segunda-feira, 16 de setembro de 2013

MÚSICA, ÍDOLOS E PODER (DO VINIL AO DOWNLOAD) - PARTE 12


CAPÍTULO 12

— Terra à vista! Terra à vista! 

Era o dia 5 de dezembro, cinco e meia ou seis horas da manhã, quando subi correndo para o convés e de fato, ao longe, despontava a silhueta do Rio de Janeiro, primeira escala na América do Sul. O céu estava resplandecente. O sol brilhava com ardor. E a proa do navio, já em marcha lenta, cortava o mar azul transparente quando já se podiam descobrir, pouco a pouco, o Pão de Açúcar, o Corcovado, a Mesa do Imperador. 

Quem nunca entrou de navio na baía de Guanabara não pode ter idéia do que seja a beleza da 
cidade. À medida que o navio fazia as manobras para entrar na baía, o Pão de Açúcar, que eu via à direita da Mesa do Imperador, de repente aparecia à sua esquerda; assim como o Corcovado, que estava à esquerda, surgia entre os dois, todos se movimentando como se fosse um balé coreografado pela natureza, oferecido com emoção para quem quiser se deixar enfeitiçar… 

Eu, vindo da chuvosa Paris, nunca tinha visto natureza mais bonita, nem sonhado que pudesse existir uma vista tão luxuriante. Quando o navio passou em frente ao Aeroporto Santos Dumont, decidi: 

— É aqui que eu quero viver. 

Desci até a cabine, peguei a minha mala, que pesava quase nada, e, de repente, me encontrei feito um bobo no meio da praça Mauá, confrontandome pela primeira vez com a realidade de minha situação. Entrei num hotel ali mesmo na praça e comecei a inspecionar os arredores da avenida Rio Branco. Almocei num botequim, andei mais um pouco e voltei para o hotel. Contei meu dinheiro e descobri que o capital podia me sustentar não mais do que três ou quatro semanas: 

— Merde! Somente três semanas... É bem pouco! 

Ao longo do meu passeio na cidade, já tinha compreendido que a estrutura social do Brasil não tinha nada em comum com a que eu conhecia na Europa. Podia esquecer os sonhos de trabalhar como cozinheiro ou confeiteiro. Não havia confeitarias ou restaurantes, somente muitos botequins. E, aos meus olhos, eram botequins muito estranhos. O pânico tomou conta de mim. Não dormi a noite inteira, a cabeça não parava de pensar:“Será que vou sair desta situação?”Apavorado, tinha esquecido que poderia trabalhar com discos: “Devem existir companhias de discos neste país… Com certeza!” 

Àquela altura, já eram seis horas da manhã. Desci até a recepção do hotel e, após demoradas tentativas de falar num idioma que fosse inteligível, acabei recebendo as Páginas Amarelas em minhas mãos.“Sim! Tem várias companhias de discos!”, exclamei com surpresa e esperança. Ali estavam: Odeon, Sinter, Copacabana, RCA, Continental. Escolhi a primeira que me chamou a atenção: a Odeon. Fui tomar o café da manhã no botequim da esquina e, lá pelas dez horas, telefonei para a Odeon. Falei com a telefonista, que, sob o impacto do meu falar incompreensível, ficou certamente nervosa e, por via das dúvidas, transferiu-me sem demora para a secretária do presidente da companhia, pensando que eu era um visitante estrangeiro importante. A secretária do presidente, compreendendo meu inglês cambaleante, intuiu que eu desejava uma entrevista com o seu chefe e, para minha surpresa, e sem maiores explicações, falou: 

Com muito prazer Mr. Morris , o nosso presidente, pode receber o senhor amanhã às onze horas. 

Está bem? 

Claro! — respondi, com o coração batendo forte. — Claro, está mais do que bem. E muito obrigado! 

Desliguei, espantado… Que país formidável! Sem barreiras ou cerimônias, sem recomendações de terceiros, você pede uma entrevista e acontece assim, de imediato! 

No dia seguinte, cheguei à gravadora às onze horas e, com extrema cortesia, a secretária me conduziu à sala do presidente, um homem de sorriso simpático, com cerca de 45 anos, de altura mediana, magro e muito britânico. Depois de me oferecer o tradicional café, ele me perguntou a que devia o prazer da visita. Naquele instante, percebi que tinha obtido a entrevista rapidamente porque todos acharam que eu era representante de uma marca francesa de discos que eles distribuíam no Brasil. 

— Não, senhor, eu não represento companhia alguma. A verdade é que acabo de chegar ao Brasil fugindo da Guerra da Argélia e estou à procura de trabalho. 

O senhor já trabalhou na indústria? 

Sim, senhor, na França. Trabalhei durante três anos na Decca francesa. 

E o que o senhor fazia naquela companhia? Com quem trabalhava? 

Assim, a conversa foi seguindo com Mr. Bill Morris, o presidente. Pensei que ele fosse telefonar para meus patrões em Paris e tomar minhas referências (mal sabia eu que uma ligação internacional do Brasil demorava vários dias para ser completada), mas não. Em vez disso, chamou um assistente — um outro inglês, um pouco mais jovem — que me perguntou quais eram meus artistas americanos preferidos. Mencionei Nat King Cole, Frank Sinatra , Les Paul & Mary Ford, Stan Kenton etc. Por pura casualidade, a maioria deles estava sob contrato com a Capitol Records, sediada em Hollywood, companhia que a Odeon inglesa tinha acabado de comprar. A Odeon brasileira, como as do resto do mundo, estava envolvida naquele momento com o lançamento do selo nos mercados locais. No meio fonográfico brasileiro, aquele selo ainda era muito pouco conhecido, e Bill Morris e seu assistente Bernard Ness vislumbraram em mim a pessoa que não encontravam no mercado. 

Bernard Ness me perguntou: 

— Quando você quer começar? 

— Posso começar amanhã, se o senhor quiser... — respondi com o coração pulando tão forte que eu tinha medo que fosse me sair pela boca! 

— Então, espero você aqui amanhã às dez horas. 

Assim, 72 horas depois da minha chegada, comecei a trabalhar no Brasil. O salário era pouco, muito pouco. Porém, minha vida estava salva. Com a ajuda de uma secretária, aluguei um quarto numa pequena pensão no Leblon, na rua Bartolomeu Mitre, administrada por uma família modesta, honesta e decente. Ia para o trabalho de lotação e, no final do mês, o dinheiro já curto, ia de bonde, passando pelo Jardim Botânico. Aos sábados e domingos, ia à praia do Leblon, que vivia quase deserta. As moças não frequentavam o mar para conservarem a pele o mais branca possível. Somente os rapazes apareciam para jogar futebol de praia. Eu ia ao cinema uma vez por mês e o único luxo que me oferecia era uma água tônica nas tardes de sábado, no terraço do hotel Miramar, no Posto 6.

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