sexta-feira, 20 de setembro de 2013

01 ANO SEM ROBERTO SILVA

Em setembro de 2012 o Brasil perdia o príncipe do samba deixando a música popular brasileira, em especial o samba, sem um dos nomes mais expressivos do gênero em toda a sua história.

Por Urariano Mota





Informa a Wikipédia sobre o sambista Roberto Silva, falecido em setembro de 2012: 


Roberto Napoleão Silva (Rio de Janeiro, 9 de abril de 1920 – Rio de Janeiro, 09 de setembro de 2012), mais conhecido como ‘O Principe do Samba’, foi um cantor e compositor carioca”. 

Mas nós, que pelo sentimento conhecemos mais que as enciclopédias da web, desconfiamos que em nosso peito existem muitos verbetes ainda não digitalizados. Por isso começamos dizendo que a morte de Roberto Silva foi uma das piores notícias da música brasileira em 2012. E mais um pouco dizemos: para os brasileiros de minha geração, pode ser dito que com ele vai-se a infância de 1958.

Para os brasileiros das presentes gerações informamos: Roberto Silva anunciava o pecado, o bom pecado, o insuperável pecado do amor, do sexo, da sensualidade das mulheres em saias justas, de perfume damosel, nas gafieiras ao lado das vilas operárias.

E anotamos baixinho, como se baixinho pudéssemos escrever, à semelhança de um samba que desaparece aos poucos: 

Quando Roberto Silva incendiava os subúrbios do Brasil, a mulher no ideal de beleza era cheia, de quartos largos, de presença de encher uma tela em cinemascope, como de certo modo insinuava Kim Novak. Para os homens do povo esse ideal que vinha da renascença se transformava em formas ainda mais plenas, que recebiam o nome de “peixão”, ou de corpo violão, e com isso queriam falar da diferença entre quadris e cintura, com o acréscimo de uma bunda volumosa e braços cheios. Isso quer dizer, aqueles decotes, aquela cintura de violão no vestido justo, aquele perfume de zarabatana, a pele suada na dança possuía um visgo de jaca, de colar e se prender ao corpo. Aquelas formas exteriores os meninos percebiam como um objeto distante. Mulher desejável, é certo, mas o seu corpo não descia para eles, untuoso húmus, pois os mais velhos, sedentos, bebiam-no antes. 


Ouvíamos o arrastar dos pés, do sacudir nas cadeiras das mulheres tipo peixão, e víamos pelos muros da gafieira de seu Arlindo, o alfaiate do bairro, antevíamos o mundo adulto, o bom mundo adulto, a fazer amor até na canção Jornal da Morte, 



Já dissemos em uma crônica que são de entendimento precário as palavras que falam de música popular a partir das letras das canções, do objeto físico do disco puro e simples. A saída para o texto seria avizinhar-se da música pela imitação do mundo que a melodia evoca. Recurso precário já se vê. Primeiro porque de realização bem difícil, porque significa, em palavras simples, tocar e trocar uma melodia por letras. Seria possível tocar Vivaldi em palavras? Segundo porque a apreensão do que a música nos diz está longe de ser uma realidade objetiva, sua, de todos, sem diferença. Diante de tais obstáculos, de que serviria então o nosso atrevimento? - Serviria, servirá, se fizermos do que nos atinge uma outra composição, que guarde com a música narrada a semelhança e a empatia do tema. E da verdade do que dissermos surgirá uma chama, esperamos. 



Aquilo que Carlos Zéfiro mostrava, da forma escabrosa, "nojenta" (quanto pudor hipócrita!), o heterônimo Zéfiro que depois soubemos ser Alcides Caminha, o parceiro de sucessos de Nelson Cavaquinho, todo aquele pecado dos catecismos de Carlos Zéfiro, o sambista Roberto Silva nos mostrava com mais encanto e lirismo. É imortal a sua interpretação da crônica-samba Seu Libório, o feliz que contava à maneira do canto, ter a graça e as graças de Manon, Margot e Frufru, uma delas com um sinalzinho na pontinha do nariz, aquelas vizinhas que tanto queríamos, mais do que as três mulheres do sabonete Araxá. 

E o que dizer de sua interpretação em Pisei num Despacho? Uma composição antológica, na voz de um sambista e cantor de todos os tempos, devíamos dizer. Certo, dirão, o samba é do imenso Geraldo Pereira, dirão que Roberto Silva apenas cantava, e quem assim fala quer apenas dizer: “eu sou muito e muitíssimo burro”, porque falar que um cantor apenas canta é não compreender que interpretar é uma forma de compor, que cantar bem é um modo de criar, de ser parceiro da melodia original. Que um bom intérprete é o artista que assume o lugar do criador em todo o mundo. 

Na verdade, os escritores e jornalistas temos todos um débito sério para com a música popular brasileira. Com exceção de textos sobre João Gilberto, só escrevemos sobre os excepcionais compositores. Os intérpretes fogem de nossa mira, e de tal modo, que nada falamos sobre Elza Soares, Ângela Maria, Nora Ney, Cauby Peixoto, Orlando Silva, Jamelão, Mário Reis, Aracy de Almeida, Ciro Monteiro, Claudionor Germano, Expedito Baracho, Gal, Carmen Costa, Anisio Silva... olhem que o débito é imenso. 

Enquanto o débito não saldamos, somos obrigados a ler em todas as notícias do último domingo que “morreu Roberto Silva, o príncipe do samba”, ao infinito. Mas como dizê-lo um príncipe? Pelas roupas, pela elegância, pelo porte, pelo modo grave e coloquial de cantar o sentimento da gente do Brasil? - Ele era maior e mais que um príncipe: Roberto Silva foi, era e continua a ser um intérprete de sonhos da infância suburbana. Aquela infância que olhava tantas mulheres bonitas, desfrutáveis para os adultos, a circular na gafieira, nas danças aos domingos, às quais somente podíamos ser seu par com os olhos. 

Nós, os brasileiros de todos os rios, não merecíamos a morte de Roberto Silva dos Subúrbios do Brasil. Por essa notícia, é preciso mandar prender Risoleta 

0 comentários:

LinkWithin