de Noite de terror, que Roberto gravou", conta Getúlio, que passou a contribuir com pelo menos uma música nos LPs de Roberto Carlos.

Grande parte composta sozinho, algumas com parceiros: "O feio surgiu de uma ideia de Renato, de um cara que ele conhecia. Ele fez a maior parte, eu completei. Minhas músicas têm sempre uma história, como começo meio e fim. Pega ladrão, por exemplo, eu estava num trem e pegaram o cordão de um rapaz. A letra fala do broto no portão, não dava para pôr o trem ali", conta Getúlio Côrtes. O único instrumento que "arranhou" foi bateria, ainda nos tempos dos Wonderful Boys. As melodias ele cria cantarolando, e levava para alguém transcrever: "Quem passou muita música minha para o papel foi o maestro Pachequinho. Ele tocava no piano e ia me dando orientações. Demorava mais para botar letra. Para fazer música precisa ter criatividade, talento", diz.

Na Jovem Guarda, outros cantores emplacaram nas paradas com composição de Getúlio. Um deles foi Bobby di Carlo com Cuidado pra não derreter. A lista é longa e abrangente. Inclui duplas como Leno & Lilian e Os Vips, aos ídolos do iê iê iê recifense Reginaldo Rossi e Luis Carlos Clay, até Toni Tornado e o Raça Negra, passando por Wanderléa, Erasmo Carlos, Golden Boys, Fevers, Renato e seus Blue Caps, Raul Seixas, Titãs, Léo Jaime, e Luis Melodia, que ganhou o epíteto Negro Gato, depois que incorporou a canção de Getúlio Côrtes ao seu repertório. Mas apenas o que compôs para Roberto Carlos já lhe garante um espaço confortável na história da MPB, e torna ainda injusto o ostracismo imposto a Getúlio Côrtes: "Roberto foi mudando, e chegou uma hora em que não queria mais gravar músicas feito O sósia, que fiz com Renato, ou Pega ladrão. Ele pediu e eu entrei na parte romântica. Fiz O tempo vai apagar, com Renato Barros, que botou o nome do irmão, Paulo César para ajudar ele", revela.

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