Conjuntos imitam sons de instrumentos musicais. Os Cariocas, Boca Livre e MPB 4 mandam novidades para as lojas
Por Ailton Magioli
Tradição que fez escola no país graças a pioneiros como Anjos da Lua, Quatro Ases e Um Coringa, Bando da Lua e Demônios da Garoa, os grupos vocais estão em plena atividade. Que o digam MPB 4, Os Cariocas e Boca Livre, que acabam de lançar, respectivamente, os discos 'Contigo aprendi', 'Estamos aí' e 'Amizade'.
Depois da adesão à performance teatral, que nos anos 1980 transformou grupos como o Garganta Profunda em fenômeno de crítica e público, a última tendência é o canto a cappella. Lançado pelo norte-americano Take 6, o estilo ecoou no Brasil via BR 6, Be Bossa e Gó Gó Boys (Rio de Janeiro), Perseptom (São Paulo), Banda de Boca (Salvador) e Laugi (Brasília), entre outros conjuntos em atividade.
“Volta a prática do coro puro, com a música vocal a cappella”, atesta Neil Teixeira, integrante de Os Cariocas. Por uma década, ele deteve o título de o mais jovem integrante do clássico grupo, posto perdido para Fábio Luna. “O molde agora é o sexteto: um cantor faz a percussão vocal e outro a linha do baixo, enquanto o quarteto restante fica responsável pela harmonia”, explica. Além de resgatar o canto coral, embora em formato reduzido, os novos grupos trazem o inusitado: as vozes imitam instrumentos como a bateria e o baixo.
Recém-chegado da sexta turnê europeia, o BR 6 é adepto de uma formação pouco usual no país, ressalta a cantora Crismarie Hackenberg. “Somos uma mulher e cinco homens. Um deles se responsabiliza pela percussão vocal, motivo do nosso diferencial”, explica ela, ressaltando que a percussão, essencialmente brasileira, inspira-se nos sons de pandeiro, cuíca, ganzá e bumbo.
“Enquanto na música a cappella americana o diferencial está nos arranjos – com uma veia vinda da street dance, do rap e do beat box, imitando a bateria –, o nosso reside exatamente na percussão vocal”, reforça Crismarie. A vocalista diz que essa mudança de concepção tem influenciado artistas de todos os continentes. “O próprio Swingle Singers se adaptou à nova realidade”, observa. Formado em 1962, esse grupo francês foi reconstituído posteriormente em Londres, com novos integrantes.
Crismarie Hackenberg afirma que o BR 6 é diferente. “Fazemos música brasileira, mesmo cantando repertório internacional”, diz, garantindo que o abrasileiramento se dá pelo ritmo. Formado por Deco Fiori (tenor), Marcelo Caldi (tenor), André Protasio (barítono), Symô (baixo), Fabiano Salek (percussão vocal) e Crismarie Hackenberg (mezzo), o grupo é produto do encontro de professores, músicos e arranjadores que cantam sem ajuda de instrumentos.
Com 13 anos de carreira e quatro álbuns – 'BR 6 for all' será lançado em dezembro –, o grupo é detentor de vários prêmios The Contemporary a Cappella Recording Award, considerado o Grammy do setor e concedido pela The Contemporary a Cappella Society. “Trabalhamos sempre com o conceito fusion, mesclando a tradição brasileira a influências latino-americanas, mas com visão cosmopolita”, explica Crismarie. O conjunto reúne três gerações de cantores, que têm de 30 a 50 anos.
Um dos principais problemas desse tipo de formação é a falta de apoio das gravadoras, observa Neil Teixeira, d’Os Cariocas.
Renovação
Integrante do Boca Livre desde a criação do conjunto, no fim da década de 1970, o cantor Zé Renato admite certa renovação na música vocal. Esse fato vem sendo constatado por ele como jurado em festivais realizados no país. “Trata-se de uma tradição brasileira. Por mais que não apareça para o grande público, ela tem continuidade por meio de grupos como o Laugi, de Brasília, liderado pelo maestro Paulo Santos”.
Com Maurício Maestro morando atualmente nos Estados Unidos, o Boca Livre tem feito poucos shows. A agenda foi retomada para lançar o disco 'Amizade', que chega ao mercado 18 anos depois do último CD do grupo, 'Americana'.
Quem também está de volta ao mercado é o ex-MPB 4 Ruy Faria, que se uniu a Afonso Machado (Galo Preto) e aos filhos de ambos, Chico Faria e Tiago Machado, para gravar 'Bate bola', disco em homenagem ao futebol brasileiro.
Tradição mineira
Apesar da renovação constante – surgiram os grupos Voz e Companhia, A Quatro Vozes, Carona Brasil, Boca Frouxa, Amaranto e Cobra Coral –, o canto vocal mineiro anda ausente dos grandes shows. “Isso tem a ver com o tipo de música que a gente faz. No nosso caso, em busca da valorização da polifonia e da multiplicidade vocal”, assegura Ernani Maletta, cantor e regente do Nós e Voz – atualmente “adormecido”, segundo ele.
“Vincular elaboração musical com coisa chata é preconceito”, reage Maletta à alegação de que o gênero não atrai o grande público. “Muitas vezes ouvi de patrocinadores que esse tipo de música é elitizado. Trata-se, na verdade, de uma acusação falsa. Lembro-me da turnê que o Nós Voz fez em 2003 e 2004 pelo interior do estado – do Triângulo Mineiro à Região Central. Fomos muito bem recebidos, as pessoas ficavam encantadas com os shows”, relembra.
O surgimento de espaços em BH, como o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e o Cine-Theatro Brasil Vallourec, faz o artista vislumbrar dias melhores para a música vocal mineira. O Nós e Voz é formado por Valéria Braga, Márcio Santanna, Mateus Braga, Maurílio Rocha e Gláucia Quites, além de Malleta.
O cantor carioca Neil Teixeira explica que, até os anos 1940, o vocal brasileiro era feito intuitivamente, usando a harmonia com apenas três vozes. “Curiosamente, quem revolucionou o meio foi Ismael Neto”, lembra o vocalista, referindo-se a um dos fundadores de Os Cariocas, cujo irmão, Severino Filho, é o único remanescente da formação original. “Ismael era um fenômeno de ouvido. Ele escutava em 78 rotações, tinha conhecimento intuitivo”, relembra o empolgado Neil.
Ao surgir, em 1942, Os Cariocas revolucionou o cenário vocal brasileiro, trazendo para a música popular a condução harmônica a quatro vozes e tornando audição e harmonização mais próximas da música erudita. Com a morte prematura de Ismael (1925-1956), Severino Filho, que estudou com o musicólogo alemão Hans-Joachim Koellreuter (1915-2005), passou a liderar o conjunto.
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