Gravado ao vivo, CD traz nas composições e nos instrumentos um testemunho da origem e da trajetória de seus integrantes
Por Márcia Maria Cruz
Formação atual da Mundana Refugi tem 23 músicos, vindos de países como Haiti, Venezuela, Síria, Palestina, Congo e Tunísia, além do Brasil
A Copa do Mundo na Rússia, demonstrou que a migração como direito humano é garantia de sociedades mais diversas. Muitos foram os times da Europa cuja escalação contou com jogadores filhos de migrantes, como são os casos de Bélgica, com Romelu Lukaku, filho de congoleses, e da França, com Kylian Mbappé, de pai camaronês e mãe argelina. Na música também as vozes de imigrantes fazem a diferença, como mostra a Orquestra Mundana Refugi, que reuniu músicos de Cuba, França, Palestina, Síria, Congo, Haiti, Irã, Guiné-Conacri e Brasil na gravação se seu primeiro álbum. Com 10 faixas, o CD homônimo ao grupo foi gravado ao vivo no Sesc Consolação, em São Paulo, em agosto do ano passado.
A Mundana Refugi surge depois de 16 anos da Orquestra Mundana. Como parte do projeto Refugi, foram realizadas oficinas musicais gratuitas para imigrantes e refugiados. O multi-instrumentista Carlinhos Antunes, que coordena o projeto, conta que, amparadas no entendimento de que aspectos sociais e a música estão imbricados, as oficinas foram abertas para a participação de refugiados e imigrantes como forma de inseri-los socialmente. A orquestra passou de 10 integrantes para 23 com o acolhimento de migrantes haitianos e venezuelanos e refugiados da Síria, Palestina, Congo e Tunísia.
As composições presentes em Mundana Refugi foram criadas por Carlinhos. A faixa que abre o CD, Ayacucho, faz referência a povos indígenas do México. “Buscamos canto de língua indígena viva do México. Escolhi a canção por minha trajetória. É uma forma de homenagear os povos da América Latina”, diz. Do cancioneiro brasileiro foi escolhida Cajuína, de Caetano Veloso.
HISTÓRIA
O álbum também apresenta cantos tradicionais árabes e persas. Há temas que propõem o diálogo entre África e Brasil. “Trabalhamos com cantos tradicionais dos países originários. Buscamos canções que fizeram parte da história desses novos integrantes. Canções que mãe e pai deles cantavam ou que aprenderam na escola”, afirma.
Carlinhos lembra que a música pode colaborar para o planeta deixar de ser uma Torre de Babel. “A música pode vir a ser uma linguagem universal. Está sendo no caso da orquestra, que se pauta pelo respeito às culturas e diferenças. As pessoas saem da zona de conforto da sua própria cultura para experienciar a cultura do outro. Por exemplo, temos africano cantando em português. Todos cantando em sussu, língua de Guiné.”
Além das vozes de diferentes lugares, o álbum incorpora sonoridades de diferentes culturas. Os arranjos foram feitos para instrumentos como acordeon, piano, violino, cítara chinesa, bouzouki (da Palestina), kanun (uma harpa de mesa da região do Irã), kemancheh (espécie de violino típico do Oriente Médio) e djembê (tambor originário da África Ocidental). O resultado, em termos de sonoridade, nos conecta à imensidão do mundo. “Arranjar pensando nesses instrumentos foi tarefa muito linda e difícil. Uma preocupação era não só a questão do timbre, mas fazer com que o instrumento soasse bem como naipe de orquestra”, conta Carlinhos. Ele ressalta que o álbum apresenta formas de coexistência. “A convivência vai além da tolerância. É relação.”
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