Por Viviane Louro
A questão da acessibilidade é muito importante quando nos referimos aos deficientes físicos, pois muitos deles deixam de usufruir de uma vida normal por se depararem dia a dia com barreiras arquitetônicas nas ruas, estabelecimentos e em transportes públicos.
Pela lei, é obrigatório a adaptação de todos os tipos de estabelecimento às necessidades dos deficientes físicos, bem como de idosos, gestantes, obesos, dentre outros.
Tais adaptações se resumem a rampas, elevadores, corrimãos, banheiros com barras de apoio nas paredes, corredores e portas largas, etc.
Infelizmente, a realidade encontrada é outra. Por exemplo, em nenhuma das escolas de música municipais e estaduais de nível técnico e superior existentes em São Paulo há adaptações arquitetônicas adequadas.
De todas as escolas, a USP é a única que possui em seu campus rampas e banheiros para deficientes físicos. Mas em oposição a todos esses cuidados, há uma escada estreita e íngrime na única entrada existente para o prédio de música, dificultando o acesso do deficiente às facilidades encontradas dentro do prédio.
Certamente, esses tipos de barreiras dificultam a inserção do deficiente nas escolas de música.
Caroline Pedreira de Brito é estudante de canto lírico da Fundação das Artes de São Caetano do Sul há 4 anos. Ela nasceu com uma doença neurológica denominada "Amiotrofia Espinhal Progressiva", que a impede de andar sem o auxílio de cadeira de rodas.
Apesar de seu problema de certa forma dificultar o ato de cantar, Caroline diz que o que lhe impede de progredir nos estudos da música é, justamente, a falta de adaptação existente na escola. Para poder freqüentar as aulas, ela precisa ser carregada pelos amigos de classe, pois não há rampas nem elevadores no interior do prédio.
Outro problema encontrado pela estudante está relacionado aos banheiros da instituição. Nenhum deles oferece condições para que Caroline os utilize, uma vez que não possuem portas largas para possibilitar a passagem da cadeira e nem barras de apoio nas paredes. A escola possui três banheiros, sendo que um deles é coletivo, mas nenhum adaptado. Caroline comenta que já deixou de fazer diversos cursos promovidos pela escola justamente por não poder ficar um dia inteiro sem poder ir ao banheiro, pois os cursos eram em tempo integral.
A Fundação das Artes de São Caetano fica na avenida Visconde de Inhaúma, em São Caetano do Sul. Devido ao fato do intenso movimento dessa avenida, seria necessário uma área reservada para embarque e desembarque de deficientes dos automóveis, mas essa área inexiste. E esse fator também atrapalha Caroline quando seu pai não consegue encontrar vaga para estacionar em frente à Fundação. O problema se agrava em dias de chuva.
Apesar de Caroline freqüentar a Fundação das Artes há 4 anos, nunca lhe foi perguntado se algo poderia ser feito para facilitar seus estudos ou seu acesso à escola.
Os problemas enfrentados por Caroline na Fundação das Artes assemelham-se aos meus quando cursei graduação em Música na FAAM. No último ano do curso, o prédio reservado pela FMU para o curso de música não conseguia comportar as novas turmas de alunos. Por esse motivo, tomou-se a iniciativa, por parte da direção da faculdade, de reservar algumas salas do prédio de Educação Física que ficava em outro edifício da instituição.
Os quarto-anistas do curso de música foram remanejados para esse prédio e as aulas eram dadas nas salas do 5º andar. O único elevador existente passou praticamente todo o ano letivo (nove meses) em manutenção. O resultado para minha saúde não foi dos melhores, pois subir todos os dias os degraus até chegar à sala despendeu um grande esforço físico de minha parte.
Em relação aos transportes, as dificuldades não são menores. Os ônibus não são adaptados, os degraus são muito altos e torna-se cada vez menor o número de acentos reservados para os deficientes.
Aliado a essas dificuldades, não há colaboração tanto por parte dos funcionários, assim como dos usuários, em facilitar o acesso do deficiente ao transporte público. Há motoristas que não param próximo às guias, são imprudentes ao conduzir o veículo e, por vezes, ignoram o sinal de parada dado pelos deficientes nos pontos, principalmente, os dos cadeirantes. Por parte dos usuários, é comum o desrespeito à lei que garante aos deficientes os acentos reservados.
Certa vez, na Estação Santa Cruz, um motorista recusou-se a encostar o ônibus na guia para facilitar meu embarque. Sua resposta ao meu pedido: "Não é problema meu se você não consegue subir".
O sistema ferroviário possui problemas parecidos. O acesso também é dificultado, uma vez que na maioria das estações não existem elevadores ou escadas rolantes (salvo as estações do metrô). Ao tentar embarcar nos trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), o espaço entre o vagão e a plataforma é tão grande que pode provocar um grave acidente.
Portanto, muitas questões estão relacionadas quando nos referimos ao deficiente. Em se tratando do fazer musical, como exposto no decorrer desta série, há diversos problemas: falta de material adaptado, falta de profissionais qualificados, falta de prédios adaptados, bem como, os pré-conceitos existentes tanto em relação à música como em relação à capacidade dos deficientes.
É necessário pensarmos em todos esses fatores no que tange à aprendizagem musical de deficientes, pois caso contrário, sempre haverá um empecilho que distanciará esse fazer das pessoas que não se encaixam nos padrões.
Os problemas sociais existentes são mais significativos que as deficiências em si no que diz respeito a educação musical de deficientes. Com boa vontade, pesquisa e trabalho é possível adaptar qualquer atividade para um deficiente.
Enfim, será que há deficiência maior que o desrespeito e o descaso?
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