domingo, 8 de dezembro de 2013

MADURO E CONSCIENTE DO PRAZER DE CANTAR JUNTO, BOCA LIVRE LANÇA ÁLBUM 'AMIZADE'

Disco destaca a qualidade musical dos temas, que vão de Gismonti a Edu Lobo

Por Kiko Ferreira



“Amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito.” E para soltar a voz nas estradas. O quarteto vocal Boca Livre demonstra não ter perdido a cumplicidade, que costuma crescer com quem convive muito tempo, no primeiro CD de repertório novo desde o bem resolvido 'Americana', de 1995. 'Amizade', com apenas oito faixas, apresenta quatro senhores grisalhos ostentando a sintonia de sempre, com bons arranjos e os vocais mais agradáveis da música brasileira recente. 

Maurício Maestro hoje mora nos Estados Unidos. Zé Renato tem carreira solo de lançamentos com repertórios e objetivos diversificados. David Tygel segue a carreira de autor de trilhas sonoras. Lourenço Baeta, apesar de ter menos visibilidade, mantém seus projetos individuais.

Depois de dois anos dedicados à escolha de repertório e à discussão e definição de arranjos, eles entraram no estúdio da gravadora Biscoito Fino, no Rio de Janeiro, para gravar apenas nove faixas. Uma ficou de fora por falta de liberação de herdeiros dos autores. O CD traz oito canções, entre inéditas e conhecidas por quem acompanha a MPB mais sofisticada.

Ao contrário do álbum de estreia, de 1978, primeiro LP independente a ter sucesso de vendas no país com um conjunto de canções de pegada pop e radiofônica, desta vez priorizou-se a qualidade musical. O grupo nem se preocupou com uma sequência de faixas comerciais. Basta notar que a primeira, 'Baião de acordar', era a música de encerramento do lado B do LP 'Corações futuristas', lançado por Egberto Gismonti em 1976. A segunda, 'Tempestade', de Chico Pinheiro e Chico César, com influência oriental marcada pelo duduk tocado por Zé Nogueira, tem quase seis minutos – e só começa a brilhar no segundo minuto.

Depois da delicada 'Terra do Nunca', feita por Edu Lobo e Paulo César Pinheiro para uma montagem teatral de Peter Pan nos anos 1990, o disco fica radiofônico com 'Mistério do prazer' (Zé Renato, Cláudio Nucci e Juca Filho), que Zizi Possi havia gravado em 1986, e volta à densidade com 'Rio Amazonas' (Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro), que abria o denso 'Brasilian serenata', um dos melhores discos de Dori, e foi relida por Zé Renato e Renato Braz em 2010. 

Do 'Clube da Esquina 2' saiu 'Paixão de fé', o clássico de Tavinho Moura e Fernando Brant, aqui com feliz e discreta intervenção da guitarra de Jr. Tostoi e do acordeom de João Carlos Coutinho. As maiores novidades dessa pirâmide invertida ficam para o final. 'Água clara', de Maurício Maestro, é uma guarânia pop arrebatadora. E Amizade, inédita parceria de Maestro e Marcos Valle (que comparece ao piano), é como uma 'Canção da América' suingada e leve, como a sólida relação dos quatro cavaleiros do pós-calipso vocal da MPB.


Clássicos com balanço

Pra que discutir com madame? Enquanto existir o espírito da bossa nova, cada vez mais imortal, haverá espaço para um disco do grupo vocal Os Cariocas. Mesmo que, 65 anos depois da estreia em 78rpm, e com apenas um integrante da formação original (Severino Filho), eles não soem como no princípio ou no auge da carreira, nos anos 1960. 

Estamos aí é o primeiro álbum do quarteto com a formação atual, a décima, e conta com Neil Teixeira, Eloi Vicente e Fábio Luna dividindo microfones com Severino, irmão do líder e fundador Ismael Netto. Enfeitado por convidados especiais, o CD foi produzido pelos próprios artistas e apresenta sonoridade capaz de agradar até aos que antes se incomodavam com alguns agudos herdados da influência dos grupos americanos dos anos 1930 e 1940.

Aberto com 'Madame quer sambar', samba suingado composto por Joyce Moreno, Roberto Menescal e Carlos Lyra como uma espécie de continuação do clássico 'Pra que discutir com madame?' (Janet de Almeida e Haroldo Barbosa), o CD traz vários standards brasileiros. Transformado em quinteto com a participação do ex-integrante Hernane Castro, o grupo soa clássico na leitura de 'Eu e a brisa' (Johnny Alf) e faz bela homenagem a Magro, do MPB 4, dialogando com um contido Chico Buarque e sua 'Januária'. Depois do clima de night club com Que maravilha (Jorge Benjor e Toquinho) e da bela versão a cappella de Marina (Caymmi), o quarteto faz leitura quase solene de Vera Cruz (Milton e Márcio Borges) e esbanja delicadeza em A noiva da cidade (Chico e Hime), com Francis Hime ao piano.

A felicidade (Tom e Vinicius), com uníssono de baixo e piano abrindo caminho diferenciado para o clássico da bossa nova, surge antes do flerte bem-equacionado com a harmonia mineira em 'O amor em movimento', de Chiquito Braga e Ronaldo Bastos, com direito à guitarra imortal de Chiquito.

Para fechar o “espetáculo”, Leny Andrade aparece com o pique costumeiro para duelar com o grupo em seu maior sucesso, 'Estamos aí', prova de que os veteranos ainda marcam presença com consistência e elegância.

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